Acórdão nº 1673/14.2T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJER
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 1673/14.2T8MAI.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Maia, Inst. Central - 2ª Sec. Trabalho – J1, o Ministério Público veio, nos termos do disposto no art.º 15º-A da Lei nº 17/2009 de 14 de Setembro e art.º 186º-K do C.P.T., na redacção introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de Agosto, intentar acções para Reconhecimento de Existência de Contrato de Trabalho contra “B…, S.A.,” pedindo que se declare a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre os enfermeiros C…, D…, E…, F… e G… e aquela Ré.

As acções deram origem aos presentes autos, bem como aos processos n.º 1674/14.0T8MAI, 1679/14.1T8MAI, 1680/14.5T8MAI e 1770/14.4T8MAI.

Em todas aquelas acções alegou, no essencial, que na sequência de acção inspectiva realizada pela ACT nas instalações da demandada, no Porto, foi verificado que aquelas mencionadas pessoas, embora tivessem celebrado por escrito com a ré contratos denominados de prestações de serviços, mantinham com a mesma relações jurídicas que consubstanciam verdadeiros contratos de trabalho.

Citada em todas aquelas acções, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º-L, do CT, a ré contestou. Nas respectivas contestações apresentou defesa por excepção e defesa por impugnação.

Na defesa por excepção arguiu a inconstitucionalidade das normas que regulam a presente acção (art.ºs 186º-K a 186º-O do C. Pr. Trabalho), por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, nas vertentes do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, do direito de acção e livre desenvolvimento da personalidade previstos, respectivamente, nos art.ºs 2.º, 47.º, n.º 1, 13.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 26.º, n.º 1 e 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Pelo tribunal a quo, na consideração de se mostrarem verificados os necessários pressupostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 31.º do Código de Processo do Trabalho, 267.º, 36.º e 37.º do Código de Processo Civil, foi determinada a apensação aos presentes autos dos demais processos acima identificados.

Foi observado o direito de resposta relativamente à arguição da inconstitucionalidade, tendo o Ministério Público apresentado as razões da sua discordância.

Subsequentemente, pelo Tribunal a quo foi proferida decisão, pronunciando-se sobre a arguida inconstitucionalidade, a qual foi culminada com o dispositivo seguinte: -«Por tudo o exposto, e nos termos dos preceitos legais supra indicados, decide-se: a) Julgar inconstitucional e não aplicar as normas constantes dos artigos. 26º/1i) e 6, 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da Liberdade de Escolha do Género de Trabalho, e da Igualdade; b) julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente «na inconstitucionalidade da ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» e, consequentemente, absolver-se a Ré da instância e declarar a extinção da presente instância».

Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional pelo Ministério Público.

O recurso foi admitido e os autos subiram àquele tribunal que, apreciando-o, lhe concedeu provimento.

I.2 Após a baixa dos autos à 1.ª instância a Senhora Juíza proferiu despacho designando dia para a realização da audiência de julgamento.

Na data designada compareceram os todos os convocados.

Iniciado este acto processual, da respectiva acta consta o seguinte: -«Em obediência ao disposto no artigo 186.º/1 do Código de Processo do Trabalho, pela Sra. Juiz foi declarada aberta a audiência de partes e tentada a conciliação entre as mesmas, tendo pela Ilustre Mandatária da requerida “B…, S.A.”, munida de poderes especiais para o ato e pelos Srs. Enfermeiros C…, D…, E…, F… e G… sido dito o seguinte: Que acordam em que a relação contratual existente entre as partes se desenvolveu, desde os respetivos inícios, nos seguintes termos: 1º - Os Srs. Enfermeiros faziam e fazem os turnos que pretendiam e no período que pretendiam, comunicando previamente à requerida as suas disponibilidades ou indisponibilidades podendo trocar livremente os turnos com outros enfermeiros da “B…” que também lhe prestam serviços.

  1. - Para efetuar tais trocas não careciam, nem carecem, de qualquer autorização da “B…”, nem tinham ou têm que justificar o motivo das mesmas, tendo feito trocas sem que sequer tivessem avisado a “B…” - as trocas são feitas diretamente entre os enfermeiros.

  2. - Se não pudessem comparecer a um turno, não tinham a obrigação contratual de justificar as suas ausências.

    1. – Auferiam e auferem uma quantia pecuniária valor/hora pelos serviços prestados, sendo os valores auferidos mensalmente variáveis e dependentes do número de horas efetivamente prestados, nada recebendo nos meses em que não prestam a sua atividade.

  3. - Não auferiam, nem auferem, subsídio de Natal, nem de férias.

  4. - Não estavam, nem estão, sujeitos ao poder disciplinar da “B…”.

  5. - Não obedeciam, nem obedecem, a ordens da “B…”, tendo que seguir somente as orientações da Direção Geral de Saúde, exercendo as suas funções com total autonomia.

  6. - Não desempenhavam, nem desempenham, a sua atividade em regime de exclusividade com a “B…”, pois têm, respetivamente, contratos de trabalho com o Centro Hospitalar do H…, EPE; o Instituto Português de Oncologia do H…; o Centro Hospitalar de I…, EPE; o Hospital J…; e o Centro Hospitalar de I…, EPE, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais.

  7. - O atrás referido verificou-se desde o início da relação contratual entre as partes e o momento atual ou seu término, entendendo as partes que as mesmas relações configuram contratos de prestação de serviços, tal como decorre dos contratos celebrados pelas mesmas.

    As partes declaram, assim, estarem conciliadas nos termos e para os efeitos do artigo 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, porquanto quiseram celebrar contratos de prestação de serviços e é nesses precisos termos que se desenvolveram e desenvolvem as respetivas relações contratuais, estando portanto de acordo em que as mesmas não foram, nem são, de trabalho subordinado, mas antes de prestação de serviços.

    Em conformidade, as partes requerem a homologação do presente acordo.

    De seguida foi dada a palavra Digna Magistrada do Ministério público, que no uso da mesma disse o seguinte: O Ministério Público manifesta desde já a sua oposição à homologação da transação ora efetuada.

    Na verdade, o Estado, através da ACT, verificou a existência de indícios duma situação de prestação de atividade aparentemente autónoma em condições análogas às do contrato de trabalho entre os Trabalhadores C…, D…, E…, F… e G… e a ré B…, SA.

    Consequentemente, a ACT levantou e instaurou os respetivos autos e remeteu cópia ao Ministério Público para propositura das competentes ações para Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho.

    O Ministério Público, no âmbito da competência própria e dando expressão a interesses públicos intentou as presentes ações.

    As relações materiais controvertidas estabeleceram-se pois entre o Estado e a Ré, não fazendo pois os trabalhadores parte dessa relação material controvertida.

    Embora a decisão os afetem ou possam afetar, não têm poder de "per si" para dispor como bem entendem dessas mesmas relações, elas são de todo estranhas e contrárias como ficou consignado nestes autos ao pedido formulado, pelo que carecem de legitimidade para por termo ao processo mediante transação.

    O Tribunal tem o poder/dever de decidir a pretensão formulada acolhendo-a ou negando-a mas antes, no nosso entendimento, tem obrigação de averiguar a veracidade desses factos.

    É nossa convicção, segundo a interpretação que fazemos, que a declaração de vontade dos Trabalhadores ainda que corresponda ou traduza uma vontade livre e esclarecida ou que seja determinada pela defesa dos seus interesses necessita de ser compatibilizada com os respetivos interesses públicos.

    Assim, em face de tudo quanto fica dito, manifestamos pois firme oposição à homologação da transação efetuada.

    Seguidamente, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e 186.º-K e L do Código de Processo do Trabalho, instaurar as presentes ações declarativas de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, sob a forma de processo especial, contra “B…, S.A.”, pedindo que se declare a existência de contratos de trabalho entre C…, D…, E…, F… e G… e a ré.

    Para tal sustenta, em substância, que na sequência de ações inspetivas levada a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) nas instalações da ré, foi verificado que aquelas mencionadas pessoas, embora tivessem celebrado por escrito com a ré contratos denominados de prestação de serviços, mantinham com a mesma relações jurídicas que consubstanciam verdadeiros contratos de trabalho.

    Citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º-L, a ré contestou.

    Dado cumprimento ao disposto no artigo 186.º-L/4, os Srs. Enfermeiros nem aderiram aos factos apresentados pelo Ministério Público, nem apresentaram articulado próprio, nem constituíram mandatário.

    Iniciou-se a presente audiência com a tentativa de conciliação das partes, tal como rege o artigo 186.º-O/1 do Código de Processo Civil, tendo pelos Srs. Enfermeiros e pela B… sido dito estarem de acordo em que as relações contratuais que existiram e existem entre ambas as partes não foram, nem são, de trabalho subordinado, mas antes de prestação de serviços.

    A questão que se coloca à apreciação deste tribunal é, pois e face à posição assumida pelo Ministério Público de oposição à homologação da transação declarada, a de saber se tal “transação” é válida e lícita.

    Como é sabido, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT