Acórdão nº 2334/14.8JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução11 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2334/14.8JAPRT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 2334/14.8 JAPRT, corre termos pela Instância Central, 2.ª Secção Criminal, da Comarca do Porto, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento por tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de violação agravado e de um crime de abuso sexual de criança, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a), e 177.º, n.

os 1, al. b), e 5 e artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, consubstanciados nos factos narrados na respectiva peça acusatória.

C…, também devidamente identificada nos autos, foi admitida a intervir como assistente e, em representação da menor, sua filha, D…, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, tendo o tribunal concluído que ocorria uma alteração substancial dos factos e obtida que foi a concordância do Ministério Público e do arguido para a continuação do julgamento pelos novos factos, nos termos previstos no artigo 359.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, após deliberação do Colectivo, foi proferido o acórdão datado de 29.10.2015 (fls. 714 e segs.) e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Por tudo o exposto, e com fundamento ainda no estatuído nos Artºs. 513º, 514º e 523º do C.P.Penal, 527º do C.P.Civil, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo, os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo:

  1. Condenam o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo Artº 171º, nºs. 1 e 2, e de crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo Artº 171º, nº 1, ambos do Código Penal, pelos quais vai punido com as penas parcelares de, respectivamente, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, e 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

    E, em cúmulo jurídico, com a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

  2. Condenam o arguido no pagamento das custas respectivas, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.

  3. Julgam o pedido de indemnização civil deduzido parcialmente procedente e, em consequência, condenam o demandado B… a pagar à ofendida/demandante D… a quantia de € 10.000,00 (dez mil Euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da actuação daquele, a que acrescem juros à taxa legal de 4%, desde esta data, até efectivo e integral pagamento”.

    Inconformados, quer o Ministério Público, quer o arguido vieram interpor recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos que explanaram na respectiva motivação e que condensaram nas seguintes conclusões (transcrição integral): Recurso do Ministério Público “1 - O presente recurso tem por fundamento erro de direito, no que concerne à integração jurídico-penal da conduta apurada e à medida da pena aplicada, ao abrigo do disposto nos art.

    os 410º, nº1 e 428º do Código de Processo Penal.

    2 - O arguido vinha acusado de um crime de violação, p. e p. no art. 164º, nº1, al. a), com a agravação prevista no art.177º, nº1, al. b) e 5, ambos do CP e relativamente aos factos de que foi vítima a menor D….

    3 - O arguido foi condenado, na parte atinente aos factos cometidos sobre a menor D…, pela prática de um crime abuso sexual de crianças, p. e p. no art. 171º, nº1 e 2 do C P, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

    4 - O tribunal a quo desconsiderou a agravação do ilícito resultante da existência entre a vítima e o arguido de uma relação familiar e do aproveitamento pelo agente de tal relação para consumar o ilícito - art. 177, nº 1, al. b) do CP, conforme vinha imputado na acusação.

    5 - Compulsada a matéria de facto supra exposta resulta patente verificar-se na conduta apurada fundamento para a agravação do crime de abuso sexual prevista no art. 177º, nº1 al. b) do CP, pelo menos na parte respeitante à ofendida D…, por o crime ter sido cometido com aproveitamento da relação familiar intercedente entre o arguido e aquela menor.

    6 - A pena parcelar de 4 anos e 6 meses fixada na decisão recorrida, na perspectiva da acusação, é demasiado benévola, face ao teor da matéria de facto provada, quer a atinente à prática dos factos, quer a atinente à personalidade e condições pessoais do arguido.

    7 - Não vislumbra a acusação pública, mesmo dentro do quadro da moldura base do crime de abuso sexual p. e p. no art.171º, nº1 e 2 do CP, como se justifica a fixação da pena num limiar próximo do limite mínimo.

    8 - As exigências de prevenção geral e de prevenção especial impunham uma pena mais afastada do seu limite mínimo e, em qualquer caso, não inferior a 5 anos e 6 meses de prisão, resultando numa pena única não inferior a 6 anos e 2 meses de prisão”.

    Recurso do arguido 1.ª O Meritíssimo Juiz a quo limitou-se a enumerar os meios de prova que ponderou relevantes, sem fazer exame crítico das provas, nomeadamente, os exames periciais, explicitando as razões pelo que credenciou ou mencionou, incapacitando, assim, que o Tribunal superior reconstitua o caminho intelectual percorrido na decisão recorrida.

    Ora, sendo certo que o princípio da livre apreciação da prova, estipulado no art. 127º CPP, liberta o Juiz das regras severas na prova legal.

    1. A liberdade de valoração impõe o dever do julgador referir a razão da credibilidade que cada um dos meios de prova lhe mereceu, a sua relevância objectiva, os raciocínios tecidos a partir deles e o confronto crítico entre as provas, que serviram para fundar a sua convicção de forma a que os destinatários fiquem cientes que a decisão não provém do arbítrio antes deriva da razoabilidade de um percurso lógico e racional da valoração das provas.

    2. Nos diversos depoimentos, da própria ofendida D…, é notório as várias divergências, e mesmo assim o Tribunal deu por comprovado, factualidade diversa, que não foi examinada durante a produção da prova, em sede de Julgamento. Quando o Tribunal afirmara na linha 5 e 6, pag. 23 do Acórdão recorrido (....

      chegando, em algumas ocasiões; a introduzir o pénis no interior da vagina.), não foi isto que disse a D…, em Julgamento, acabando por negar qualquer violação.

      Mesmo assim, o Tribunal, erradamente fundamentou a sua decisão, em factos que, não foram examinados durante o julgamento.

      O Tribunal, procedeu da forma que quis e como quis, na medida em que, afirmara quanto à ofendida E…, o seguinte: " ...por vezes, quando estava sozinho com a mesma aproveitava a ocasião para lhe acariciar os seios, por cima e dar-lhe beijos na cara." (sublinhado nosso), (vide pag.6, in fine e pag. 7 do Acórdão recorrido) Pergunta o ora recorrente com que prova? 4.ª A E…, apesar da idade e da insistência de todos os intervenientes, que a avaliaram, sempre respondeu com espontaneidade, coerência e de forma repisada, a perguntas do Tribunal, na pessoa do JIC, conforme decorre de páginas, 21 a 28, 30 a 33 e 35 e 36 de 39 da declarações para memórias futuras, e em todos os seus depoimentos posteriores, mesmo depois do Meritíssimo Juiz, questionar de diversas formas, a ofendida sempre foi explicando continuadamente que não era tocada nos seus seios ou nas zonas mais íntimas do seu corpo, ao contrário, do que afirmara o Tribunal a quo, no Acórdão recorrido, à revelia do se constatou em sede de audiência e com pré-juízos formados que, desde já, se impugnam, quer de Facto, quer de Direito (como ensina o Professor Castanheira Neves), nunca se contradisse, nem nunca teve outra versão, contrariamente aos depoimentos da ofendida D….

      E mesmo quando é questionada a pág. 36 de 99 parte final, pela décima vez, para não dizer mais, volta a esclarecer ao JIC quando pergunta: - “E nunca apalpou as maminhas? Sabes o que 1 é apalpar maminhas? Mexer nelas? Nunca mexeu?” Resposta da Ofendida: "Não." (sublinhado nosso).

    3. O Critério da adequação, ou a liberdade de autodeterminação sexual, que possa prejudicar a inquietação é um critério objectivo individual, isto é, o critério de um homem comum, tendo em conta as características individuais, que é susceptível de ser tomada pela ameaça, como acabara de afirmar as declarações da ofendida supra, demonstra a ausência de prova incriminatória contra o arguido.

      Entende-se neste ponto essencial, existir erro de interpretação do Tribunal a quo, violando novamente que foi o artigo 127.º e o artigo 355.º n.º 2, ambos do CPP.

    4. Quando afirma o Acórdão que, pelo menos no Verão de 2014, não especificando pelo menos o dia concreto e o mês, usando apenas a expressão ''pelo menos no Verão de 2014", aproveitando-se o facto da sua sobrinha F… frequentar a sua residência, sentindo atracção sexual pela mesma, por vezes, quando estava sozinha com a mesma, aproveitava a ocasião para lhe acariciar os seios por cima da roupa e dar-lhe beijos na cara. Ora, na verdade, o Tribunal, limitou-se a dizer que alicerça a sua convicção sem que tenha feito uma avaliação crítica das declarações do arguido e das ofendidas.

      Acresc1entando, que a versão do arguido decai por falta de credibilidade, assim como o depoimento da ofendida E….

    5. De facto, o Tribunal recorrido, para além de utilizar aquela fórmula genérica que caracterizou de credível e consistente a versão da acusação, no confronto com a versão da defesa, impunha-se que explicasse ainda que, de forma concisa, a materialidade, os motivos pelos quais lhe mereceu credibilidade as declarações da ofendida, bem como a razão da declarada falta de idoneidade da versão da defesa.

    6. O dever de fundamentação da matéria de facto não se basta com a mera indicação das provas em que o Tribunal assenta a sua convicção. Exigem-se as razões pelas quais essas provas analisadas criticamente, de harmonia com as regras da experiência comum e da lógica conduziram o julgador a formar a sua convicção nesse sentido e não no outro.

    7. Como...

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