Acórdão nº 288/15.2PIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 288/15.2PIPRT.P1 Data do acórdão: 27 de Janeiro de 2016 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Fátima Furtado Origem: Comarca do Porto Instância Local do Porto | Secção Criminal Acordam os juízes, acima identificados, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público; I - RELATÓRIO 1. No dia 24 de Setembro de 2015 foi proferida a sentença no âmbito dos presentes autos, que terminou com a condenação do arguido nos seguintes termos: «Por todo o exposto, julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida contra o arguido B… pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152 n.º 1 b) do Código Penal, e em consequência absolvo-o do mesmo.

Julgo provada e procedente a prática pelo arguido B… pela prática de factos integradores de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art. 143 n.º 1 do Código Penal (para o qual se convola a acusação pública), e em consequência condeno-o na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo o total de 600€.

Mais condeno o arguido nas custas do processo, fixando em 2 UC a taxa de Justiça (…).» 2. Inconformado com a sentença proferida, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões: (…) a douta sentença a quo enferma dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2, do art.º 410.º do C.P.P; Incide a contradição entre a factualidade considerada provada nas alíneas d), l) e m), por um lado, e o ponto 5 dos factos não provados, excluído o segmento “atingindo-a no corpo e na saúde … repetidamente”.

III - Por sua vez, em face dos factos provados em g), h) i), k), l) e m) impunha-se uma decisão de sentido diferente.

IV- De acordo com a alínea d) dos factos provados, o arguido dirigiu à ofendida as expressões ali referidas no decurso de várias discussões que tiveram lugar desde Junho de 2013 até ao termo da vida em comum.

V- A considerar-se provado que as expressões injuriosas terão sido proferidas em várias ocasiões, como decorre da referida alínea d) e a manter-se o teor da alínea m) afigura-se-nos que tais expressões, pelo seu cariz objectivamente injurioso e ofensivo, não poderão deixar de traduzir e relevar para o preenchimento do tipo de ilícito.

VI- Tendo sido considerado provado que no tempo da vida em comum o arguido e a ofendida discutiam e eram proferidas palavras ofensivas da honra e consideração e que, no dia 20 de Fevereiro de 2015, o arguido apertou o pescoço e deu uma cabeçada na ofendida, causando-lhe lesões físicas e querendo esse resultado, haveria de extrair-se de tais condutas o desvalor e censurabilidade exigidos na previsão legal do crime de violência doméstica.

VI- Sendo certo que foi considerado provado um único episódio de violência física, importaria fazer relevar, para o seu enquadramento jurídico-penal, a factualidade constante da alínea i), a qual não poderá deixar de contribuir para a caracterização da conduta do arguido, na perspectiva de relação de domínio entre agressor e vítima, traduzindo uma atitude de desrespeito, a carecer da reforçada tutela penal visada pelo crime de violência doméstica, tal como tem sido caracterizado na doutrina e na jurisprudência, e melhor se encontra expendido nos doutos Acórdãos c.d.v. citados supra.

VII- Atento o exposto, decidindo em contrário, incorreu a douta sentença a quo nos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e de erro notório, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2, do art.º 410.º, que afectam a essência da questão a decidir, impondo-se a sua clarificação com vista a estabelecer a responsabilidade ou irresponsabilidade criminal do arguido pelo crime que lhe vem imputado ou qualquer outro.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida ou determinando-se o reenvio do processo, nos termos do art.º 426.º do C.P.P., se assim for entendido.

  1. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.

  2. O arguido apresentou resposta à motivação do recurso, devidamente fundamentada, pugnando pela sua improcedência.

  3. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, devidamente fundamentado, pugnando pela procedência do recurso, enfatizando que a sentença procedeu a um enquadramento jurídico errado, concluindo que o arguido incorreu na prática de um crime de violência doméstica (artigo 152º, 1, b) do Código Penal), pelo qual se encontrava acusado e, consequentemente, como tal deverá ser condenado na pena correspondente.

  4. O recorrido não apresentou resposta ao douto parecer.

  5. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

    Questões a decidir Do thema decidendum dos recursos: Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

    A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

    Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outra(s) de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum: a) vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; b) vício de erro notório na apreciação da prova; c) os factos provados descritos nas alíneas d), m) e i) integram o tipo de ilícito pelo qual o arguido vinha acusado.

    II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Perante as questões suscitadas no recurso da sentença, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito - recordar a fundamentação de facto e de direito da decisão final: «II – Fundamentação 2.1. – Motivação de facto 2.1.1. – Factos Provados Discutida a causa, provou-se que:

    1. A ofendida C… conheceu o arguido no ano 2010, tendo iniciado uma relação de namoro com ele em Outubro do ano seguinte.

    2. Deste relacionamento existe um filho, o D…, nascido a 3 de Junho de 2013.

    3. Em Junho de 2013 a ofendida e o arguido decidiram juntar-se e passar a viver debaixo do mesmo tecto, numa habitação sita na Rua …, no Porto, assim se mantendo até data indeterminada mas situada entre Maio de 2014 e Novembro de 2014.

    4. Sucede que, a partir de Junho de 2013, e durante todo o tempo que viveram juntos na mesma habitação, o arguido e a ofendida tiveram várias discussões no decurso das quais o arguido chamou “vaca”, “puta” e “porca” à ofendida, sendo que ela lhe respondia no mesmo tom.

    5. Em data indeterminada do período de convivência marital, no interior da habitação do casal, a ofendida verificou que o arguido tinha tatuado no braço o nome de outra mulher, pelo que o confrontou, gerando-se discussão.

    6. No dia 20 de Fevereiro de 2015, cerca das 14h50, após ter mantido uma conversa telefónica com a ofendida, relacionada com as visitas ao D…, o arguido deslocou-se ao local de trabalho dela, na …, no Porto.

    7. Ao avistar a C…, o arguido abordou-a e, ao mesmo tempo que lhe dizia “é assim que se apanha”, desferiu-lhe uma cabeçada e deitou-lhe as mãos ao pescoço, apertando-lho, assim a obrigando a recuar, até bater com a cabeça e as costas na parede de um edifício existente no local.

    8. Na sequência desta atuação do arguido, a ofendida sofreu traumatismo da cabeça e do pescoço.

    9. Quando foi chamado à atenção por transeuntes que passavam no local, o arguido ainda proferiu, alto e bom som, o seguinte “ela é mãe do meu filho, eu faço o que quiser”.

    10. No dia 4 de Março de 2015, foram aplicadas ao arguido as medidas de coacção de afastamento da ofendida e de proibição de com ela estabelecer quaisquer contactos.

    11. O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei...

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