Acórdão nº 866/14.7PDVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 866/14.7PDVNG Comarca do Porto, Tribunal do Porto Instância Central, 1ª Secção de Instrução Criminal, J1 Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Em 22JUN2016 o Sr. Juiz de instrução, considerando não terem sido recolhidos indícios suficientes, proferiu decisão instrutória de não pronúncia do arguido B…, que tinha sido acusado pelo Ministério Público de um crime de ofensas à integridade física simples praticado na pessoa do assistente C…, previsto no artigo 143º do Código Penal.

1.2 Recurso O Ministério Público recorreu da decisão instrutória, pedindo a sua revogação e substituição por outra que pronuncie o arguido pelos factos e crime de que foi acusado. Em suma, invocou que os indícios recolhidos no inquérito são suficientes para pronunciar o arguido porque, ao contrário do afirmado no despacho, as declarações do assistente não foram contrariadas por declarações do arguido e estão corroboradas por outros meios de prova.

1.3 Resposta O arguido respondeu ao recurso Ministério Público alegando em resumo que é seu direito não prestar declarações em inquérito e requerer a abertura de instrução e que a decisão recorrida interpretou correctamente a lei e os indícios.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação da motivação do recurso e emitiu parecer no sentido de lhe ser dado provimento.

  1. Questões a decidir no recurso A única questão a decidir é a de saber se o Sr. Juiz deveria ter proferido decisão instrutória de pronúncia por terem sido recolhidos em inquérito indícios suficientes de que o arguido praticou o crime pelo qual foi acusado.

  2. Fundamentação 3.1. Súmula da decisão recorrida Importa começar por transcrever a parte relevante da decisão instrutória sob recurso: «No caso em apreço, a prova indiciária recolhida no inquérito e na instrução consubstancia-se: - nas declarações do assistente C… (fl.s 2 e 16/17), que referiu ter sido fisicamente agredido pelo arguido B… na data e local referidos na acusação; - no relatório de perícia médico-legal de fl.s 28/30, que confirma a existência de sinais, no corpo do assistente, provocadas por traumatismo de natureza contundente, que demandaram 7 dias para a respectiva cura; - no relatório de urgência do Centro Hospitalar D… (fl.s 32/33), onde se registaram o resultado das lesões físicas evidenciadas pelo assistente, que referiu agressão com murros no rosto.

    Ou seja, se esta for a prova que irá ser produzida em audiência de julgamento, será mais provável a condenação ou a absolvição do arguido? A resposta não pode deixar de ser que é mais provável a sua absolvição.

    Com efeito, pese embora o assistente evidenciasse lesões no rosto e na parte superior do corpo na data dos factos referida na acusação – lesões essas documentadas no relatório de urgência (fl.s 32/33) e confirmadas pela perícia médico-legal (fl.s 28/30) – certo é que, face à negação dos factos pelo arguido, a acusação pública assenta - única e exclusivamente - no depoimento do assistente.

    Se, em sede de audiência de julgamento, a prova for – como é previsível - a que acaba de elencar-se, a absolvição do arguido é bastante mais provável que a sua condenação, uma vez que merecendo igual credibilidade as declarações do arguido e do assistente e não autorizando a prova pericial a afirmação – para lá de dúvida razoável – que as lesões físicas verificadas foram provocadas pela agressão do arguido, o tribunal do julgamento não terá elementos factuais suficientes para condenar o requerente da presente instrução.

    Dito de outra maneira: os indícios recolhidos em inquérito e em instrução não têm força persuasiva suficiente que permita concluir que – efectuado o julgamento – seja mais provável a condenação que a absolvição do arguido.» 3.2. O critério legal: “indícios suficientes” Dispõe o artigo 308º nº 1 do Código de Processo Penal (ao qual se referem todos os preceitos legais indicados doravante) que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho pronuncia o arguido pelos factos respectivos. Por sua vez, o artigo 283º nº 2, aplicável à verificação dos indícios no momento da decisão instrutória (aplicável ex vi artigo 308º nº 2) prevê que os indícios se consideram suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Ou seja, simplificando a definição, há suficiência de indícios para pronunciar o arguido sempre quando deles resultar uma possibilidade razoável de condenação em julgamento.

    Como acontece com muitas outros preceitos que contêm conceitos abertos, o significado normativo do vocábulo “indícios suficientes” não é objecto de leitura uniforme na doutrina nem tão pouco tem sido interpretado e aplicado da mesma maneira pelos nossos tribunais. Em face desta disparidade de entendimentos sobre o critério legal, é importante que o analisemos – com a síntese que é própria de uma decisão judicial – para que mais adiante se perceba a nossa decisão.

    No artigo O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português[1], Jorge Silveira elencou três hipóteses possíveis de interpretação do conceito de “indícios suficientes” acolhido no código de processo penal vigente: Na primeira hipótese, bastará uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento, para se considerar que existem indícios suficientes. Esta tese, que se pode designar por “teoria da probabilidade mínima”, encontra no artigo 311º nº 2 al. a) o seu principal ponto de apoio. Se a lei permite a rejeição da acusação manifestamente infundada, isso significa que toda a que não se possa qualificar como tal se deve considerar fundada em indícios suficientes. E assim, para pronunciar o arguido será necessário apenas que a sua submissão a julgamento não se anteveja como um acto manifestamente inútil ou infundado.

    Esta interpretação da lei teve pouca expressão na jurisprudência. Para além das decisões referidas no estudo de Jorge Silveira – o acórdão do TRL, de 14MAR1990 (BMJ, nº 395, página 656) e sentença que deu origem ao acórdão do TC nº 439/02, de 23OUT2002[2] – na busca que fizemos não encontrámos quem a acolha.

    Na segunda hipótese, será de considerar que existem indícios suficientes quando em julgamento seja maior a probabilidade de condenação do que de absolvição. De acordo com esta interpretação, que se pode designar por “teoria da probabilidade predominante”, não basta que a condenação tenha um mínimo de probabilidade mas também não é necessário que essa probabilidade seja manifestamente superior à de absolvição. O que tem é de predominar a probabilidade de condenação sobre a probabilidade de condenação. A seguinte afirmação de Germano Marques da Silva sintetiza bem esta teoria: “probabilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa”[3].

    Esta interpretação do conceito de indícios suficientes tem sido adoptada em várias decisões os tribunais superiores.

    No acórdão do STJ, de 21MAI2008[4] e no acórdão do STJ de 8OUT2008[5] considerou-se que possibilidade razoável de condenação é uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

    No acórdão do TRP, de 23NOV2011[6] escreveu-se que o juízo de prognose sobre a condenação implica que “se conclua que predomina uma razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado”. No entanto, no que parece ser uma aproximação à terceira corrente que adiante iremos referir, também se afirmou que o juízo indiciador em fase de instrução é “semelhante ao juízo condenatório a efectuar em fase de julgamento”. Esta equiparação ao juízo necessário para condenar em julgamento parece significar que a probabilidade de condenação tem de ser qualificada, dado que uma mera predominância de indícios de culpabilidade não é compatível com o grau de certeza necessário para a sentença condenatória, que tem de superar a existência de qualquer dúvida razoável.

    Formulação igualmente dúbia é a que se encontra no acórdão do STJ de 16JUN2005[7]. Depois de afirmar que possibilidade razoável de condenação é uma “possibilidade mais positiva do que negativa” – formulação típica da “teoria da probabilidade dominante” – acrescenta que “os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.

    Também na doutrina vemos formas de abordar o problema que não são muito claras. Figueiredo Dias escreveu que “os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”[8]. Esta formulação alternativa denota hesitação entre a exigência de uma alta probabilidade ou apenas de uma maior probabilidade para a suficiência dos indícios.

    Uma terceira hipótese de interpretação considera que os indícios suficientes exigem uma possibilidade particularmente forte de futura condenação. Esta “teoria da probabilidade qualificada” de alguma maneira equipara o prognóstico sobre a condenação no momento da acusação ou da pronúncia à convicção de veracidade em que se tem de fundar a condenação em julgamento. Parece ser essa a formulação de Luís Osório quando afirma que “devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fizerem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”[9].

    A jurisprudência mais recente tem vindo a aderir a este critério.

    No acórdão do TRE, de 16OUT2012[10], acolhendo expressamente a terceira teoria elencada por Jorge Silveira, considerou-se que “apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação (…) responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da...

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