Acórdão nº 179233/12.1YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pº nº 179233/12.1YIPRT.P1 Apelação (305) ACÓRDÃO Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO A sociedade B…, S.A.

intentou a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra C…, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 356,28, com fundamento no não pagamento de faturas emitidas por aquela a este, relativas ao fornecimento de água e saneamento.

Aquando das diligências de citação descobriu-se que o réu faleceu.

Suspendeu-se a instância e, em incidente apenso, foram habilitados os seus sucessores.

Oficiosamente, foi suscitada a questão da incompetência material do tribunal, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 97.º do Código de Processo Civil.

Às partes foi proporcionado o contraditório, tendo-se a autora pronunciado pela competência dos tribunais comuns.

Foi proferida decisão que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria e, em consequência, absolveu da instância os herdeiros do falecido réu C…, identificados a fls. 140 do apenso A.

Inconformada, apelou a A.

, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes: 1. Conforme resulta do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o âmbito da jurisdição administrativa em matéria contratual não depende do carácter jurídico-administrativo do contrato.

  1. Não se aplica o artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do ETAF, dado não estarem perante a fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos.

  2. A alínea f), do n.º 1 do artigo 4.º, apenas atribui competência à jurisdição administrativa para apreciar litígios sobre a interpretação, validade e execução de (i) contratos de objeto passível de ato administrativo, (ii) de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou (iii) de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

  3. A relação material em litígio é de natureza manifestamente privada, pois é pedido a condenação do cliente/consumidor final no pagamento de determinado montante referente aos serviços prestados de água e saneamento, sendo a causa de pedir a violação da relação sinalagmática pelo não pagamento do preço acordado e não do foro administrativo, não se alicerçando no disposto no art.º 4, n.º 1 alínea f) da ETAF, estando excluída a sua aplicação.

  4. O contrato dos autos (contrato de fornecimento de água), para efeitos de critério de justiciabilidade administrativa, é um contrato de consumo, regulado no âmbito do direito privado, de uma relação de consumo, que não se celebra em substituição de qualquer ato administrativo.

  5. Apesar de ser objeto de uma regulação específica, está longe de se poder considerar uma regulação baseada em normas de direito público, antes tal regulação é, pelo menos nos anos mais recentes, claramente, a proteção do consumidor no contexto de uma relação de consumo de um serviço público essencial.

  6. Sempre se dirá que o contrato de fornecimento de água seria qualificado como contrato de direito privado ainda que o fornecimento de água fosse efetuado por uma entidade pública.

  7. O contrato dos autos não foi expressamente submetido pelas partes a um regime substantivo de direito público.

  8. A competência dos tribunais administrativos em matéria de contratos da Administração (em sentido lato) não depende (apenas) da administratividade, mas antes de outros critérios que inspiram as quatro alíneas do artigo 4.º do ETAF, sobre o âmbito da jurisdição administrativa relativa a contratos.

  9. Os contratos de fornecimento de água por empresas como a da Recorrente não entram em nenhum dos preceitos constantes do ETAF, antes ordenam-se no âmbito do direito privado: são contratos de direito privado.

  10. Da interpretação do ETAF resulta que, só a ordenação dos mesmos como contratos administrativos seria suscetível de os reconduzir à jurisdição dos tribunais administrativos.

  11. Os contratos de fornecimento de água não são administrativos pela simples razão de que não são objeto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo; trata-se de contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem precisamente os direitos dos consumidores/utentes - Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

  12. Estamos perante uma simples cobrança de dívida civil, por uma empresa privada, regulada pelas regras do direito privado.

  13. A Recorrente é uma empresa privada, que não atua munida de poder soberano na sua relação com o consumidor, antes atua, perante este, em situação de paridade.

  14. Não está aqui em discussão nem consubstancia o pedido ou a causa de pedir tal qual foi apresentada pela ora recorrente, a relação entre a Recorrente e os entes públicos indicados no Contrato de Parceria.

  15. Muito menos a correta ou incorreta determinação do preço ou das taxas devidas pela prestação do serviços e/ou pela utilização do domínio público, está em apreço nos autos.

  16. Ou sequer a validade das clausulas contratuais subjacentes à prestação do serviço não pago.

  17. Estamos perante uma ação tem por objeto o pagamento de valores constantes de faturas, mais juros à taxa legal para juros cíveis e ou comerciais, nos termos da fruição do uso do contador e da água consumida, pela qual foram emitidas faturas que não se mostram pagas.

  18. Uma ação que tem por base uma relação jurídica de direito privado, e consubstancia uma situação de incumprimento das obrigações contratuais assumidas.

  19. Obrigações que tendo natureza civil, regem-se, pelas normas dos contratos civis, estando em causa a apreciação de pressupostos da responsabilidade e do incumprimento e mora contratuais nos termos da lei civil – arts. 762º e segs, 792º e segs, artº 806º, todos do CC.

  20. A sujeição à jurisdição civil em face do incumprimento contratual é similar à que resulta da falta de pagamento de uma fatura de eletricidade ou de uma fatura emitida por operadora de telemóveis ou de comunicações eletrónicas - Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

  21. Aqui o interesse que se satisfaz, com o fornecimento do serviço é o interesse particular do consumidor, ainda que no âmbito da prestação de serviços públicos essenciais.

  22. Ficando toda a entidade pública ou...

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