Acórdão nº 1097/15.4T8VLG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução14 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 1097/15.4T8VLG-A.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 874) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B… apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10) contra C…, SA, do qual consta ter sido despedido aos 03.06.2015 e havendo junto a decisão escrita de tal despedimento com invocação de justa causa[1].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, concluindo no sentido da existência de justa causa do mesmo.

O A. apresentou contestação, invocando, para além do mais e no que importa ao recurso ora em apreço, a exceção da “nulidade da prova / invalidade do procedimento”, para tanto alegando, em síntese, que: - O processo prévio de inquérito iniciou-se em 20.01.2015 com a inquirição do Sr. Eng.º D… e havendo também sido inquirido E…, resultando das respetivas declarações que ambos procederam ao visionamento das imagens gravadas pelas câmaras de videovigilância instaladas em toda a instalação (F…), com abrangência do período compreendido entre 15.11.2014 e 12.01.2015, visionamento esse que teve lugar antes da decisão da Administração da Empregadora que determinou a instauração do processo prévio de inquérito e sem disso dar nota ao A., sem que este tivesse autorizado o tratamento dos seus dados pessoais e contra a sua vontade; - Resulta dos depoimentos daqueles que tudo quanto ambos reportaram aos autos lhes adveio e se encontra fundamentado no visionamento das ditas imagens; - Tal visionamento, bem como a divulgação dessas imagens e a sua utilização no processo disciplinar como meio de prova constituem uma abusiva intromissão na vida particular do Trabalhador e violam o seu direito à imagem (arts. 79.º do Cód. Civil e 26.º, da C.R.P.), pelo que tal prova é nula e de nenhum efeito (art. 32.º, n.º 8, da C.R.P.); - Acresce que, nos termos da Autorização n.º 849/2006 da CNPD, junta ao processo de inquérito, os dados não podem ser transmitidos a terceiros, só podem ser utilizados nos termos da lei processual penal e as imagens não podem servir para controlo do desempenho profissional dos trabalhadores nem as câmaras podem incidir sobre estes durante a atividade laboral; - Resulta também dos arts. 20º e 21º do CT/2009 que da licitude da recolha de imagens (porque autorizada pela CNPD), não decorre a licitude da sua utilização para efeitos disciplinares por parte do Empregador, uma vez que isso acabaria sempre por redundar no controlo do desempenho profissional do trabalhador (proibido artigo 20.º/1, CT), mesmo que as imagens sejam fruto duma recolha meramente incidental; - Não se pode, pois, deixar de concluir pela ilicitude da utilização das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas nas instalações da Empregadora em que o Trabalhador presta serviço para sustentar a acusação disciplinar e a sanção de despedimento que lhe foi aplicada.

- Pelas razões que invoca e que, segundo diz, resulta do processo de inquérito, o escrutínio feito através da gravação e visionamento das imagens consubstancia um controlo do desempenho profissional permanente e com toda a amplitude do espaço físico do G… e até fora dele, como p.e. nas “deslocações à refinaria de …” e “nas manobras de abertura e fecho da linha de água doce” que se executam no parque da H… - As câmaras de vigilância não servem para isso e as imagens por elas captadas não podem ser utilizadas para sancionar eventuais infrações (que se não concedem) aos deveres decorrentes da relação laboral; - O visionamento e aproveitamento das imagens para controlo da atividade laboral e fins disciplinares é, pois, ilícito e implica não só a nulidade da prova assim recolhida, mas também a de toda aquela que, sequencialmente, nela se funda e dela deriva; - E foi através da utilização desse meio de prova proibido e ilícito que ambas as testemunhas acima referidas (Eng.º D… e Cmte. E…) dizem ter identificado os Trabalhadores - entre os quais o A., – a quem, seguidamente, também com base no mesmo visionamento, passam a ser imputadas todas as condutas que constam da nota de culpa, do relatório do processo disciplinar e do articulado motivador do despedimento; Como resulta do processo de inquérito, é também a partir desse visionamento que são identificadas e selecionadas todas as demais pessoas que (para além dos trabalhadores arguidos) a Empregadora decidiu ouvir no processo prévio de inquérito e cujas declarações se encontram influenciadas por essa mesma ilicitude e nulidade (visionamento das imagens) com a qual vieram a ser confrontados e que, não fora aquele conhecimento ilícito, jamais os depoimentos das testemunhas inquiridas teriam ocorrido, sendo, por isso, esta segunda prova – mediata ou derivada -, um verdadeiro “fruto envenenado” e também ela ilícita e nula.

- Assim, conclui que: todo o procedimento conducente ao despedimento do Trabalhador, aí se incluindo a acusação e a própria decisão, se encontra inquinado pela ilicitude / nulidade dos meios de prova em que assenta; a empregadora não podia visionar, partilhar com terceiros (vigilantes e trabalhadores inquiridos) e utilizar para efeitos disciplinares, que nem sequer se encontram abrangidos pela finalidade da autorização concedida pela CNPD, as imagens a que decidiu aceder; meios de prova que em caso algum poderão ser utilizados e valorados na apreciação das condutas imputadas ao contestante e cujo aproveitamento / utilização em sede de procedimento disciplinar acarretam a respetiva invalidade e a ilicitude do despedimento de que o Trabalhador foi alvo.

Termina pedindo, para além do mais, que seja declarada ilícita e nula toda a prova em que assenta a acusação disciplinar e a decisão de despedimento e, por via disso, inválido o procedimento nela fundado e ilícito o despedimento de que o contestante foi alvo em 03 de Junho de 2015.

A Ré respondeu, alegando em síntese que: nas instalações do G… encontra-se montado sistema de videovigilância, com câmaras de vídeo colocadas nas zonas de acesso às instalações, de cargas e descargas, de depósitos e junto a locais de expedição de combustíveis, sistema esse que se destina a proteger pessoas e bens, havendo a sua instalação e o tratamento de imagens por ele recolhidas sido autorizados pela CNPD de 10.07.2006 (deliberação nº 849/2006), a qual considerou justificada a utilização do sistema de videovigilância “na medida em que se trata de local de movimento de pessoas, onde pode haver furto de produtos. As instalações podem ser alvo de furto, especialmente durante a noite”; a utilização de tais meios no G… é pois lícita, não tendo sido instalados para “controlar o desempenho profissional do trabalhador”, mas para garantia da segurança de pessoas e bens, atenta a natureza da atividade desenvolvida no local; por “desempenho profissional” deve, assim, entender-se a aptidão do trabalhador para desempenhar as funções para as quais foi contratado e, bem assim, a qualidade e o modo como as executa, mas não compreendendo a prática de ilícitos criminais, pelo que a proibição de controlo do “desempenho profissional” do trabalhador não se estende à prática de atos suscetíveis de configurar ilícitos criminais; as exceções previstas no art. 20.º/2 do CT resultam da ponderação entre os direitos constitucionalmente protegidos da propriedade e da liberdade de empresa, base dos poderes do empregador, e os direitos fundamentais do próprio trabalhador, maxime o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem, constituindo a previsão desse n.º 2 do artigo 20.º clara e inequívoca exceção à proibição estabelecida no n.º 1; se o sistema de videovigilância captar imagens que indiciem a prática, por trabalhador, de ato criminalmente punível, que constitui simultaneamente infração disciplinar, o registo daquelas imagens e o testemunho de quem as visionou constituem prova lícita. Termina concluindo pela improcedência da exceção invocada pelo A.

Realizada audiência preliminar, nela o Mmº Juiz (pela ordem que se segue): proferiu decisão na qual julgou improcedente a “exceção da nulidade da prova/do procedimento” disciplinar; proferiu despacho saneador “tabelar”; consignou os factos assentes e elaborou base instrutória; e proferiu despacho a indeferir reclamações aí apresentadas à seleção da matéria de facto, bem como a: determinar a gravação da audiência de julgamento, a admitir os róis de testemunhas, a deferir diligência de prova requerida, a deferir “a junção do “disco externo”, ficando a empregadora advertida que se pretender a sua visualização terá de disponibilizar os meios necessários para o efeito” e a designar data para a audiência de julgamento.

Inconformada com a decisão que julgou improcedente a “exceção da nulidade da prova/do procedimento”, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes...

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