Acórdão nº 424/13.3T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução14 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 424/13.3T2AVR.P1-Apelação Origem: Comarca de Aveiro Aveiro-Inst. Central-1ª Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Rita Romeira 2º Adjunto Des. Caimoto Jácome Sumário: I- O nº 3 do artigo 495.º pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos-que não pelos meramente potenciais–da cessação de prestação de alimentos, ou seja, o segmento normativo “podiam exigir alimentos ao lesado”, dele constante pretende significar as pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar.

II- O direito de indemnização a que se reporta aquele normativo envolve, pois, o prejuízo derivado da perda pelo credor do direito a exigir alimentos que ele teria se o obrigado vivo fosse, a fixar nos termos dos artigos 562º, 564º e 566º daquele diploma.

III- Se momento do sinistro o lesado não levava o cinto de segurança colocado e, em consequência disso, foi projectado do veículo sofrendo lesões graves que lhe provocaram a morte, deve-lhe ser atribuída a percentagem de 10% de culpa para o agravamento dos danos nos termos estatuídos no artigo 570.º, nº 1 do CCivil.

IV- Parece-nos justo e equilibrado fixar em € 80.000,00 a indemnização aos pais pela morte do filho com 25 anos de idade, pessoa saudável, jovem alegre, jovial, dinâmico e trabalhador, responsável e com imensos projectos para o seu futuro, bem como em € 60.000,00 o montante indemnizatório pelos danos morais por eles sofridos em consequência dessa perda.

V- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção e podendo, como é evidente, lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais (artigos 349.º e 351.º, CCivil).

VI- Provando-se que um veículo que circulava numa auto-estrada a velocidade superior a 120 km/hora, não lhe pode ser atribuída qualquer culpa na produção do acidente ao seu condutor se também ficou provado que, antes de entrar em despiste, o pneu traseiro do lado esquerdo rebentou.

VII- Não pode presumir-se que o referido rebentamento se deveu ao referido excesso de velocidade senão estiver provado nos autos qualquer outro facto, a partir do qual se possa extrair essa ilação, da mesma forma que não se pode presumir que se esse veículo circulasse dentro dos limites de velocidade impostos (120 km/hora) o seu despiste não se teria verificado não obstante o rebentamento do pneu.

VIII- Provando-se a ausência de culpa do condutor do veículo para a verificação do sinistro, de nada releva apurar a existência ou não de uma relação de comissão entre ele e o proprietário desse veículo, pois que, neste caso apenas responde o proprietário que tenha a direcção efectiva do veículo e o utilize no seu próprio interesse dentro dos limites do risco (artigo 503.º, nº 1 do CCivil).

IX- O rebentamento de um pneu trata-se de evento inerente ao funcionamento do veículo e, como tal, compreendido no risco.

X- A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende de dois requisitos: ter a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.

XI- Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento.

XII- A utilização no próprio interesse visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outro.

XIII- A simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação expressa de quem tem a sua direcção efectiva e interessada, é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação formulado contra a proprietária do veículo e contra o Fundo de Garantia XIV - O ónus da prova de que o dono do veículo não tinha a sua direcção efectiva e de que a utilização dele não era feita no seu próprio interesse, cabe ao réu, como factos impeditivos que são.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, solteira, residente na Rua …, nº ., r/c esq., …, …, e C…, solteiro, residente no …, zona .., …, Angola, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra: a) Herdeiros de D…, na pessoa de E…, residente na Rua …, nº .., …, …, Almada; b) F…, L.da, com sede na Rua …, nº …, …, Póvoa do Varzim; c) G…, L.da, com sede na Rua …, nº .., .º, Vila Nova de Gaia; d) H…, L.da, com sede na Rua …, Vila do Conde; e) Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua …, nº .., Lisboa, pedindo a sua a pagarem-lhes a quantia global de € 236.130,18, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos.

*Articulam, para o efeito, que, no dia 25/06/2011, cerca das 03,15 horas, na A1, ao Km 258,909, sentido norte–sul, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel da marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-JB-.., conduzido por D…, e no qual seguiam, como passageiros, I…, J… e N…. O referido veículo sofreu um despiste com capotamento transversal do BMW. E o I…, filho dos AA., faleceu em consequência deste acidente. O veículo BMW circulava sem seguro de responsabilidade civil automóvel. E, de acordo com o auto de notícia, era propriedade de F…, Lda. Mas, na Conservatória do Registo Automóvel, a propriedade do veículo encontra-se registada em nome da Ré H…, Lda. O legal representante destas empresas afirma ter vendido este BMW ao D… a 21/06/2011. Por sua vez, a mãe deste afirma que as assinaturas apostas nos documentos da aquisição do veículo não pertencem ao filho. O BMW foi vendido à F…, Lda, pela Ré G…, Lda.

* O Instituto da Segurança Social, IP, com sede no …, nº ., Lisboa, veio deduzir, contra os ora Réus, pedido de reembolso de € 5.030,64 que pagou, a título de despesas de funeral a E… (€ 2.515,32) e a B… (€ 2.515,32), mães, respectivamente, de D… e de I…, falecidos em resultado das lesões sofridas no acidente, dizendo ter direito ao reembolso daquele montante total contra os responsáveis do acidente, por sub-rogação legal, prevista no art. 70.º da Lei nº 4/2007, de 16/01, e nos termos do D.L. nº 59/89, de 22/02.

* A Ré G…, Lda, na contestação que apresentou, requer a sua absolvição do pedido, por não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade por aquilo que está descrito no petitório.

* A Ré H…, Lda, na sua contestação, informou ter a empresa F…, Lda, alterado a sua denominação particular para H…, Lda. e excepcionou: a) a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido; b) que os AA. são parte ilegítima por, segundo esta Ré, a acção dever ser proposta pela herança jacente e indivisa do I…; c) a sua (da Ré H…) ilegitimidade passiva por ter vendido, a 21/06/2011, o veículo ao D…. E defende que o D… foi único responsável pela ocorrência do acidente que vitimou o filho dos AA.

*Na sua contestação, o Fundo de Garantia Automóvel alega ter procedido à abertura de um processo de sinistros e, terminado o processo de averiguações, ter entendido que o sinistro ocorreu por culpa do condutor do veículo de matrícula ..-JB-... Considera, porém, que o comportamento do falecido I…, ao fazer-se transportar no veículo de matrícula ..-JB-.. sem utilizar o cinto de segurança, esteve na origem da projecção e embate violento do seu corpo no separador central em cimento da A1, provocando-lhe as lesões corporais que estiveram na génese da sua morte. Entende, por isso, que o grau de comparticipação do lesado para a produção dos danos terá de se fixar em 33%, por aplicação do disposto no artigo 570.º do C. Civil.

Este Réu, na resposta de fls. 187/192, pede a sua absolvição do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP, com o fundamento de que, nos termos do nº 3 do art. 51.º do D.L. nº 291/2007, de 21/08, não responde por ele.

* Contestou, também, a Ré E…: a) excepcionando a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e por falta de causa de pedir; b) defendendo que o D… não era o proprietário do veículo de matrícula ..-JB-.., que o despiste com capotamento ocorre em virtude do rebentamento do pneu traseiro, tendo concorrido para este rebentamento o mau estado em que se encontravam os pneus, com sulcos com altura inferior a 1,6 mm, e que as lesões sofridas pelo I… não teriam ocorrido se este viajasse com o cinto de segurança devidamente colocado.

* Os AA., na réplica: a) requerem que se releve o lapso de escrita da parte conclusiva da petição inicial, pois dizem “ser o R. condenado” quando pretendiam dizer “ser os RR. condenados”; b) defendem que as excepções devem ser julgadas improcedentes.

* Foi proferido despacho, a 03/06/2013, que: a) decidiu que o pedido de condenação do R., sem especificar qual dos RR. demandados pretendem os AA. ver condenados, tem de ser levado à conta de lapso manifesto e que, sendo patente, admite correcção, nos termos do artigo 249.º do C. Civil; b) convidou os AA. a corrigir a petição inicial, por falha na alegação de factos para caracterizar a culpa do condutor do veículo na eclosão do acidente.

* Os AA. vieram apresentar petição inicial corrigida a 14/06/2013.

* Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções: a) de nulidade da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, por o pedido de condenação do R., sem especificar qual dos RR. demandados pretendem os AA. ver condenados, ter de ser levado à conta de lapso, que já foi corrigido na nova petição inicial apresentada; b) de nulidade da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, por todos os RR. terem compreendido perfeitamente a causa de pedir da petição inicial, tendo sido supridas as deficiências da mesma na nova petição apresentada; c) de ilegitimidade dos AA...

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