Acórdão nº 4876/12.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução14 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 4876/12.0TBSTS.P1 Sumário do acórdão: I. No contrato de seguro de danos referente a coisas, o n.º 2 do artigo 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, relativamente à cobertura dos lucros cessantes, consagra expressamente como regime supletivo o da não cobertura, à semelhança do que já ocorria no regime previsto no § 4.º do artigo 432.º do Código Comercial, onde tais danos assumem a designação de “lucro esperado”.

  1. O mesmo regime de supletividade foi aplicado pelo legislador, expressamente, ao dano da privação de uso do bem, no n.º 3 do citado normativo.

  2. Decorre do referido regime, que a seguradora apenas responde nos termos da cobertura contratada, pelo que, não tendo sido expressamente estipulada a abrangência de um determinado dano (nomeadamente de privação de uso), não será devida qualquer indemnização correspondente ao seu ressarcimento.

  3. Na esteira e por influência da doutrina alemã, abandonou-se entre nós a orientação clássica romanística, de que a obrigação se esgota no dever de prestar, adotando-se uma compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, que passa a envolver, paralelamente aos deveres principais ou primários (com base nos quais se define o tipo de contrato), os deveres acessórios de conduta ou laterais.

  4. Resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º com o artigo 104.º do diploma legal citado, que o vencimento da prestação devida pela seguradora ocorre “após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências”, havendo situações que pelos seus contornos justificam uma prévia averiguação das circunstâncias em que ocorreu o facto objeto da participação, podendo legitimar, não só o decurso do tempo, mas também a divergência da seguradora.

  5. O facto de a seguradora, divergindo da tese do segurado, não ter satisfeito de imediato a indemnização devida em consequência de um furto do veículo, vindo a ser condenada nessa prestação pelo tribunal, não significa, por si só, qualquer violação de deveres acessórios de conduta, suscetível de legitimar a condenação no pagamento dos valores pagos pelo segurado com o aluguer de uma viatura de substituição.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Em 26.11.2012, no Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, “B…, S.A.”, intentou contra, “C… - Companhia de Seguros, S.A.” acção declarativa com processo ordinário, pedindo que seja «a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 72.843,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 06/06/2010 no que toca ao valor de € 59.800,00, e desde as datas em que a Autora fez os pagamentos dos valores do aluguer da viatura acima referida, quanto ao restante montante já liquido, bem como acrescido do que se vier a liquidar em incidente posterior à sentença, conforme alegado nos artigos 29.º a 34.º, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.».

    O pedido global formulado corresponde à soma de duas parcelas: € 59.800,00 – valor do veículo e € 13.043,10 – despesas de aluguer de viatura idêntica.

    Aleou em síntese a autora: é proprietária do veículo automóvel de matrícula ..-..-UZ, marca BMW, modelo …; celebrou com a ré um contrato de seguro; o qual inclui, para além da cobertura de responsabilidade civil contra terceiros, as coberturas de danos próprios, nomeadamente de choque, colisão e capotamento, incêndio, raio e explosão, furto ou roubo, fenómenos da natureza, riscos sociais, assistência em viagem, bem como as coberturas de ocupantes e proteção jurídica; coberturas essas pelo valor de capital seguro de € 59.800,00 (salvo a cobertura de proteção ocupantes, em que o capital contratado foi somente de € 10.000,00), e com uma franquia de € 350,00 relativamente às coberturas de choque, colisão ou capotamento e riscos sociais; a ré emitiu a respetiva apólice, com o número ………… e a autora pagou o correspondente prémio de seguro; o contrato entrou em vigor a partir do dia 04/12/2009; no dia 6 de Abril de 2010, à hora de entrada no expediente, quando os administradores da autora chegaram às instalações da empresa, onde a viatura tinha sido deixada aparcada no dia anterior, verificaram que a viatura havia sido dali furtada; até hoje, tal viatura não foi restituída à autora; a autora participou oportunamente o furto; a ré, independentemente de nunca ter posto em causa a existência da cobertura de furto contratada com a autora, não pagou o valor da indemnização a que esta tem direito, ou seja, o capital seguro de € 59.800,00; a autora comunicou à ré que iria proceder ao aluguer de uma viatura de características idênticas à furtada, para as deslocações das pessoas que utilizavam tal viatura; até hoje a ré não deu qualquer resposta; a autora suportou as despesas de aluguer, no montante diário de € 35,00, acrescido de I.V.A., desde o dia 28/06/2010 até ao dia 30/04/2011, momento a partir do qual, face ao hiato de tempo já decorrido, não pôde mais suportar aquele custo; liquidando à proprietária do veículo em causa o total de € 13.043,10; a autora continua desapossada da sua viatura.

    Citada, a ré apresentou contestação, alegando em síntese: aceita que a autora formalmente consta como proprietária do veículo em causa, matrícula “..-..-UZ; não resultou confirmada a ocorrência do furto alegado pela autora; no que concerne aos valores peticionados alegadamente pagos por aluguer de viatura e de privação de uso, no valor alegado de € 13.043,10, nunca serão devidos, dado que o contrato de seguro em causa não prevê a cobertura de veículo de aluguer ou de substituição; não podendo também ser devida qualquer indemnização por privação de uso/aluguer de viatura de substituição dum veículo objeto de participação por furto; acresce que a ré veio de apurar que o veículo “..-..-UZ” esteve seguro, já após a participação do furto aqui em discussão, na congénere D…, Companhia de Seguros, S.A., desde 25 de Julho de 2012, tendo como tomadora E…; contrato esse que ficou que vigorou até 01.11.2012; tendo passado desde 24.12.2012 a ficar seguro também na D…, Companhia de Seguros, S.A, e continuando como tomadora E…, contrato que se manterá até à presente data, titulado pela apólice n.º ………; mais se apurou que F…, cunhado daquela tomadora e irmão do marido de E…, tinha adquirido em data que não especifica tal viatura a um senhor cujo nome não identificou de origem brasileira; caso no presente pleito a ré seja a final condenada a pagar a indemnização aqui peticionada pelo alegado furto do veículo, sempre os detentores do veículo deverão ser notificados para entregar a viatura à ré; com efeito, a perda da presente demanda para a ré sempre lhe causará prejuízo, e assistirá assim direito de regresso contra tais detentores do veículo do prejuízo assim causado; razão porque requer a intervenção provocada acessória de F… e de E….

    A autora apresentou réplica, na qual, além do mais, pede a condenação da ré como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da autora, de valor nunca inferior a € 2.500,00.

    Em 25.09.2013 foi proferido despacho com o seguinte teor: «[…] Pelo exposto, nos termos dos art.ºs 330.º e 331.º do C.P.C., admite-se a intervenção acessória provocada de F… e E…, como associados da R., nos termos requeridos.

    […]» F… e E… deduziram contestação, na qual alegam em síntese: não é verdade que a autora seja proprietária do veículo automóvel de matricula ..-..-UZ de Marca BMW modelo ….; contudo é verdade que a propriedade de tal veículo se encontra ainda averbada em nome da autora; sendo também falso que desde a sua aquisição pela autora tal viatura tenha sido sempre utilizada pelos seus legais representantes à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente na convicção de ser sua proprietária, uma vez que a mesma em data não apurada, mas seguramente antes de 6 de abril de 2010, a entregou a terceiros para procederem à sua venda; tendo passado a mesma a circular na margem sul do país, nomeadamente em …, …, … e …; tendo passado por diversas autoestradas onde ficou gravado o seu registo de passagem nas respetivas portagens; a autora e os seus legais representantes simularam o furto da viatura em causa.

    Em 8.04.2014 realizou-se audiência prévia, na qual: foi fixado à ação o valor de € 72.843,10; foi definido como objeto do litígio: a propriedade do veículo, a existência do furto do veículo, a obrigação contratual de reparação em virtude do alegado furto, e a obrigação de reparação pela privação do uso da viatura; foram definidos os temas da prova.

    Procedeu-se a julgamento, após o que, em 21.10.2015, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Termos em que se decide julgar a acção por parcialmente procedentes, e, consequentemente: - Condenar a Ré a C… - Companhia de Seguros S.A. a pagar à Autora, B…, S.A. quantia de €49.800,00 (quarente e nove mil e oitocentos euros), acrescida de juros de mora vencidos desde 6 de Junho de 2010 e vincendos até integral pagamento.

    Custas da acção por Autora e Ré na proporção aritmética dos respectivos decaimentos.».

    Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões[1]: I) - O presente recurso circunscreve-se unicamente à parte da sentença que não atendeu ao pedido da recorrente relativo à condenação da recorrida no pagamento de indemnização a título de compensação por privação de uso do veículo da recorrente, durante o tempo em que esteve – como ainda está – desapossada do mesmo, pelo facto de a recorrida, muito embora estivesse obrigada a tal, não ter procedido de harmonia com os deveres que tinha para com a recorrida, pagando-lhe o valor do capital seguro.

    II) - A recorrente está desapossada daquele veículo – e do valor para poder adquirir um outro com idênticas características – desde a data daquele furto, e apesar de a recorrida ter obrigação de pagar o valor da indemnização contratada no prazo de 60 dias após aquele...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT