Acórdão nº 837/13.0TBMTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 837/13.0TBMTS-A.P1 Sumário do acórdão: I. A lei visa essencialmente duas finalidades complementares, com o regime prescricional: proteger a segurança jurídica e sancionar a negligência do titular do direito.

  1. A desnecessidade de conhecimento da pessoa do responsável, para que se inicie o decurso do prazo prescricional, prevista no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil assenta no seguinte pressuposto: não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição.

  2. Afirmando-se os réus, legais representantes da autora, apesar de terem sido demitidos da direção desta, para que a autora os pudesse demandar com fundamento em responsabilidade civil extracontratual revelava-se absolutamente indispensável a prévia ‘clarificação’ da situação estatutária daqueles, o que só veio a ocorrer na sequência do trânsito em julgado da decisão judicial que os condenou a reconhecer a validade da deliberação da sua demissão.

  3. A previsão do início da contagem do prazo, prevista no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil deve ser interpretada em termos hábeis, iniciando-se tal prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que condenou os réus (lesantes) a reconhecerem a validade das deliberações em que foram demitidos da direção da autora (lesada), e não do conhecimento por parte da autora, da pessoa dos responsáveis.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, Instituição Particular de Solidariedade Social, intentou em 5.02.2013 ação declarativa na forma de processo experimental regulado pelo D. L. 108/2006 de 08/06, contra: C…, D…, E…, F…, e G…, pedindo a condenação dos réus a:

    1. Pagar à Autora a quantia € 1.658.330,30 (um milhão seiscentos e cinquenta e oito mil trezentos e trinta euros e trinta cêntimos), a título de danos patrimoniais decorrentes da factualidade supra alegada; b) Pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal anual de 4% sobre o montante indemnizatório peticionado, contados da data da citação até ao efetivo e integral pagamento.

      Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: é uma associação particular de solidariedade social, sem fins lucrativos, os 1º, 2º, 3º e 4º réus foram, até Junho de 2004, associados da autora; a 5ª ré nunca foi associada da autora; em 20 de Junho de 2004, a Autora deliberou em assembleia geral universal excluir de sócios, entre outros, com fundamento em justa causa, os aqui 1º, 2º, 3º e 4º réus; não obstante a sua exclusão de sócios, estes réus recusaram-se sempre a acatar e a cumprir a deliberação tomada; e, apesar de não terem requerido a impugnação judicial das deliberações tomadas na sobredita assembleia geral da Autora, aqueles réus mantiveram-se a ocupar e utilizar as instalações sociais da autora; apesar de saberem que já não faziam parte da autora, por terem perdido a qualidade de sócios, nem estarem mandatados para o desempenho de cargos sociais, continuaram a invocar perante os terceiros, entidades públicas e privadas, a qualidade de sócios; assim como continuaram a arrogar-se de titulares de cargos sociais na autora, sem estarem mandatados por ato eleitoral válido, nomeadamente como membros da sua direção, invocando o réu C… a qualidade de Presidente da direção, os réus E… e F… o cargo de vogais da direção, e o réu D… a qualidade de vice-presidente da direção; também a 5.ª ré atuou perante terceiros invocando uma pretensa qualidade de presidente da direção da autora; arrogando-se uma qualidade que não tinham, os réus administraram, usaram e dispuseram dos rendimentos e património da autora; a autora intentou ação declarativa comum, contra os aqui réus, a qual correu termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos sob o n.º 1187/06.4TBMTS, nela tendo sido peticionado: “(…) a condenação dos Réus a reconhecer a validade, com todos os seus efeitos daí decorrentes, das deliberações tomadas nas assembleias gerais extraordinárias da Ré de 14 de Março, de 20 de Junho e de 13 de Dezembro do ano de 2004 e consequentemente; a) a abster-se de praticar quaisquer actos em nome ou representação da ré associação, bem como de interferir na administração ou de utilizar quaisquer bens, equipamentos ou instalações; b) a ver declarada a validade das deliberações de demissão dos réus de sócios da ré associação, com todos os seus efeitos, e das eleições (aprovadas na dita assembleia geral de 13 de Dezembro de 2004) para os titulares dos órgãos sociais da ré, e a vigorar para o triénio de 2005-2007, com todos os seus legais e demais efeitos (...).”; a referida ação judicial veio a ser julgada totalmente procedente, tendo a sentença transitado já em 13/09/2012, como decorre do teor da certidão junta, que se dá por integralmente reproduzido (Doc. n.º 5); donde resulta por certo e incontroverso que os 1º ao 4º réus já não são sócios da autora desde 20 de Junho de 2004; contudo, os réus após a sua expulsão continuaram a arrogar-se de responsáveis pelos órgãos sociais da autora perante terceiros assumindo e contratando sempre em nome e representação da autora, “gerindo” a autora a partir das instalações que constituíam a sua sede, usurpando o seu nome, parte das suas instalações, parte dos seus equipamentos e até os recursos a ela pertencentes; nessa “gestão” sem poderes que a legitimassem, os réus causaram danos à autora no valor peticionado.

      Nas suas contestações, os réus deduziram a exceção de prescrição dos alegados direitos de crédito da autora, alegando em síntese: a autora conhece todos os alegados direitos de crédito que reivindica desde o preciso momento em que, cada um deles, alegadamente se constituiu; é aplicável o prazo prescricional previsto no art.º 498.º do Código Civil; tais alegados créditos já prescreveram todos, por terem sido constituídos há mais de 3 anos, relativamente à data de propositura da presente ação.

      A autora respondeu à exceção perentória deduzida pelos réus, contrapondo em síntese: o direito de indemnização em que se baseia a causa de pedir funda-se na responsabilidade contratual, isto é, na responsabilidade dos réus enquanto titulares de cargos exercidos nos seus órgãos sociais; o prazo de prescrição aplicável é o de 20 anos, previsto no art.º 309.º do Código Civil; ainda que assim não se entenda, o prazo prescricional só começa a contar a partir da data em que o lesado tiver conhecimento do direito que lhe compete; o conhecimento deste facto só ocorreu com o trânsito em julgado, em 13/09/2012, da sentença proferida nos autos de processo ordinário que correram termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, sob o nº 1187/06.4TBMTS; até essa data, a sua relação com os réus mantinha-se controvertida; durante anos, esteve factualmente dividida, mantendo duas direções em aparente exercício, uma dirigida por si a partir das instalações na sede na Rua… e outra dirigida pelos réus a partir das instalações na Rua…; só a partir desta data, é que os réus foram forçados a reconhecer a sua exclusão de sócios da autora, com os inerentes efeitos de serem responsabilizados por todos os atos e omissões que praticaram sob a aparência de a representarem; acresce que no caso das pessoas coletivas, e por força do disposto no art.º 318.º, alínea d), do Código Civil, o prazo não começa nem corre contra os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem; os réus desempenharam cargos na sua direção, elegendo-se sucessivamente em Assembleias que vieram a ser anuladas judicialmente; exceciona-se a situação da ré G… que nunca foi sua sócia, mas continua a praticar atos na qualidade que se arroga de presidente da direção da autora.

      Em 3.07.2015 foi proferido despacho no qual se fixou o valor da causa em € 1.658.330,30.

      Na mesma data foi proferido despacho saneador no qual a Mª Juíza conheceu do mérito da exceção perentória deduzida pelos réus, decidindo: «Nos termos expostos, julga-se improcedente a excepção de prescrição invocada quanto aos 1º, 2º, 3º e 4º Réus, e procedente quanto à 5ª Ré G…, julgando quanto a ela extinto o direito de indemnização que contra esta aqui se exercita, por virtude do decurso do prazo de prescrição consagrado no art. 498.º, n.º 1, do C.Civil.».

      Não se conformou a ré F… e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização exercido pela A. contra a Recorrente e por esta arguida.

      2 - Na decisão recorrida a Mma. Juiz a quo a considerou que a causa de pedir da A. se funda em responsabilidade extracontratual e, assim, que as regras a aplicar para este efeito são as respeitantes a este tipo de responsabilidade, em particular a estatuição do artigo 498º do Código Civil.

      3 - Igualmente considera que a Autora tem conhecimento da generalidade dos créditos que invoca há mais de 3 anos, com referência à data da instauração da acção.

      4 - Porém, entende não se verificar a excepção de prescrição do direito exercido pela A., por o prazo de três anos previsto no n.º 1 do referido artigo 498º ainda não se ter completado.

      5 - Para tal, considera a Mma. Juiz a quo que a contagem desse prazo, no caso dos autos, se iniciou em 13/09/2012, que é a data do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de processo ordinário que correram termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, sob o n.º 1187/06.4TBMTS.

      6 - Na referida acção n.º 1187/06.4TBMTS intentada pelos titulares dos órgãos sociais da A. e que se arrogavam de ser os seus legítimos representantes contra, entre outros, os aqui RR., peticionava-se: "(...) a condenação dos Réus a reconhecer a validade, com todos os seus efeitos daí decorrentes, das deliberações tomadas nas assembleias gerais extraordinárias da Ré de 14 de Março, de 20 de Junho e de 13 de Dezembro...

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