Acórdão nº 295/14.2TTMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 295/14.2TTMAI.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 486) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em …, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “CTT – Correios de Portugal, S.A.”, com sede em Lisboa, peticionando a condenação da Ré a: a) Pagar-lhe as diferenças salariais apuradas, como média de uma retribuição variável auferida no período de 1985 a 2012, no valor de € 9.507,00, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento; b) Pagar-lhe as diferenças salariais que vierem a ser apuradas, relativas aos períodos mencionados no artigo 75.º da petição inicial, acrescida dos juros vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento; c) Pagar custas e procuradoria condigna.

Alegou em síntese que foi contratado em 1980 e que nunca recebeu os subsídios de férias e de Natal nem a retribuição de férias na forma devida, pois a R. excluiu desses valores todas as prestações pagas ao A. regular e periodicamente, designadamente o trabalho extraordinário, nocturno, compensação por horário incómodo, entre outros.

Contestou a R. invocando a excepção de prescrição dos créditos laborais anteriores a Maio de 1992, a supressio relativamente a juros de mora, a inexistência de juros de mora antes da citação, a prescrição dos juros moratórios vencidos há mais de cinco anos, e impugnou, entre outros, a natureza retributiva das prestações pagas, alegando ainda que desde 2003 começou a integrar na retribuição de férias e subsídios de férias as médias retributivas dos subsídios regulares auferidos pelo A. durante o ano, conforme o mesmo aceita. Contestou porém que o abono de viagem referido na informação junta pelo A. se refira ao abono de viagem por este reclamado. Sufragou o critério de regularidade dos onze meses por ano. Concluiu pela procedência das excepções e pela sua absolvição do pedido, e se assim se não entender, pela repercussão das médias de um ano no ano seguinte e pelas restrições previstas no Orçamento de Estado de 2011 e 2012, devendo ser relegado o apuramento para liquidação.

Respondeu o A. às excepções invocadas, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador tabelar, que fixou à acção o valor de € 9.507,00, e dada a simplicidade da causa, dispensou a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

As partes vieram acordar nos factos provados, prescindindo de produção de mais prova e de alegações de facto e de direito, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Por tudo o exposto, julga-se a presente ação procedente, por provada, condenando-se a ré “CTT – Correios de Portugal, S.A.” a pagar ao autor B… a quantia de €5.815,07, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, desde a data de vencimento de cada uma das prestações acima elencadas e até efetivo e integral pagamento.

Custas por autor e ré, na proporção do vencimento-decaimento”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.

  1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. destes autos, na parte em que, conhecendo das excepções peremptórias de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e de prescrição dos juros relativos aos créditos que o Autor reclama, decidiu pela sua improcedência.

  2. Importa na análise da natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente àquela data, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.

  3. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais: - D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969 - Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro; - Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977; - AE de 81 - Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril V. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.

  4. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).

  5. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.

  6. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.

  7. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.

  8. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.

  9. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).

  10. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.

  11. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.

  12. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.

    Conclui-se assim, que estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter-administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.

  13. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que os mesmos são “inimpugnáveis e, como tal, definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas”.

  14. Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados quase de 30 anos, ser objecto de apreciação judicial.

  15. Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por actos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas.

  16. Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada.

  17. Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios garantísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de...

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