Acórdão nº 6452/10.3TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Sumário (da responsabilidade do relator): 1 - O contrato de depósito é aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida. O depósito é irregular quando tenha por objeto coisas fungíveis; neste, a obrigação de restituição converte-se de específica em genérica. 2 – O mandato sem representação é o contrato pelo qual alguém confia a outrem, em nome do segundo mas no interesse e por conta do primeiro, a realização de um ato jurídico relativo a interesses deste, assumindo o mandatário a obrigação da prática do ato. 3 – Se perante uma determinada situação de facto, a decisão da causa não depende da qualificação negocial que se faça, ou seja, sempre está em causa, apenas, o apuramento do que é devido ao autor, independentemente de como se qualifique o negócio, a questão da qualificação não reveste mais que um caráter teórico. 4 – Ainda assim, se não é possível em sede fáctica apurar os contornos do alegado “mandato” e o “mandato” sempre foi, sendo-o apenas e sem se apurar ter sido mais, um verdadeiro contrato de depósito irregular, é este o negócio que deve ter-se por celebrado, independentemente do nome que os contraentes pretenderam dar-lhe. 5 – Sob pena de abusiva violação da boa-fé, não pode o autor invocar agora a nulidade do depósito irregular, por falta de forma, servindo-se apenas da qualificação jurídica, com a qual discorda. Com efeito, o negócio (sendo o mesmo e o único apurado) não pode ser válido ou nulo consoante a sua qualificação: Se o tribunal considerasse que se estava perante um mandato sem representação, o negócio era válido; se o tribunal considerasse que (o mesmo negócio) se traduz num depósito irregular, então já seria nulo.
Processo 6452/10.3TBMTS.P1 Recorrente – B….
Recorridos – C… e D….
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: B… instaurou a presente ação contra C… (e o entretanto falecido marido desta, E…) e posteriormente D… e pediu a condenação dos réus a: a) Reconhecerem que a conta n.º …………, do F…, aberta em 24.9.2004 e titulada em nome deles, foi até 24.11.2009 propriedade exclusiva do autor, bem como os valores e dinheiro aí depositados; b) Devolverem ao autor o montante de 146.754,12€, acrescido de juros à taxa legal, desde 24.11.2009, ascendendo a 5.194,61€ os vencidos em 13.10.2010 – pedido este que foi posteriormente ampliado no montante de 1.464,36€, acrescido de juros desde 19.01.2004, ascendendo a 399,75€ os vencidos em 14.12.2010; c) Pagarem as prestações 56.ª a 60.ª, referidas no artigo 91.º da petição, no montante de 1.330,00€ cada uma, nas datas dos seus vencimentos (respetivamente entre 15.10.2010 e 15.2.2011), no total de 6.650,00€; d) Pagarem os juros da descapitalização que abusivamente fizeram das economias do autor ao longo de 5 anos, a liquidar em execução de sentença; e) Indemnizarem o autor por danos não patrimoniais no montante de 15.000,00€.
O autor, fundamentando as suas pretensões, veio alegar o que ora se resume: - Por ter dificuldade de administração bancária do seu dinheiro, pediu ao primitivo réu (seu irmão) e à ré (mulher daquele) que o fizessem, passando a entregar-lhes, a partir de 2000, as suas economias. Em 30.09.2004, por acordo entre si e o seu irmão, foi aberta uma conta no F…, em nome daqueles réus e cujo saldo inicial foi de 127.500,00€, montante este pertença do autor, tal como os valores e dinheiro que aí passaram a ser depositados.
- Em finais de 2009, a ré, na sequência de doença de que padeceu o primitivo réu, decidiu cessar a colaboração que prestava e transferiu para o autor, em 24.11.2009 o saldo existente na conta, no valor de 37.107,34€, ocasião em que igualmente lhe entregou uma pasta com diversos documentos relativos à sua gestão.
- Os réus apropriaram-se indevidamente de diversos montantes da conta por eles titulada (atendendo aos débitos e créditos autorizados ou efetuados a pedido do autor) e o autor pretende ser pago desses valores (além de compensado por danos não patrimoniais), deduzindo-se o montante entregue a final, tudo correspondendo a um saldo a seu favor de 146.754,12€, além dos juros.
Os réus contestaram. Excecionaram o erro na forma do processo e impugnaram a versão fáctica trazida pelo autor. Invocaram, por outro lado, a litigância de má-fé deste, pedindo a sua condenação em multa e em indemnização.
O autor replicou e reafirmou que os demandados eram seus mandatários (mandato sem representação). Acentuou a falta de fundamento da pretensão à sua condenação enquanto litigante de má-fé e requereu a ampliação do pedido, no montante de 1.464,36€, acrescido de juros de mora desde 19.01.2004, com fundamento no facto de aquele montante corresponder à remuneração de um empréstimo por si efetuado.
Os réus treplicaram e defenderam a improcedência da ampliação do pedido, tendo invocado que o alegado empréstimo foi feito pelo réu, pelo que só a este podiam ser devidos juros.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador, que admitiu a ampliação do pedido requerida na réplica, fixou o valor da causa (166.948,81€), indeferiu a invocada nulidade do erro na forma do processo, fixou a matéria assente e elaborou a base instrutória. Teve lugar a audiência de julgamento, que decorreu em diversas sessões e respondeu-se à matéria de facto controvertida, conforme ata da sessão de 6.05.2013. Conclusos os autos, apenas em 12.11.2014, veio a ser proferida sentença, datada de 25.05.2015, que assim decidiu:[2] “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os Réus a restituírem ao Autor o montante de €10.698,60, acrescido das seguintes quantias, a liquidar em execução de sentença: a) O valor global correspondente à diferença entre as parcelas de juros e as parcelas dos respectivos impostos e comissões de gestão de conta/despesas bancárias, cujos montantes se encontram discriminados no documento de fls. 258 a 263; e b) O montante proporcional ao valor apurado na alínea anterior (que respeita ao saldo de €37.107,34), relativamente à quantia de €10.698,60 (cálculo da remuneração líquida que seria obtida sobre este montante, na proporção correspondente à que for liquidada relativamente ao montante de €37.107,34). A essas quantias acrescem juros de mora à taxa de juro supletiva legal aplicável aos juros civis (que é de 4% ao ano), contados desde 24/11/2009. Absolvo os Réus do mais peticionado.” 1.2 – Do recurso: Inconformado, o autor veio apelar. Impugna a decisão sobre a matéria de facto e pretende que, “alterando a resposta dada à base instrutória dando como provados os arts 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 10.º, 14.º, 15.º e não provado o 28.º, concedendo provimento às questões de direito, deverá declarar-se revogada a decisão, substituindo-a por uma que condene os apelados nos pedidos formulados pelo apelante”. Em conformidade com a sua pretensão recursória, apresenta as seguintes Conclusões: 1 – A relação a que se referem os autos entre apelante e apelados teve início desde há mais de 10 anos e decorreu durante quase uma década.
2 – Baseou-se na confiança existente entre as partes.
3 – Na análise critica das provas o Meritíssimo Juiz “a quo” ao longo das páginas tece meras conjeturas e raciocínios sem fundamento, com conclusões partidárias, dúbias e contraditórias.
4 – Não usa um critério sequencial para dar resposta à Base Instrutória.
5 – Só nas páginas 15 e 16 enuncia as razões que o levaram a considerar como não provado o art. 1.º e as razões das respostas restritivas aos arts. 2.º e 3.º.
6 - E relativamente ao art.º 1.º da Base Instrutória baseia a sua resposta no facto do autor ser titular único de uma conta bancária desde finais de 2004, e não ter demonstrado dificuldade em a usar, gerir e administrar, nunca tendo pedido ajuda para esse efeito.
7 – O apelante abriu uma conta na G… e pediu ajuda à testemunha H…, que o ajudou a abrir as contas, a fazer os pagamentos por débito em conta de todas as despesas mensais correntes, tinha as cadernetas que as atualizava mensalmente e controlava os seus saldos, isto é, fazia ela a gestão da conta.
8 - Ainda em 2010 ou 2011, a testemunha I… teve que ajudar o apelante que não sabia fazer uma simples transferência bancária.
9 - Não teve, o Mmo Juiz “a quo” fundamento sério para dar como não provado o art. 1.º da Base Instrutória.
10 – Devendo o mesmo ter-se por PROVADO.
11 – O Mmo Juiz “a quo”, apenas deu como provado, nos artigos 2.º e 3.º que: - “O Autor, porque confiava no primitivo Réu (E…), seu irmão, a partir de 2000 passou a entregar-lhe parte dos rendimentos do seu trabalho, para que este os guardasse, depositando na sua própria conta bancária (do primitivo Réu)” e, - “A pedido do Autor, o primitivo Réu depositou dinheiro daquele na conta referida em A).” 12 - A resposta a estes quesitos entra em contradição com a dada ao quesito 19.º da Base Instrutória, onde consta: “ O Autor tinha toda a confiança nos Réus, seu irmão e cunhada, mantendo entre si excelentes relações de amizade.” 13 – Com esta resposta, o Mmo Juiz “a quo” limita a titularidade da conta bancária em causa, quando consta exatamente o contrário das alíneas A) e B) da matéria assente: - “A) - Os Réus eram titulares de uma conta da qual eram cotitulares no J… com o número ……………...” - “B) - Em 30 de Setembro de 2004, por acordo entre o Autor e o Réu E…, foi aberta uma conta no Banco F…, agência de …, …, …. Porto, com o n.º …………, em nome de ambos os Réus, na qual o Autor passou a depositar dinheiro seu.” 14 – O primitivo réu, a partir de 2005, foi acometido de doença degenerativa, e em 2006 já estava incapaz de assinar o seu próprio nome mas a confiança do apelante manteve-se na ré C….
15 - Todos os cheques constantes dos autos, com exceção de apenas um, que data de 2003, foram emitidos pela apelada.
16 – Que fez levantamentos de multibanco, débitos em...
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