Acórdão nº 35/13.3TAAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 35/13.3TAAMT.P1 Data do acórdão: 24 de Fevereiro de 2016 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Fátima Furtado Origem: Comarca do Porto Este Instância Local de Amarante | Secção Criminal Sumário: 1 - Existe contradição insanável na fundamentação da decisão, quando a fundamentação jurídica da sentença pondera, para a solução, factos que não foram considerados provados (alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal).

2 – Interessando esses factos para a determinação da pena concreta, a sentença padece, também, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, 2, a), do Código de Processo Penal).

3 - Havendo um crime de abuso de confiança praticado por empregada, tendo por vítima a sua entidade patronal, havendo salários em dívida, interessa também à concretização da sanção penal o conhecimento dos montantes concretos respeitantes a salários em dívida, bem como as datas em que ocorreram tais omissões de pagamento de salário, à luz do disposto no artigo 71º, 2, c), do Código Penal.

4 - A omissão de apuramento dessa factualidade integra outra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Acordam os juízes, acima identificados, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a arguida B…; I – RELATÓRIO1. Por sentença datada de 30 de Setembro de 2015, a arguida foi condenada na pena única de 175 (cento e setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 8 (oito euros), pela prática de dois crimes de abuso de confiança, previstos e punidos pelo artigo 205°, nº 1, do Código Penal, bem como no pagamento, à demandante, de uma indemnização civil fixada em € 4 788,06 (quatro mil, setecentos e oitenta e oito euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora devidos desde a notificação, até integral e efetivo pagamento.

  1. Inconformada com a sentença condenatória, a arguida interpôs recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: «Existem nos autos documentos que provam a existência de um crédito salarial a favor da arguida no valor de € 3.521.15€, decorrente do acordo celebrado com a demandante C…, com um pagamento faseado, vencendo-se a 1ª prestação a 30 de novembro de 2012.

    Está junto aos autos a carta que a arguida enviou a 19 de novembro, doc. 2 junto com a contestação, onde informa que vai reter a quantia equivalente ao seu crédito.

    A decisão refere a existência destes documentos mas não os elenca na matéria provada, o que se impõe.

    À referida carta, não houve qualquer reação por parte da demandante, só se podendo concluir que aceitou a atitude da arguida.

    O acordo de rescisão foi celebrado com a C… a 2 de outubro de 2012. Cfr doc junto aos autos. A 9 de outubro de 2012, a arguida começou a trabalhar para a outra sociedade, D…, S.A.

    Atente-se que apesar de já não ser funcionária da 1ª sociedade e tendo sido celebrado o acordo de rescisão, não lhe foi exigido a entrega dos valores que a arguida tinha em seu poder.

    E não se diga que a arguida devia fazer os depósitos conforme era usual, pois estamos a falar do fim contrato de trabalho. A arguida não ia mais trabalhar para a C… e no dia em que celebram o acordo de rescisão a arguida não entregou o dinheiro, nem a sociedade exige que o faça!? Então porque razão é que a arguida não entregou ou depositou o dinheiro, no dia 2 de outubro!? Porque razão a C… não lhe exigiu antes de rescindir o contrato, a entrega do dinheiro!? Estas são questões que não ficaram esclarecidas e o tribunal, perante a falta de explicação lógica e plausível, não estava em condições de decidir como decidiu, quanto à conclusão de que a atitude da arguida consubstancia um ato doloso e ilícito.

    Não ficou provado que a demandante C…, no momento da rescisão do contrato, exigiu a entrega do dinheiro. Sequer a acusação particular e o pedido civil deduzido, o referem e as testemunhas muito menos o disseram. Não existe assim qualquer razão ou fundamento para que a decisão tenha concluído e decidido daquela forma! A arguida no dia 19 de novembro, passado mais de 1 mês depois da rescisão do contrato de trabalho, na carta que envia à C…, refere que vai reter a quantia de 3.521.15€ para pagar o seu crédito. A essa carta não teve nunca qualquer resposta, ou reação da C… manifestando-se contra esta atitude! Por isso é errado afirmar que a arguida não avisou previamente a sociedade conforme decidido: "E o facto de alegadamente estar, a arguida a reter o dinheiro das vendas a dinheiro para se pagar dos seus créditos salariais, não afasta a ilicitude do comportamento da arguida, pois esta, arguida, tinha celebrado um acordo de pagamento desses créditos salariais e não podia, por seu motu próprio, sem dar prévio conhecimento dessa sua intenção à sua entidade patronal, começar a apropriar-se do dinheiro proveniente das vendas a dinheiro" Salienta-se sempre que as cartas remetidas às demandantes, C… e D…, não foram impugnadas - art 574º cpc A existência do crédito sobre a demandante C… foi reconhecido em audiência de julgamento, resultando nomeadamente do depoimento da testemunha E… conforme o refere a decisão.

    Não pode o tribunal concluir que a arguida criou um plano, antecipadamente e com intenção de se apropriar ilicitamente do dinheiro. O teor da carta enviada a 19 de novembro desmente-o totalmente.

    A decisão enferma assim de vícios insanáveís previsto nos art. 410, nº 2 al. a) e c) e art. 127º e art. do cpp.

    Os factos considerados provados em 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10 e 11 assentam numa análise incorreta da prova produzida, devendo por isso ser alterados, tendo em conta o crédito salarial existente a favor da arguida e a carta que esta enviou anunciando que o ia liquidar, com parte da quantia que tinha em sua posse.

    Não é correto considerar que a arguida não entregou e fez seu o montante de 4.788,06 € quando existem nos autos documentos e depoimentos que provam que a arguida tinha um crédito a seu favor e que apenas reteve o valor correspondente.

    Não obstante a existência do acordo de pagamento, a arguida, antes de fazer seu o valor em debito, avisou antecipadamente a demandante da sua intenção, não tendo esta não o recusou.

    Quanto aos pontos 3, 4, 5 e 6 9, 10, 11 impõe-se a alteração da decisão, considerando-se tal matéria não provada e ao invés, devendo dar-se como provado que - a arguida tinha na sua posse as quantias provenientes das vendas efectuadas no montante de 4.788,06€ - a arguida tinha um crédito salarial no valor de 3.521.15 €, conforme resulta dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, cujo pagamento seria efectuado de forma faseada e com inicio a 30 de novembro de 2012 - a arguida previamente a fazer sua a quantia a que tinha direito, deu conhecimento desse facto à demandante, C…, por carta remetida a 19 de novembro de 2102 a qual por sua vez não o recusou ou por qualquer forma, manifestou vontade contraria a isso.

    Relativamente ao diferencial entre o seu crédito salarial e o valor total das vendas - 666.91€ - a arguida na carta que remeteu à demandante, informou que ia proceder ao depósito na conta conforme era usual.

    A decisão teve em conta o que foi dito pela testemunha F… que refere, quanto à C…, que a arguida não efetuou nenhum deposito Por outro lado a testemunha G… disse que quando passou nas instalações de Amarante a arguida lhe entregou talões de depósito.

    A questão que se deve colocar é se nos talões de depósito estava aquele respeitante ao deposito que a arguida fez na conta da C….

    Como se verifica do seu depoimento, a testemunha, G…, viu que no envelope estavam talões de deposito, mas não sabe discriminar se algum era relativo a diferença entre o crédito da arguida e o valor remanescente, após a compensação feita. Mais refere que nunca levou dinheiro para a sede.

    - O seu depoimento não pode ser considerado, isento e desinteressado pois existe um diferendo com a arguida. A testemunha deduziu acusação particular contra a arguida por difamação, tendo sido proferida sentença absolutória. Documento 4 junto com a contestação Não pode o seu depoimento merecer credibilidade, atento o interesse direto que a testemunha tem no desfecho do processo. Se a arguida não ficou com o dinheiro terá ele, G…, feito a apropriação indevida.

    Relativamente à demandante D…, a arguida informou, por carta cuja copia juntou aos autos - doc 3 junto com a contestação - que os 957.25€ foram entregues à testemunha G… sendo certo que este, convenientemente nega, atento que assim sendo, é sobre ele que recaem as suspeitas de ter ficado com o dinheiro.

    Este documento não foi impugnado pela demandante. A decisão refere que foi tida em consideração tal carta mas não dá como provado o seu envio. Não formulou um juízo critico sobre este documento quando conjugado com a demais prova.

    No que respeita a demandante D… a prova testemunhal produzida não foi suficientemente esclarecedora que permita ao tribunal não acolher a versão da arguida referindo que entregou o dinheiro à testemunha G….

    A fundamentação explanada na decisão é insuficiente quanto a esta matéria. Tal circunstância acarreta a nulidade da decisão, art. 374, nº 2 e 379 do cpp.

    Não obstante, ainda que tal nulidade não exista, sempre conjugando o teor da carta enviada pela arguida com a sentença proferida pelo tribunal judicial da Póvoa do Varzim e o depoimento da testemunha, impõe considerar que o seu depoimento não foi isento e desinteressado.

    Nunca a testemunha iria dizer que o envelope entregue pela arguida tinha dinheiro, caso contrário confessava que foi ele o beneficiário desses valores.

    Atente-se ao especial cuidado que tem quando aborda o assunto: R: Da D… ela não me deu nada, não é, se ela estava ali referindo por causa de valores, não era comigo nem eu sei valores entre a C… e ela, ela disse" vou ficar com o dinheiro que tem a ver com a C…", "isso não é nada comigo, o que eu quero levar é os talões se não os...

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