Acórdão nº 487/13.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 487/13.1TVPRT.P1- Apelação 1ª Relatora: Inês Moura 1º Adjunto: Teles de Menezes 2º Adjunto: Mário Fernandes Sumário: (art.º 663 n.º 7 do C.P.C.) 1. O contrato de garantia bancária, reconhecido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, sem regulamentação própria na nossa ordem jurídica, surge associado às práticas comerciais internacionais, constituindo um negócio jurídico atípico, produto da liberdade contratual e da autonomia privada.

  1. O contrato de garantia bancária há-de reger-se, em primeira linha, pelas estipulações acordadas pelas partes, ponderando as condições que constam do próprio documento escrito que o formaliza, sendo o texto do contrato essencial para se determinar os termos em que as partes se quiseram obrigar.

  2. Como em qualquer outro contrato, não há qualquer limitação imposta às partes em invocar as excepções que se referem ao próprio contrato de garantia. Já o garante está impedido de suscitar excepções relativamente ao negócio base, atenta a característica da autonomia inerente ao contrato de garantia, relativamente ao negócio subjacente. A excepção a esta regra, verificar-se-á apenas se estiverem em causa princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, como a fraude à lei ou uma situação de manifesto abuso de direito.

  3. A diferença entre o contrato de fiança, em que a obrigação do fiador é uma obrigação acessória da obrigação garantida, por oposição ao contrato de garantia bancária, em que o garante assume uma obrigação própria, autónoma, de proceder à entrega de uma determinada quantia quando interpelado para o efeito, com um objecto diferente daquele que resulta do negócio base, afasta a aplicação, por analogia, do disposto no art.º 653.º do C.Civil, enquanto norma especial relativa à extinção da fiança, não obstante as partes o pudessem ter previsto no contrato.

*Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório A B…, S.A. intentou a presente acção declarativa comum, sob o regime processual civil experimental (DL nº 108/2006, de 08-06) contra o Banco C…, S.A., pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a importância de € 89.250,94 relativa às garantias prestadas, bem como os juros de moratórios vencidos, à taxa de 16%, no montante de € 19.913,96, e vincendos até integral pagamento.

Alega, em síntese, que sucedeu em todos os direitos e obrigações que integravam o património da extinta sociedade “D…, S.A.” Esta sociedade celebrou, em 11/03/2009, com as sociedades empreiteiras E…, S.A. e F…, S.A., associadas em consórcio externo de responsabilidade solidária passiva, um contrato administrativo de empreitada de obra pública, mediante o pagamento do preço global de € 2.370.037,46. Nos termos do RJEOP e do contrato de empreitada celebrado, o consórcio empreiteiro podia substituir os descontos/retenções que a A. tinha direito a fazer, aquando dos pagamentos que lhe efectuava, pela prestação de caução, nomeadamente através de garantias bancárias. Foi o que sucedeu no contrato em apreciação, em que o consócio empreiteiro prestou à A. três cauções, através de três garantias bancárias (de 08/06/2009, no valor de € 30.000,00; de 15/01/2010, no valor de € 29.250,94 e de 21/07/2012, no valor de € 30.000,00), emitidas e prestadas pelo R. Tais garantias foram constituídas sem prazo e à primeira solicitação, não podendo por isso o R., na qualidade de garante, deixar de pagar à A. os montantes garantidos, fosse por que motivo fosse, desde que reclamado o seu pagamento. Sucede que o consórcio empreiteiro não cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada, não cumpriu os prazos e não concluiu os trabalhos, pelo que a A., em 24/0172012, enviou ao R. uma carta, em que deu conta do incumprimento e solicitou o pagamento imediato das quantias tituladas pelas três garantias bancárias. Contudo, o R. recusou-se a efectuar tal pagamento, o que a Autora pretende obter através da presente acção.

Regularmente citado, o R. apresentou contestação, concluindo pela improcedência do pedido.

Alegou, em síntese, que a emissão das garantias bancárias accionadas pela A. foi solicitada ao R. pela sociedade E…, com a finalidade de cobrir responsabilidades suas e não de qualquer consórcio em que ela, ordenante, viesse a estar porventura envolvida. Só isto foi pedido ao R. e só isto o R. aceitou, o que resulta até do texto das garantias bancárias, estando excluída a garantia das obrigações de qualquer outra sociedade, designadamente da sociedade F…, S.A. Acresce que o beneficiário das garantias, quando as acciona, mesmo que estejam em causa garantias autónomas e à primeira solicitação, tem de demonstrar a existência de obrigações cobertas pelas garantias, o que não acontece no caso dos autos. Aquando do accionamento das garantias bancárias, a A. remeteu ao R. facturas emitidas, todas elas, em nome da sociedade F…, S.A., nada sendo referido quanto à qualidade de co-devedora da sociedade E…. Por outro lado, o montante de tais facturas é inferior ao montante pedido na presente acção, correspondente ao montante das três garantias accionadas. Alegou ainda que a ordenante E… foi declarada insolvente, por sentença de 05/07/2011, e a A. não reclamou na insolvência, dentro do prazo legal, o crédito que pretensamente tinha sobre a mesma, o que fez precludir ao R. a possibilidade de se subrogar no crédito e, por esta forma, poder concorrer com os demais credores pela sua cobrança, o que provoca, por aplicação do art. 653º do Código Civil, a improcedência da acção. Por fim, alegou que os juros peticionados não são devidos.

Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da lide e procedeu-se ao conhecimento do mérito da acção, por se considerar que os autos dispunham de todos os elementos necessários para o efeito, tendo sido proferida decisão no sentido da improcedência da acção e absolvição do R. do pedido.

Não se conformando com tal decisão, vem a A. dela interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere procedente a acção e condene o R. no pedido, apresentando, para o efeito as seguintes conclusões: 1.ª – A APELANTE É UMA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO QUE, NO ÂMBITO DO SEU ESCOPO SOCIAL, PRETENDEU LEVAR A EFEITO A OBRA DENOMINADA “AR 43.0.08 – EMPREITADA DE EXECUÇÃO DO INTERCETOR DE B1…, B2…, B3…, B4…, B5…, B6…, B7…, B8…, B9…, E B10…”; 2.ª – DEPOIS DE DECORRIDO O LEGAL PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL, A APELANTE CONTRATOU A EXECUÇÃO DE TAL OBRA COM AS EMPREITEIRAS “E…, S. A.” E “F…, S. A.”, FORMALIZANDO TAL CONTRATO ATRAVÉS DE CONTRATO ADMINISTRATIVO DE OBRAS PÚBLICAS, EM 10/03/2009; 3.ª – ENTRETANTO, E COMO O IMPUNHA O CADERNO DE ENCARGOS, ANTES DA OUTORGA DE TAL CONTRATO, AS EMPREITEIRAS ADJUDICATÁRIAS, ATÉ AÍ MERO AGRUPAMENTO DE EMPRESAS, CELEBRARAM ENTRE SI UM CONTRATO PELO QUAL CRIARAM UM CONSÓRCIO EXTERNO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PASSIVA, COM VISTA À EXECUÇÃO DO OBJETO CONTRATUAL DAQUELE CONTRATO DE EMPREITADA; 4.ª – NESSE CONTRATO DE CONSÓRCIO AS EMPREITEIRAS FIXARAM QUE CHEFE EXTERNO DO CONSÓRCIO ERA A “E…, S. A.”, 5.ª – QUE, DE ENTRE OUTRAS COMPETÊNCIAS, TINHA AS DE ENVIAR AS FATURAS AO DONO DA OBRA, A APELANTE, E DELA RECEBER OS SEUS VALORES QUE ENTREGAVA, DEPOIS, ÀS CONSORCIADAS NAS CONDIÇÕES QUE, ENTRE SI, ESTIPULARAM; 6.ª – MAIS FIXARAM, COMO SE DISSE SUPRA, QUANTO ÀS SUAS RELAÇÕES COM O DONO DA OBRA, O REGIME DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PASSIVA, EM QUE, CADA CONSORTE RESPONDIA PELA TOTALIDADE DAS OBRIGAÇÕES QUE DO CONTRATO DE EMPREITADA DECORRIAM PARA O CONSÓRCIO, FOSSE DE QUEM FOSSE A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL DAS CONSORCIADAS; 7.ª – NOS TERMOS CONTRATUAIS E LEGAIS (ART.º 112.º A 114.º, DO RJEOP APLICÁ- VEL), AS EMPRESAS CONSTITUINTES DO CONSÓRCIO TIVERAM DE PRESTAR CAUÇÃO INICIAL PELO MONTANTE DE 5% DO VALOR DO CONTRATO (€2.370.037,05); 8.ª – TAIS CAUÇÕES, QUE, EM PRINCÍPIO, DEVEM SER PRESTADAS POR DEPÓSITO EM DINHEIRO, TAMBÉM PODEM SER PRESTADAS, POR OUTRAS FORMAS, DESIGNADAMENTE, POR GARANTIA BANCÁRIA, CASO EM QUE TAIS GARANTIAS TÊM A NATUREZA DE GARANTIAS AUTÓNOMAS EM QUE O BANCO GARANTE SE OBRIGA A PAGAR AO BENEFICIÁRIO A IMPORTÂNCIA GARANTIDA, À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO DESTE, E SEM QUE POSSA INVOCAR EM SEU BENEFÍCIO QUAISQUER MEIOS DE DEFESA DO ORDENADOR RELACIONADOS COM O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES QUE O EMPREITEIRO ASSUME NO CONTRATO DE EMPREITADA; 9.ª – SUCEDE QUE TAIS GARANTIAS BANCÁRIAS, NESTES CASOS, PELA SUA NATUREZA E FINALIDADE E POR EFEITO DA LEI SUBSTITUI O DEPÓSITO REAL E EFETIVO QUE O EMPREITEIRO DEVE SUPORTAR PARA PODER TOMAR CONTA DE UMA OBRA PÚBLICA DE QUALQUER ENTIDADE PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM AS OBRIGAÇÕES DO EMPREITEIRO TAL COMO SE FOSSEM OS ALUDIDOS DEPÓSITOS; 10.ª – POR OUTRO LADO, E AINDA NOS TERMOS CONTRATUAIS E LEGAIS (ART.º 211.º, DO RJEOP APLICÁVEL) A APELANTE FICOU COM O DIREITO DE RETER NOS PAGAMENTOS PARCIAIS QUE FIZESSE AO CONSÓRCIO EMPREITEIRO, DURANTE A EXECUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA, A IMPORTÂNCIA DE 5% DOS MONTANTES FATURADOS, PARA REFORÇO DAQUELA CAUÇÃO INICIAL, 11.ª – DE MODO A QUE, NO FIM DA OBRA, A APELANTE, DONA DA OBRA, TIVESSE 10% DO SEU VALOR, COMO GARANTIA PARA RESOLVER QUALQUER REPARAÇÃO DE QUE A OBRA CARECESSE DURANTE O PRAZO DE GARANTIA, SE O CONSÓRCIO EMPREITEIRO, NOTIFICADO PARA O EFEITO, NÃO PROCEDESSE À DITA REPARAÇÃO; 12.ª – AINDA NOS TERMOS LEGAIS (ART.º 211.º, 4, DAQUELE DIPLOMA LEGAL), TAL DESCONTO PODE SER SUBSTITUÍDO POR DEPÓSITO DE TÍTULOS OU POR GARANTIA BANCÁRIA OU SEGURO CAUÇÃO, NOS MESMOS TERMOS QUE A CAUÇÃO; 13.ª – A ESTE TÍTULO, E PARA SUBSTITUIR DESCONTOS DE 5% FEITOS PELA APELANTE NOS PAGAMENTOS PARCIAIS, DURANTE A EXECUÇÃO DOS TRABALHOS, FEITOS AO CONSÓRCIO, FORAM PRESTADAS A FAVOR DA APELANTE, PELO BANCO APELADO, AS TRÊS SEGUINTES GARANTIAS BANCÁRIAS: a. – garantia bancária n.º …-..-……., de 8 de junho de 2009, no montante de €30.000,00: b. – garantia bancária n.º …-..-……., de 15 de janeiro de 2010, no montante de €29.250,94; e c. – garantia bancária n.º ..-..-…….., de 21 de julho de 2012, no montante de €30.000,00.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT