Acórdão nº 482/10.2SJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 482/10.2SJPRT.P1 1ª secção I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J5 da Instância Local do Porto, Comarca do Porto com o nº 482/10.2SJPRT, foi submetida a julgamento a arguida B…, tendo a final sido proferida sentença que condenou a arguida, pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. nos artºs. 217º nº 1, 218º nº 2 al. a) e 202º al. b), todos do Cód. Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de pagar à assistente C… a quantia de € 5.000,00. Mais foi a arguida condenada a pagar à assistente a quantia de € 15.560,00 e ao Banco D…, SA. a quantia de € 9,445,21.

Inconformada com a sentença condenatória, dela veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conformou com a douta sentença do Tribunal a quo, que a condenou na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 2 anos e 3 meses, sob a condição de pagar à assistente/recorrida a quantia de € 5.000,00, tendo sido igualmente condenada no pedido de indemnização civil a pagar à assistente/recorrida a quantia de € 15.560,00 e à parte civil Banco D…, SA. a quantia de € 9.445,21, no tocante aos factos dados como provados; 2. Considera a mesma que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não fez, salvo o devido respeito, uma correta interpretação dos factos e que muitas dúvidas permaneceram no julgamento do respetivo processo; 3. No que toca aos factos 1º a 24º dados como provados na sentença recorrida, a recorrente propõe-se a demonstrar que os mesmos não poderiam ter sido dados como provados nem podia o douto Tribunal a quo ter-se apoiado tanto na credibilidade atribuída à assistente/recorrida, uma vez que a mesma apresentou várias contradições no seu depoimento; 4. Em primeiro lugar, em relação aos factos 2º e 3º dos factos provados a assistente/recorrida mesma afirmou primeiramente que se decidiu a visitar a recorrente em meados do ano de 2006, tendo prontamente corrigido e afirmado precisamente que foi em Outubro de 2008; 5. Ainda, atendendo ao artigo 3º dos factos provados, foi a assistente/recorrida que tomou a iniciativa de visitar a recorrente, não tendo sido esta a iniciar o contacto para efeitos de lhe pedir dinheiro emprestado; 6. Em relação ao artigo 9º dos factos provados, o Tribunal a quo considerou ainda o depoimento da assistente/recorrida no sentido em que esta confirmou que assinou os formulários dos Bancos sem ler os mesmos e na “errónea convicção que respeitavam todos eles a um único contrato de empréstimo e que nele figuraria somente como fiadora”, não se tendo pronunciado todavia no que toca ao facto de a mesma assistente/recorrida ter afirmado que não consegue ler nem escrever sem óculos, mas que conseguiu assinar os referidos formulários sem os óculos, facto que não mereceu credibilidade; 7. Em relação ao ponto 10º dos factos provados não se afigura razoável que o Mmo. Juiz tenha considerado que foi a recorrente a preencher os contratos bancários, fazendo constar dos mesmos os montantes dos empréstimos, pelo simples facto de a assistente/recorrida ter dito que não tinha sido ela a preencher os mesmos e que a letra que deles constava não era sua; 8. O Tribunal retirou essa presunção apesar de a recorrente ter dito, confrontada com os mesmos documentos, que nunca os tinha visto, sem proceder a qualquer prova suplementar, designadamente acareação nos termos do artº 146º do CPP ou também perícia à letra da recorrente, de modo a confrontar esta com a letra aposta nos referidos formulários bancários, nos termos do artº 151º do CPP; 9. Em relação aos pontos 13º, 15º, 17º, 18º e 19º, não se entende que o Tribunal tenha dado como provado que as transferências realizadas através das caixas ATM foram feitas pela ora recorrente, uma vez que a mesma referiu que era o seu marido que movimentava por vezes ambas as contas visto que este se apoderava dos seus documentos bancários, não tendo esta, por outro lado, qualquer hipótese de aceder à conta do marido, concluindo-se desta forma que não é possível precisar quem é que realiza movimentos bancários em caixas de ATM, uma vez que não há qualquer registo dos mesmos; 10. O Tribunal prontificou-se a assumir que tinha sido a recorrente a autora de tais transferências, ignorando o facto de poder ter sido qualquer outra pessoa incluindo o marido da mesma (que a recorrente afirmou que este se levantava com ajuda, nomeadamente dos bombeiros e que saía de casa para ir ao Banco) e inclusivamente a própria assistente/recorrida, já que, alegadamente, se prontificou desde logo a ser fiadora da recorrente; 11. Em relação ao ponto 23º e 24º dos factos provados, não revelou qualquer credibilidade o facto de a assistente/recorrida ter dito que apenas aquando do pedido de uma nova caderneta, em Outubro de 2009 é que a mesma se apercebeu da falta de dinheiro na conta; 12. O Mmo. Juiz não se pronunciou sobre a contradição no depoimento da assistente/recorrida na parte em que a mesma alegou que sobreviveu durante os meses de Março a Outubro de 2009, tendo em conta que se encontrava privada da dita caderneta (único meio através do qual levantava o seu vencimento mensal) com cerca 1.000€ em casa, que lhe deram para as despesas durante esse período, sendo que afirmou ter custos fixos mensais na ordem dos 400€; 13. Igualmente não se pronunciou sobre a parte do depoimento da assistente/recorrida que se revelou totalmente contrário ao anteriormente prestado no DIAP, no que toca ao facto de nunca ter confrontado a arguida com a situação em crise e de ter admitido no mesmo que a mesma lhe teria pago cerca de 2.000€; 14. Ainda em relação ao depoimento da assistente/recorrida, não soube ainda a mesma clarificar em que momento é que deu pela falta do dinheiro na conta: se quando pediu a caderneta em 2008 ou quando recebeu as cartas em 2010, facto que igualmente não foi tido em conta pelo Tribunal; 15. Ainda em relação aos pontos 10º e 23º dos factos provados, veio a testemunha E… dizer que para que o crédito obtido junto do Banco D…, SA (parte civil nos presentes autos) são necessários vários documentos pessoais, designadamente recibo de vencimento e comprovativo de morada – documentos estes em relação aos quais nunca nada foi perguntado, nem à recorrente, nem à recorrida no sentido de se tentar apurar que a última os emprestou à primeira, ou se esta os teve, de alguma forma ou em algum momento na sua posse, sendo tal condição obrigatória e essencial para a celebração do contrato bancário com a parte civil; 16. Os depoimentos da assistente/recorrida revelaram-se inconsistentes e contraditórios, não merecendo, em consequência, o grau de credibilidade e verosimilhança que o Tribunal a quo lhe atribuiu, ao contrário da recorrente que apresentou um depoimento convicto e seguro, não entrando em contradições, pelo que não se concebe que não lhe tenha sido dada a credibilidade merecida; 17. Tendo em conta o supra exposto, não foram os factos corretamente julgados, e nem tão pouco havia provas suficientes e minimamente indubitáveis para se concluir deles haver uma prova suficiente, segura e indubitável para se chegar a uma condenação; 18. Uma melhor análise das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento e face ao que ficou assente pelas declarações dos intervenientes e da testemunha temos da versão da assistente/recorrida abissais contradições e manifesta insegurança em todo o seu depoimento; 19. Face ao exposto considera-se que, verificando-se as contradições insanáveis e as dúvidas que com base nas mesmas permaneceram, não possuiu o douto Tribunal a quo elementos de prova bastantes para poder convencer-se de que a ora recorrente praticou os factos pelos quais vinha acusada; 20. Pese embora o princípio da Livre Apreciação da prova e do livre convencimento do Tribunal, no caso concreto que se nos apresenta, o mesmo não tem como ter ficado convencido da conduta da recorrente, pelo menos não com a prova que foi produzida, pelo que deveria ter absolvido a ora recorrente, por falta de provas de que esta realizou o crime pelo qual vinha acusada; 21. No que concerne agora em relação aos pontos 20º e 21º dos factos provados, tem-se que os mesmos entram em contradição insanável com os dois últimos pontos dos factos dados como provados, pelo que não se podem considerar provados; 22. Aliás, em relação aos mesmos, não se concebe onde é que o Mmo. Juiz foi buscar tais valores, uma vez que os mesmos não constam da acusação nem da audiência de discussão e julgamento; 23. No que toca ao preenchimento dos requisitos do crime de burla, em relação ao requisito do “erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou”, consagrado no artº 217º nº 1 do CP, entende-se que o mesmo requisito não está preenchido, uma vez que o erro tinha que ser idóneo para produzir a prática de um ato de auto-lesão, e esta, por sua vez, tem que ser idónea para provocar a própria lesão; 24. O Professor Beleza dos Santos que considera que para que se verifique existência de manobras fraudulentas, não basta uma simples mentira, mas sim uma mentira qualificada, engenhosa, sagaz, astuta e que se repartem os riscos pela mentira, pois se tratasse de uma mentira qualificada, não seria tutelado o sujeito lesado (este devia-se ter protegido e precavido contra a mentira, não se deixando enganar); 25. Ora, face ao caso sub iudice, temos que o mínimo exigível à ofendida teria sido ter o cuidado de ler os contratos que estava a assinar, pois se o tivesse feito facilmente teria percebido que não se tratava apenas de um único Banco, nem de apenas um único contrato bancário e muito menos na qualidade de fiadora; 26. Questiona-se a brutal humildade, caridade e real submissão de uma pessoa que não é iletrada, que trabalha numa empresa pública há mais de 20 anos, e que se mostra de mente sã, deixando-se...

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