Acórdão nº 502/13.9GCETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Janeiro de 2016
Data da Resolução | 13 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso Penal 502/13.9.GCETR.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.
Relatório 1.1. O Ministério Público junto da Comarca de Aveiro, Estarreja, Instância local, Secção de Competência Genérica, J.2, requereu o julgamento em processo comum e perante Tribunal Singular, de B…, devidamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, n.º 1, do Código Penal.
1.2. C…, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de D…, e ainda nas qualidades de tutor de E… de cabeça de casal da herança aberta por óbito de F…, acompanhado pelas demais interessadas G… e H…, deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado B…, requerendo a condenação deste no pagamento da quantia de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela prática do crime de burla que o arguido foi acusado.
1.3. “I…, Lda.”, deduziu igualmente pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado B…, requerendo a condenação deste no pagamento da quantia de €6.683,00 (seis mil, seiscentos e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela prática do imputado crime.
1.4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão (transcrição): “ (…) IV - DECISÃO Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos: Na parte criminal: - Condeno o arguido B…, pela prática, em autoria material, de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Na parte cível: - Condeno o demandado B… a pagar ao demandante C…, a quantia de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros legais contabilizados desde a notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento, e ainda da quantia de €400,00 (quatrocentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida esta última de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até efectivo pagamento.
- Condeno o demandado B… a pagar à demandante I…, Lda., a quantia de €2.583,00 (dois mil, quinhentos e oitenta e três euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros legais contabilizados desde a notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento, e ainda da quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida esta última de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até efectivo pagamento.
Custas na parte criminal: Condeno ainda o arguido nas custas do processo, fixando em 2 (Duas) UC o valor da taxa de justiça devida e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa (cfr. arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III do mesmo, 513.º, n.º 2 e 514.º, n.º 1, do C.P.P.).
Custas na parte civil por demandantes e demandado, na proporção do respectivo decaimento.
(…)”.
1.5. Inconformado com a condenação, o arguido B… recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes (transcrição): I. O presente recurso versa sobre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito.
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O tipo legal do crime de burla compõe-se dos seguintes elementos: Emprego de astúcia pelo agente; verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia; comprovação da prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida; existência de prejuízo patrimonial da vítima..., resultante da prática dos referidos actos - Cfr. Acórdão da RP de 25/03/2009, invocado pela sentença ora recorrida.
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Não se encontra minimamente demonstrado que o Arguido tenha usado de astúcia na sua conduta, nem tão pouco que, consequentemente, o comportamento da vítima (alegado burlado) tenha ocorrido em virtude de qualquer astúcia empregada por aquele.
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Arrogar-se verbalmente como proprietário de determinado bem - único facto, com relevância para o efeito, dado como provado (factos provados n.os 4, 10 e 35 da Sentença) -, não é seguramente o bastante para, só de per si, se poder julgar verificado o emprego de astúcia pelo agente.
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Necessário seria que a conduta do agente comportasse a efectiva manipulação da vítima, caracterizada como a sagacidade que envolve a escolha dos meios idóneos a conseguir criar e obter uma representação distorcida e desfocada da realidade em que a relação estabelecida se deveria ter desenvolvido - Cfr. Acórdão da RC de 10/09/2008, igualmente invocado pela Sentença ora recorrida.
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Sendo assim indispensável que os actos, além de astuciosos, fossem efectivamente aptos a enganar, não se limitando a uma simples mentira por parte do agente - Cfr. Sentença.
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E que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente, fosse aferida, tomando em consideração as características do concreto burlado - Cfr Acórdão da S. T.J. de 08/11/2007, igualmente invocado pela Sentença ora recorrida.
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O qual, in casu, se trata de uma empresa que se dedica. no âmbito da sua actividade comercial, à compra, abate e venda de madeiras, sendo o seu legal representante, nas próprias palavras do Tribunal a quo, "( ... ) um madeireiro que lida profissional e habitualmente com este tipo de situações ( ... )" - cfr. Sentença.
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Não é por isso admissível que a alegada burlada possa ter sido induzida a praticar os actos que acabou por praticar, com base apenas numa mera afirmação do Arguido e sem nunca ter procurado indagar minimamente da veracidade da alegação do Arguido.
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O que seria não só do mais elementar bom senso, mas também o mais expectável, quando e se analisarmos a situação ocorrida na óptica do homem médio, com as características e colocado na mesma posição que a alegada burlada.
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Concluindo-se, como tal, que a alegada burlada actuou de forma absolutamente negligente, senão mesmo leviana, contribuindo dessa forma decisivamente para o suposto engano verificado, pois que se tivesse actuado com o zelo que se lhe impunha, nunca tal situação teria ocorrido.
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Pelo que, tem necessariamente de se tirar a ilação de que houve um erro de julgamento, ao darem-se por verificados todos os elementos que compõem o tipo legal do crime de burla, designadamente, o necessário emprego de astúcia por parte do agente.
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Devendo o Arguido, consequentemente, ser absolvido da prática do crime de burla de que vem acusado.
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Assim não se entendendo, a pena de prisão efectiva aplicada ao Arguido sempre deveria ter sido objecto de suspensão ou, em alternativa, de execução em regime de permanência na habitação.
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Pois resulta provado na Sentença (factos n.ºs 4, 10, 24, 35, 41, 47 e 48) que o Arguido tem presentemente uma actividade da qual extrai rendimentos; tem três filhos (um dos quais menor) a viver consigo e ao seu encargo; possui habitação para residir; está económica e socialmente integrado; foi condenado uma única vez, pese embora o largo registo criminal, pela prática de crime semelhante àquele de que agora vem acusado e que o valor total apurado dos danos patrimoniais imputados à sua conduta é ainda assim inferior àquele que a Lei define como sendo elevado e que as circunstâncias determinadas do crime apontam claramente para uma execução desprovida de grande elaboração - Cfr. Alínea a), do Art.º 202 do C.P e Sentença.
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Assim como resulta provado que a última condenação do Arguido, tal como os factos que deram origem aos presentes autos, tem por base a prática de factos que remontam há já cerca de dois anos.
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Além de que, nenhuma das suspensões de pena aplicadas foram até agora objecto de revogação e a vigente pena de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, tem vindo a ser cumprida sem qualquer reporte de incidentes.
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A suspensão de pena acompanhada da imposição de certos deveres ao Arguido, como sejam o pagamento aos lesados da totalidade das indemnizações arbitradas, produziria certamente um efeito bem mais reparador/compensatório do mal praticado e contribuiria seguramente para uma maior e melhor interiorização por parte do Arguido das finalidades da pena determinada e para a sua ressocialização, do que a pena de prisão efectiva aplicada - Vd. n.º 1 do Art. 40, n.ºs 1 e 2 do Art. 50º e a alínea a), do n.º1 do Art.º51 do CP.
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Mas ainda que assim também não se entenda, sempre se deverá fixar que o cumprimento da pena de prisão aplicada seja executada em regime de permanência na habitação, com recurso ao uso de vigilância electrónica, pelos motivos já supra expostos, mas também e principalmente, pelo facto de que o Arguido tem um filho menor a seu cargo; tem suficientes condições habitacionais e de suporte familiar para assegurar o cumprimento pleno de tal medida e porque tal forma de cumprimento de pena, representaria certamente um menor ónus para o erário público – Vd. n.ºs 1 e 2 do Art" 44 do C.P.
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Ao decidir como decidiu, a sentença ora colocada em crise violou o n.º 1 do Art.º 217º e o n.º 1 do Art. 40, os n.ºs 1 e 2 do Art. 44, os n.os 1 e 2 do Art. 50 e a alínea a), do n.º 1 do Art. 51, todos do Código Penal.
1.6. Respondeu o MP junto do Tribunal “a quo”, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo, por seu turno: “1º - Da matéria de facto dada como provada nos autos, conclui-se que foi o arguido que criou o facto enganoso - contactar J…, arrogando- se proprietário de terrenos em que houvesse arvoredo vendável e propondo-lhe a venda das aludidas árvores - e através desse facto enganoso, J… comprou-lhe as árvores, mandando proceder ao seu corte.
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- Com a sua conduta, o arguido convenceu J… a...
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