Acórdão nº 544/14.7TBPFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 544/14.7 TBPFR-A.P1 Comarca do Porto Este – Paços de Ferreira – Instância Local – Secção Cível – J1 Apelação (em separado) Recorrente: B… Recorrida: “C…, SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “C…, SA”, com sede na Rua …, Linda-a-Velha intentou contra os réus Associação D…, com sede no Largo …, Paços de Ferreira e B…, residente na Rua …, lote …, Valongo a presente ação declarativa de condenação em processo comum, na qual pediu: a) a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de 27.148,45€, sendo 26.294,94€ de capital em dívida e 853,31€ de juros de mora vencidos, calculados às taxas supletivas de 7,50% e 7,25% sucessivamente em vigor para os créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 20.11.2013 até 2.5.2014, sem prejuízo dos juros vincendos até integral pagamento; b) a condenação da primeira ré a devolver a máquina de café Cimbali … grupos com escalda chávenas, no valor de 2.534,42€ e o moinho de café Cimbali …, no valor de 531,35€, todos acrescidos de IVA à taxa legal então em vigor, perfazendo um total de 3.648,27€, já com IVA incluído.

Alega, em síntese, o seguinte: - a autora e a primeira ré celebraram em 21.1.2005 o contrato junto aos autos, no âmbito do qual esta se obrigou a adquirir a quantidade de 7.200 kgs. de café, tendo recebido, a título de comparticipação publicitária, a quantia de 27.489,45€ com IVA incluído; - o segundo réu constituiu-se fiador e principal pagador dos montantes em dívida resultantes do contrato celebrado; - a partir de julho de 2013, a primeira ré deixou de adquirir os produtos da autora; - por carta datada de 4.11.2013 a autora exigiu à primeira ré o pagamento da quantia de 26.294,94€, correspondente à indemnização pelos quilos de café contratados e não adquiridos, bem como a devolução da máquina de café e do moinho de café colocados no seu estabelecimento; - também exigiu ao segundo réu, na qualidade de fiador, o pagamento da quantia acima referida; - os réus, apesar de interpelados, não pagaram a quantia em dívida, nem a primeira ré procedeu à devolução do equipamento.

O réu B… apresentou contestação, na qual, além do mais, alega que apenas se obrigou como fiador pelo período inicialmente previsto no contrato, ou seja até ao dia 20.1.2010, salientando que pelo facto da cláusula contratual a ela referente não indicar expressamente o prazo pelo qual o contrato poderá ser prorrogado, nem a declaração de fiança referir que esta se mantém para além do período inicial e prorrogações, tal acarreta a nulidade da obrigação de fiança, pois a mesma assumiu contornos de indeterminabilidade ou indefinição.

Mais alega que a primeira ré foi declarada insolvente por sentença proferida em 24.5.2013, daí resultando que a autora não reclamou naquele processo de insolvência, como lhe competia, os créditos que peticiona nesta ação. Assim, por culpa da autora, que não resolveu o contrato por incumprimento dentro do seu período inicial de vigência, o réu ficou impedido de se sub-rogar nos direitos que àquela eventualmente assistiam, pelo que, ao abrigo do art. 653º do Cód. Civil, sempre se encontra desonerado da obrigação de fiança.

Com data de 10.3.2015 foi proferido despacho judicial na qual se julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no tocante à Associação D…, prosseguindo os autos apenas contra o réu B… Depois, em 27.11.2015 foi proferido despacho saneador, onde, sob o título “Da indeterminabilidade da fiança”, se escreveu o seguinte: “(…) Veio o Réu B… invocar a nulidade da fiança, por indeterminabilidade do seu objeto, por considerar que a cláusula que permite o prolongamento do contrato não define o prazo de duração, nem a declaração de fiança refere que esta se mantém para além do período inicial.

A autora respondeu, defendendo que é legalmente admissível a fiança de obrigações futuras e que é possível ao Réu determinar o montante da indemnização a pagar em função dos quilos de café não adquiridos, pelo que não se verifica a nulidade da fiança.

E tem razão.

Com efeito, a cláusula V, nº 1, alínea c) do contrato dispõe: “O 1º Outorgante poderá prolongar o contrato, caso não se verifique a compra da quantidade fixada na cláusula I, alínea 3ª”, que é de 120 kg mensais, durante 60 meses.

Tendo na sua origem um negócio jurídico, a fiança depende dos respetivos requisitos de validade e também da validade da obrigação garantida – artigo 632º nº 1 do Código Civil – atenta a sua natureza acessória.

Trata-se, enfim, da garantia dada por um terceiro de colocar o seu património à disposição do credor de outrem, assim se obrigando pessoalmente (cf. v.g. Doutor Henrique Mesquita – CJ – 1986 – IV – 25 – e M.J. Costa Gomes – “Estrutura Negocial da Fiança e Jurisprudência Recente” in “Estudos em Memória do Prof. Doutor Castro Mendes”, I, 323).

A responsabilidade do fiador coincide, em regra, com a do devedor principal, abrangendo tudo a que este se obrigou, incluindo a prestação, a reparação de incumprimento culposo e, até, se estabelecida, a cláusula penal.

A lei admite, expressamente, que a fiança possa garantir obrigações futuras – artigo 654º Código Civil.

O art. 280º do Código Civil comina de nulidade o negócio jurídico que, entre a falta de outros requisitos, seja indeterminável.

A determinabilidade do objeto negocial afere-se no verificar se a determinação “está contida potencialmente na referência a um acontecimento futuro, ou a critérios objetivos de determinação, ou, inclusive, à determinação realizada por um terceiro.” (Cons. Rodrigues Bastos, in “Das Relações Jurídicas”, II, 1968, 187).

Porém, se embora indeterminado, puder ser determinável, não é ferido de nulidade.

Ora, no caso em apreço, pese embora esteja previsto que a Autora poderia prolongar o contrato, tal circunstância não impede que se determine o valor das obrigações futuras exigíveis, pois tal valor estará sempre balizado, pelo valor correspondente aos quilos de café a adquirir e ao preço por quilo de café.

De resto, sempre será possível ao fiador liberar-se da fiança prestada por tempo indefinido, enquanto a obrigação não se constituir, se tiverem decorrido 5 anos sobre a prestação da fiança, nos termos previstos no art. 654º do Código Civil.

Improcede, consequentemente a invocação da referida nulidade da fiança.

*Invoca ainda o Réu que o devedor foi declarado insolvente e, se a Autora não reclamou naquela ação de insolvência, como lhe competia, os créditos que peticiona na presente ação, impediu irremediavelmente o Réu de se sub-rogar nos direitos que àquela assistiam, pelo que o Réu se encontra desonerado da fiança, ao abrigo do disposto no art. 653º do Código Civil.

A Autora invocou que face ao preceito do art. 95º, nº 2 do CIRE, sempre teria o Réu possibilidade de reclamar no processo de insolvência um eventual pagamento em nome da insolvente, vendo o seu crédito futuro reconhecido, o que não fez.

Apreciando e decidindo.

O art. 653º do Código Civil dispõe que os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.

E tal situação pode ocorrer, nomeadamente, quando o credor não reclame o respetivo crédito no processo de insolvência do devedor.

Contudo, no caso em apreço, a aqui Autora não reclamou o seu crédito no processo de insolvência da ex-ré associação, porque não houve lugar ao apenso de reclamação de créditos, pois o processo foi encerrado por ausência total de massa...

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