Acórdão nº 3521/15.7T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3521/15.7T8AVR.P1 Comarca de Aveiro Aveiro – Inst. Central – 1ª Secção Comércio – J1 Relatora: Judite Pires 1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida 2º Adjunto: Des. Teles de Menezes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO.

  1. “B…, Ldª”, NIPC ………, com sede na Rua…, veio, nos termos dos artigos 1º, nº2, e 17º-A a 17º-I do CIRE, requerer processo especial de revitalização, alegando, para o efeito, que se encontra numa situação económica difícil, que se reflecte em sérias dificuldades em cumprir pontualmente as suas obrigações, tendo já reduzido o seu quadro de pessoal, mantendo ao seu serviço três trabalhadores, tendo ainda a decorrer contra si diversos processos de execução, não conseguindo obter crédito.

    Refere que as receitas que gerava com a sua actividade têm vindo a diminuir desde 2011, em consequência do aumento do IVA e da diminuição do poder de compra da sua clientela, à semelhança do que ocorre com outros operadores do sector da restauração.

    Sustentando que a solução que melhor protege os interesses dos seus credores e trabalhadores é a sua manutenção em funcionamento, defendendo ter condições para gerar resultados de exploração positivos, declara obrigar-se, no prazo legal previsto no artigo 17º-C do CIRE, à elaboração e apresentação de um plano para a sua recuperação e saneamento do passivo.

    Manifesta a sua vontade em encetar negociações com os seus credores – a quem comunicou as suas dificuldades de liquidez e de cumprimento pontual das suas obrigações -, que conduzam à sua revitalização, sendo acompanhada nesse propósito pela sua credora C…, Ldª.

    Finda, pedindo, designadamente, que se iniciem as diligências processuais conducentes à sua recuperação, nomeando-se, para o efeito, administrador provisório, cujo nome sugere.

    Na sequência do determinado no despacho de fls. 94, veio a requerente juntar relação actualizada dos seus credores, montante dos seus créditos e datas de vencimento e garantias prestadas, extracto da conta …….. em relação ao credor C…, Ldª, e relação de bens/imobilizado.

    Seguidamente – a fls. 115 a 118 – foi proferido despacho judicial a rejeitar “o pedido de apresentação a processo especial de revitalização por ausência do requisito material de que depende nos termos do art. 17º-A, nº 1 do CIRE, por encontrar-se a devedora em atual situação de insolvência”.

  2. Inconformada com essa decisão, dela veio a requerente interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1. O despacho de fls. que indeferiu o requerimento de PER de fls. deve ser revogado, por ser contra legem.

  3. O PER foi instituído pela Lei nº 16/2012, de 6.02, na sequência da assinatura, pelo Governo da República, do Memorando de Entendimento com a Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), tendo sido gizado (legislativamente) como um mecanismo tendente à rápida revitalização de devedores, de forma a diminuir a tendência, acentuada pela crise financeira e económica, de rápida degradação do tecido empresarial, com destruição de emprego e perda de riqueza.

  4. No âmbito dos trabalhos preparatórios que antecederam a publicação da Lei nº 16/2012, foi discutida a possibilidade de exigir ao devedor a prévia certificação da recuperabilidade do devedor, por TOC ou ROC (em caso de sociedades obrigadas a fiscalização, v.g., sociedades anónimas), conforme referem FÁTIMA REIS SILVA, in “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, 2014, pág. 18, e NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS, in “PER – O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, 2014, págs. 16 e 17.

  5. Possibilidade essa que não vingou, bastando, para impulsionar o PER, a junção da declaração conjunta prevista no nº 2 do artigo 17º-A do CIRE.

  6. O legislador estabeleceu, expressis verbis, que o julgador se deve pronunciar imediatamente, nomeando o administrador judicial provisório, cf. al. a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE.

  7. A letra da lei, os antecedentes históricos e a motivação subjacente à publicação do PER são uma tríade que não pode deixar de ser tida em conta na definição do perímetro interpretativo dos poderes conferidos ao Juiz, nos termos da al. a) do no 3 do artigo 17º-A do CIRE, no que refere à decisão de (não) admissão do PER.

  8. A esse propósito, NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS referem que “(...) compreende-se que assim seja. Obrigar a uma análise técnica para que o próprio processo se iniciasse seria matá-lo à partida. Por isso, nos termos do no 2 do artigo 17º-A, qualquer devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, e que esteja munido da declaração prevista no nº 1 do artigo 17º-C, pode dar início ao PER.” (ob.cit., pág. 16).

  9. Mais assertivamente, referem os ditos Autores que “Não compete ao juiz, aquando da recepção do pedido, fazer uma análise preliminar sobre se tais condições estão ou não reunidas.”, recordando os mesmos que tal solução já era praticada no tempo do CPEREF (artigo 25º), reforçando o apontado argumento histórico, Recenseando ainda os referidos Autores um acervo jurisprudencial relevante em abono dessa tese, que aqui, por remissão para essa conhecida obra, damos por reproduzido (ob. cit. pág. 17).

  10. Quanto à extensão do poder de controlo liminar da legalidade do requerimento do PER por parte do Juiz, FÁTIMA REIS SILVA, ob. cit, pág. 19, sustenta que “(...) à partida, no PER, o juiz não tem forma de apreciar se a situação da devedora corresponde a qualquer das enunciadas. A devedora tem o dever de atestar que se encontra em situação difícil ou insolvência iminente e em condições de se recuperar e, a final, em caso de não ser obtido ou não ser homologado o acordo, o administrador judicial provisório é que ajuizará, disso informando o tribunal”.

  11. Refere a Autora em causa que “Várias razões alinham nesse sentido: o juiz não tem possibilidade, no curto prazo que a lei lhe comete para proferir o despacho inicial (de imediato, nos termos do artº 17º-C, nº 3, al. a) do CIRE) de aferir pela consulta dos documentos previstos no art.º 24º se a situação da empresa é, efetivamente, de insolvência iminente ou de situação económia difícil ou, pelo contrário, de insolvência atual, até porque se trata de um juízo técnico complexo e concreto que, recorde-se, o mesmo juiz faz em processo de insolvência rodeado de contraditório, meios de prova, alguns vinculados, um sistema de presunções e várias regras legais (...)”, ob. cit, pág. 20 (sublinhado e negrito nossos).

  12. Em resumo, “(...) serão os credores e o mercado a fazer o juízo decisivo, aprovando o plano, caso em que, maioritariamente, estarão de acordo pela recuperabilidade ou rejeitando o mesmo, caso em que tal ónus passa para o Administrador Judicial Provisório, a quem competirá avaliar e transmitir aos autos a situação” (ob. cit., pág. 20).

  13. Também a Autora em causa dá conta da posição já assumida, a esse respeito, pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) e pelo Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), respectivamente de 15.11.2012 e 16.05.2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

  14. Alinhando pelo mesmo diapasão, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, in “O Processo Especial de Revitalização”, 2015, Almedina, pág. 24, refere que “Trata-se de um processo urgente (a expressão “de imediato” confere-lhe um carácter urgentíssimo), pelo que o controlo dos pressupostos materiais será feito posteriormente (no despacho de homologação, ou em momento anterior, se o administrador judicial provisório suscitar a questão perante o juiz).” 14. Assim, pese embora a definição do âmbito subjectivo do PER se restringir textualmente a devedores em situação económica difícil ou insolvência (meramente) iminente – cf. artigo 17º-A, nº 1, do CIRE –, o que não se ignora, 15. A pergunta que se coloca é: quando pode o Tribunal fazer esse controlo de “legitimidade substantiva”? Pode fazê-lo logo quando o devedor surge a requerer o PER? 16. Efectivamente, é doutrinal e jurisprudencialmente reconhecido que o Juiz pode rejeitar inicialmente o PER. Nomeadamente em casos de “manifesta inviabilidade”.

  15. Mas o que deve entender-se por “manifesta inviabilidade” (i.e., por pretensão “manifestamente improcedente”, como decorre da al. a) do nº 1 do artigo 27º do CIRE, aplicável por remissão)? Será que a mesma compreende o juízo valorativo prévio a respeito da situação económica do...

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