Acórdão nº 11709/15.4T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 11709/15.4T8PRT.P1 [Comarca do Porto/Instância Local/Porto/Sec. Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, contribuinte n.º ………, residente…, Vila do Conde, intentou a presente acção judicial contra C…, contribuinte n.º ………, e D…, contribuinte n.º ………, ambos residentes em …, Matosinhos, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de €49.700,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito, alegou que em 1 de Julho de 2014, por documento particular, trespassou ao 1º réu o estabelecimento comercial denominado “Café E…”, pelo preço de €35.000,00, o qual devia ser pago numa prestação de €5.000, na data do contrato, e 75 prestações iguais e sucessivas, com periodicidade mensal, a partir de 29.08.2014, por transferência ou depósito na conta bancária da autora; foi acordado que a falta de pagamento de qualquer das prestações implicava o vencimento imediato das restantes, que em caso de mora ou incumprimento seria devida uma indemnização fixada a título de cláusula penal correspondente a 50% do valor que se encontrasse em dívida e que em caso de litígio judicial o 1º réu pagaria todas as despesas judiciais e extrajudiciais, num montante que então fixaram de €2.000,00; o 2º réu interveio no contrato como fiador, garantindo o integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo 1º réu com renuncia ao benefício da excussão prévia; até à data, o 1º réu apenas pagou a quantia global de €2.700,00, permanecendo em dívida a quantia de €31.800,00, tendo entretanto encerrado o estabelecimento e dele retirado máquinas e equipamentos; sucede que a falta de pagamento da prestação vencida em Janeiro de 2015 e das entretanto vencidas importou o vencimento de todas as restantes, a cuja quantia acresce o valor que autora e réus fixaram a título de cláusula penal e €2.000,00 que fixaram a título de compensação em caso de litígio judicial.

A acção foi contestada, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a alegação de que apesar de o trespasse ter sido feito pelo valor de €35.000,00, o 1.º réu pagou à autora, em sucessivas entregas em dinheiro, a importância de €37.700,00, nada lhe devendo a esse propósito; que a cláusula penal é nula por o seu valor exceder o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção procedente e condenando os réus no pedido e ainda o 1.º réu como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da autora.

Do assim decidido, o 1.º réu interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões[1]: A – Na sentença proferida é feita uma errada interpretação da prova constante do processo assim como uma errada aplicação do direito.

B – Efectivamente e com o devido respeito, houve pela Meritíssima juiz a quo erro na interpretação da prova constante do processo, a qual merecia ter tido uma apreciação mais criteriosa, por forma a ter sido interpretada correctamente. O que não aconteceu.

C – Deveria ter sido dado como provado que, pois consta de documento junto aos autos, que a importância de €500,00 (quinhentos euros) paga a título de sinal, referente ao contrato de trespasse, foi paga no dia 26 de Abril de 2014.

D – Portanto tal importância nunca poderia ter sido paga no dia da assinatura do contrato de trespasse.

E – Está provado documentalmente que o Recorrente em 1 de Julho de 2014 levantou da sua conta a importância de €10.000,00 (dez mil euros), Doc nº 2 junto com a contestação. E que o fiador não esteve presente na assinatura do contrato o qual já ia por si assinado, sendo a Autora clara no seu depoimento de parte a dizer que na data da assinatura do contrato, o qual foi assinado no estabelecimento apenas se encontrava ela, o seu companheiro a testemunha F…, o Réu G… e a sua companheira a testemunha H…, depoimento que foi corroborado pela testemunha H… e pelas declarações de parte do Réu D…, testemunha H…, que confirmou no seu depoimento, que naquele dia da assinatura do contrato foi entregue à Autora a importância de €10.000,00 (dez mil euros).

F – Em sede do depoimento de parte da Autora a Meritíssima juíza questionou-a sobre se a mesma se tinha deslocado ao estabelecimento posteriormente ao trespasse, tendo aquela respondido afirmativamente. Então pela Meritíssima juíza foi a mesma questionado se o Réu havia realizado obras no estabelecimento, tendo aquela, respondido que não, que o estabelecimento se encontrava na mesma não tendo sido efectuada qualquer obra no mesmo. O que demonstra que nenhuma das importâncias pelo Réu G… levantadas foi utilizada em obras no estabelecimento. Foram sim entregues à A. a qual das mesmas se apropriou não tendo das mesmas passado recibo de quitação.

G – No seu depoimento a testemunha F… companheiro da A. profere a declaração enigmática e conclusiva “ Quem é ingénuo não se mete num negócio”.

H – Resultou, ainda, provado no processo que o Recorrente recebeu do contrato celebrado com a I…, S. A. a importância de €20.295,00 (vinte mil duzentos e noventa e cinco euros) o que comprovou com a cópia do contrato, cópia do depósito e com a cópia do extracto da sua conta que juntou aos autos com a sua contestação.

I – Sendo que esse depósito chegou à sua conta no dia 23 de Julho de 2014 tendo o réu C… logo nesse dia levantado a importância de €10.000,00 (dez mil euros) e no dia seguinte a importância de mais €10.000,00 (dez mil euros), tudo conforme melhor resulta da cópia do seu estrato bancário junto com a contestação.

J – Sendo que, esses €20.000,00 foram entregues à autora em … perto da sua residência, junto ao … ai existente, entrega que foi presenciada pela testemunha J…, como resulta da gravação do seu testemunho.

L – Ora, na sentença nenhuma referência é feita ao depoimento da testemunha J… o qual prestou o seu depoimento de forma, clara isenta e desinteressada, contrariamente ao depoimento da testemunha F… o qual vive em união de facto com a autora, e que beneficia assim economicamente do facto de aquela ir receber duas vezes o valor do trespasse.

M – Posteriormente em 6 de Agosto, conforme consta dos extractos da conta do recorrente o mesmo procedeu ao levantamento da sua conta da importância de €5.000,00 (cinco mil euros) importância que entregou à autora, entrega que foi presenciada e comprovada pela testemunha H…, como consta do seu testemunho.

N – Desta forma o réu demonstrou e provou o levantamento e entrega à autora da importância de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) para pagamento do contrato de trespasse.

O – Assim, deveria ter sida dado como provado, que a quantia de €500,00 (quinhentos euros) paga a titulo de sinal foi paga no dia 26 de Abril de 2014, bem como deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e12, dos factos não provados.

P – Sendo que, posteriormente à realização do julgamento nos presentes autos foi o Recorrente citado no âmbito do processo executivo o qual sob o nº 13906/15.3T8PRT corre os seus termos na Comarca do Porto – Porto – Inst. Central – 1ª Secção de Execução – J7, no qual a A. lhe exige a importância de €7.845,98 (sete mil oitocentos e quarenta e cinco Euros e noventa e oito cêntimos) relativo a um empréstimo no valor de €7.700,00 (sete mil e setecentos euros) efectuado em 4 de Novembro de 2014 confissão de divida que é a reformulação de uma outra pelo réu e sua companheira entregues à autora e outorgada em 2 de Julho de 2014 no montante de €15.000 (quinze mil euros) Q – Sem prescindir, é nula da clausula penal constante da clausula quarta ponto 3 do contrato de trespasse, pelo que, nunca poderiam assim os réus ser condenados a pagar à autora a importância de € 15.900,00 (quinze mil e novecentos euros) a título de cláusula penal.

R – Sendo que, nos presentes autos ainda existe mais uma clausula penal, na cláusula quarta nº 4 “Para além disso, e em caso de litigio judicial, o segundo contraente obriga-se a pagar todos as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e de agente de execução, no montante que aqui fixam de €2.000,00 (dois mil euros)”.

S – De facto, refere o art. 811 nº 1 do C.C. estabelece que “O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da clausula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”. Assim nos presentes autos aquela clausula prevista na clausula quatro nº 3 não se pode aplicar, pois que o art. 811 nº 1 do C.C. na sua parte final é claro “é nula qualquer estipulação em contrário.” Ou seja em caso de mora a autora poderia exigir o pagamento da importância de 50% como forma de o réu fazer cessar a mora, mas em caso de incumprimento definitivo não pode a autora vir exigir o cumprimento do contrato (obrigação principal) e o pagamento da clausula penal. Nesse sentido vide Acórdão de 22 Out. 2008 do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 08S2056, Relator: José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra. Jurisdição: Cível.

T – Sem prescindir, dispõe o Artigo 812.do C. C. sob a epígrafe “Redução equitativa da cláusula penal” no seu nº 1 o seguinte: “A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.”. Ora no caso em apreço os réus foram condenado a titulo de clausula penal em quase 50% da importância total do contrato, o que é manifestamente excessivo, já que os réus são condenados praticamente a pagar o contrato duas vezes, é que tal clausula até poderia não ser excessiva se se entendesse que, como acontece no contrato de arrendamento, para colocar fim à mora terá de ser pago o valor em mora acrescido de 50%. No entanto, alegar o incumprimento do contrato e exigir quase 50% da totalidade é manifestamente...

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