Acórdão nº 394/13.8GBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES SILVA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 394/13.8GBVNG.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida sentença que o condenou, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º l, e) e n.º 3 do mesmo diploma e de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366.º do Código Penal, nas penas parcelares de, respetivamente, de 140 dias, 160 dias e 50 dias de multa, à taxa diária de €12,00 e em cúmulo jurídico na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €12,00 (doze) euros.

*Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação que remata com as seguintes CONCLUSÕES: DA NULIDADE INSANÁVEL – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL 1) Tratando-se de crime semipúblico, é condição do procedimento criminal a tempestiva manifestação de vontade de instauração do procedimento criminal, por parte do ofendido, definindo-se este como o “titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação” - art.º 113.º, n.º 1, do CP.

2) Na expressão da decisão em mérito, uma funcionária da sociedade comercial proprietária de um C1… pode ser considerada ofendida para efeitos do crime de furto p. e p. no art.º 203, n.º 1 e 3 do CP, por i) ser detentora de um “poder de facto” sobre o combustível; e ii) ter sido lesada, pois a entidade patronal fez repercutir no seu património a obrigação de pagar, em equivalente pecuniário (85,41 euros), o valor do combustível não pago.

3) Em fase de inquérito, a sociedade comercial C… não exerceu direito de queixa quanto ao crime em questão.

4) Não é todo e qualquer interesse sobre a coisa, objeto de direito, que legitimará processualmente a manifestação de vontade de prossecução do procedimento penal, mas apenas e só quando exista um interesse específico, que a lei define como interesse “especialmente” protegido com a incriminação.

5) Ofendido não é o titular de um qualquer interesse; apenas o será o titular de interesses especialmente protegidos pela norma incriminadora, numa perspetiva teleológica.

6) Não se inclui nesta última categoria o caso do funcionário cujo património indiciariamente tenha sido afectado pela atuação de alguém que furta coisa propriedade da sua entidade patronal.

7) Na relação jurídica que mantém com o empregador, o funcionário atua como mero detentor, não lhe sendo atribuído qualquer direito de uso ou de fruição da coisa em razão das funções que exerce ao abrigo de um contrato de trabalho, nem a lei lhe confere quaisquer meios de defesa da posse, ao contrário do que acontece com outros direitos de cariz obrigacional, como a locação, o comodato ou o depositário.

8) Mediante o modo como foi configurada a intervenção processual da testemunha funcionária do C1…, quando muito, esta poderia assumir-se somente como lesada, uma vez que só de forma mediata, indireta, reflexa ou remota, o seu interesse foi atingido com a conduta imputada ao arguido.

9) O conceito de lesado, em processo penal, não se confunde, nem coincide, com o conceito de ofendido, pois a lei configura casos em que o lesado não tem legitimidade para se considerar como ofendido, podendo, apenas, deduzir pedido de indemnização civil.

10) A decisão recorrida confundiu estas duas distintas realidades jurídicas (os conceitos de ofendido e de lesado), pelo que não pode manter-se na ordem jurídica.

11) A atribuição, in casu, de legitimidade a uma funcionária para considerar-se titular de um direito de queixa, traduz uma ostensiva e incompreensível desconsideração pela falta de manifestação de vontade em ver instaurado procedimento criminal, por parte da sociedade comercial proprietária do C1…, C…, enquanto verdadeira ofendida e titular do interesse protegido pela norma incriminadora do art.º 203.º, n.º 1, do CP.

12) Acolher como correta a ideia de que, ao ter sido obrigada a reparar um prejuízo sofrido pela entidade empregadora, uma funcionária acaba por assumir, de forma mediata, a qualidade de ofendida para efeitos de processo penal, significa dar guarida a um negócio jurídico nulo. Pois, 13) Por força do disposto no n.º 1 do art.º 279.º do Código do Trabalho, “na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela”.

14) A decisão recorrida violou, nesta parte, o disposto no art.º 113.º, n.º 1, do CP, pelo que o Ministério Público não tinha legitimidade para, sem queixa do ofendido, deduzir acusação.

15) Tal situação traduz a nulidade insanável prevista na alínea b) do art.º 119.º do CPP, , pois ocorre a “falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º...

” do CPP, que inclui os casos de (i)legitimidade do MP.

16) Não havendo queixa por parte do ofendido, falece um pressuposto insuprível do procedimento, pelo que deve ser declarada a nulidade do procedimento, ou simplesmente a absolvição da instância, com as legais consequências.

NULIDADE POR CONDENAÇÃO SEM COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA QUANTO AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO 17) O arguido estava acusado da prática do crime de falsificação de documento p. e. p. pela alínea b) do n.º 1 e 3 do art.º 256.º do CP.

18) Porém, a sentença acabou por condenar o arguido pelo crime previsto na alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do CP, sem comunicar a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, ao abrigo do n.º 3 do art.º 358.º do CPP.

19) Tal omissão constitui a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, o que se argui para todos os efeitos legais.

IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 20) O arguido considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos, que a douta sentença recorrida julgou provados e que, ao invés, deveriam ter sido e devem ser declarados como não provados: a) “No dia 13 de maio de 2013, às 9H35, o arguido B…, então proprietário do veículo de matrícula ..-..-.. dirigiu-se ao posto de abastecimento da D…, gerido pela C…, situado no n.º …. da Rua…, em …, nesta comarca de Vila Nova de Gaia, conduzindo a viatura com os digitos da referida matrícula alterados, de forma a que o veículo passasse a ostentar a matrícula ..-..-... Lá chegado, após a funcionária E… lhe ter dado autorização para abastecer a referida viatura numa bomba que se encontrava em pré-pagamento, o arguido proveu-a com 53,08 litros de gasolina, no valor de 85,41 euros e colocou-se em fuga sem efetuar o respetivo pagamento”.

  1. “ao agir como se descreveu em a), o arguido fê-lo com intenção conseguida de se apoderar do referido combustível e dele fazer coisa sua, apesar de saber que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade e sem o consentimento da sua proprietária”.

    “o mesmo [arguido] agiu, também, com o intuito de iludir a actividade fiscalizadora das autoridades de trânsito e dos funcionários dos referidos postos (sic) de abastecimento, ocultando a verdadeira identidade do veículo a si pertencente, para, em prejuízo dos seus proprietários (sic), poder fruir o combustível de que se apoderou, sem ter de acarretar as consequências da sua apropriação ilegítima. Estava ciente de que as matrículas apostas no veículo, não correspondiam à sua e, não obstante, quis conduzi-lo e utilizá-lo nessas circunstâncias, com a consciência de que atentava contra a fé pública daquele elemento de identificação, que se traduz num documento destinado a provar, através dos números e letras neles inscritos, que a viatura se encontra matriculada”.

    21) São as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, pelas razões que ficaram desenvolvidas no texto da motivação de recurso: - declarações da testemunha E…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar do dia 20.5.2015, com particular realce para os segmentos, acima transcritos, registados na gravação às rotações 01 minutos e 29 segundos a 03 minutos e 26 segundos; 03 minutos e 30 segundos a 05 minutos e 53 segundos; 06 minutos e 19 segundos a 07 minutos e 58 segundos.

    - declarações do arguido B…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar do dia 20.5.2015, com particular realce para os segmentos, acima transcritos, registados na gravação às rotações às rotações 01 minuto e 02 segundos a 03 minutos e 48 segundos; 05 minutos e 27 segundos a 06 minutos e 13 segundos; 08 minutos e 10 segundos a 08 minutos e 37 segundos.

    - fotograma de imagem de videovigilância a fls. 6 do apenso; 22) Da análise destes meios probatórios, que ficou feita no texto e para onde, com a vénia devida, se remete, resulta que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por incorrecta avaliação e valoração da prova e ofensa irreparável das regras da experiência comum, afastando-se dos e violando os critérios da livre apreciação, tal como estão prescritos no artº 127º do CPP e art.º 32.º, n.º 2, da CRP.

    23) Nos termos do disposto na al. b) do artº 431º, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados os factos referenciados na antecedente conclusão nº 21.

    24) Sendo essa, como se espera, a decisão deste Colendo Tribunal, resulta claríssimo que o Recorrente tem de ser absolvido, por não se verificar nenhum dos elementos constitutivos dos crimes p. e p. pelo artº 203º, n.º 1, art.º 256, n.º 1, alínea b), art.º 256, n.º 1, alínea e), e art. 366.º, n.º 1, do CP, que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado, nem de qualquer outro crime.

    25) Foram violados e incorretamente aplicados os art.º 32.º, n.º 2, da CRP, art. 203º, n.º 1 e 3, art.º 113.º, n.º 1, art.º 256.º, n.º 1, al. b) e e), e art.º 366.º, n.º 1, CP, art.º 68.º, n.º 1, al. a), art.º 74.º, n.º 1, e art. 127.º do CPP.

    *O Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou...

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