Acórdão nº 747/14.4PAESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 747/14.4PAESP.P1 Comarca de Aveiro Espinho – Instância Local – Secção Competência Genérica – J2 (Processo nº 747/14.4PAESP) Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1. No âmbito presentes autos de Processo Comum (Singular) em que é arguida B… (devidamente identificada nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 31.03.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 248 a 259), onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante): “Assim, em face do exposto, decide-se julgar totalmente procedente a acusação pública deduzida e consequentemente: - julgar a arguida B… autora da prática dos factos integradores de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; - declarar a arguida B… inimputável em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal; - declarar ainda a sua perigosidade, por haver razões para recear a prática de outros factos da mesma natureza e gravidade, nos termos do artigo 91.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, determinando a sujeição da mesma a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento hospitalar com valências de psiquiatria, com a duração mínima de um mês e com a duração máxima de dois anos, este sem prejuízo do disposto nos artigos 92.º, n.º 1 e 93.º ambos do Código Penal; - nos termos do artigo 98.º do Código Penal, suspende-se a execução do internamento por um período de dois anos, sob a condição de a arguida se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sendo que por força do preceituado no n.º 5 do citado artigo 98.º do Código Penal, a arguida é colocada sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social; (…)” 2. Inconformada, a arguida interpôs recurso (constante de fls. 264 a 284), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1º A recorrente B… foi considerada autora da prática dos factos integradores de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153º e 155º, n° 1 alínea a) do Código Penal (C.P.); declarada inimputável em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20º, nº 1 do C.P.; foi declarado que era perigosa, determinando-se a sua sujeição a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento hospital com valência de psiquiatria, suspendendo-se a execução do internamento pelo período de dois anos.

  1. A recorrente não se conforma com esta sentença, pois considera que não se encontram verificados os elementos constitutivos do crime de ameaça agravado.

  2. A recorrente não considera que a expressão "vou comprar uma pistola e vou mato-vos a todos" seja adequada a provocar receio, medo ou inquietação ou prejudique a liberdade de determinação do sujeito passivo.

  3. Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que apesar de ter sido dirigida ao assistente, a expressão abarca um universo mais amplo e desconhecido de destinatários, pois que se utilizou uma forma verbal no plural.

  4. O que desde logo lhe retira credibilidade e seriedade, pois que quem quer amedrontar uma pessoa concreta e determinada, visa-a diretamente e não se manifesta contra o mundo, ameaçando também clientes e funcionários.

  5. E, de acordo com a ponderação de um homem médio, não é possível, face ao circunstancialismo dado como provado e da apreciação e ponderação da prova produzida em julgamento, que o julgador fez, para suportar a sua decisão de facto, considerar séria e credível a ameaça propalada.

  6. Desde logo, pelas condições pessoais da ameaçante, senhora com quase 79 anos de idade, com graves dificuldades de audição, razão pela qual fala alto e que de acordo com o relatório da perícia médico-legal, "tem períodos de descompensação psiquiátrica, expressa ideias delirantes de grandiosidade e prejuízo".

  7. A qual, primeiro anunciou que iria comprar uma arma e só depois de a adquirir e caso o conseguisse, mataria todos, não se sabendo bem quem.

  8. Arma que nunca podia adquirir legalmente, atentos os condicionalismos legais.

  9. E muito menos no meio criminal.

  10. Não se vislumbrando, por isso, credível e razoável qualquer possibilidade da recorrente poder dispor de uma arma e de sequer saber manuseá-la, 12º. O que permite concluir que a ameaça seria impossível de concretizar, por parte da ameaçante, pois que a sua concretização não estava apenas dependente da sua vontade, pois que precisava ainda que alguém lhe vendesse uma arma.

  11. E, por isso, também não será possível reconhecer-lhe aptidão para intimidar, criar sentimentos de medo ou de inquietação no assistente.

  12. Que é sobrinho da arguida, pessoa que conhece muito bem e há longos anos, que conhece o seu modo de vida e forma de estar e de se relacionar, que sabe que a tia se considera prejudicada nas partilhas e que, conforme ele próprio disse em tribunal, por várias vezes exterioriza a sua revolta, o que lhe permitia, naturalmente, relativizar e saber distinguir entre o que é uma ameaça séria e credível ou um desabafo.

  13. Tanto assim que até relatou ao tribunal outros comportamentos ameaçadores exteriorizados pela recorrente, que nunca foram concretizados, e que quer ele próprio quer os restantes familiares nunca lhes reconheceram qualquer efetiva potencialidade intimidatória, pois que nunca os valoraram e deles nunca se queixaram criminalmente, percebendo o quadro de intermitente perturbação psíquica subjacente à sua externalização.

  14. Pelo que a expressão "vou comprar uma pistola e mato-vos a todos", mesmo que isoladamente considerada, não pode configurar uma ameaça séria e credível, capaz de coarctar o espaço de liberdade de atuação do assistente.

  15. O qual bem sabia e sabe que a arguida nunca fez mal a ninguém e muito menos a ele próprio ou a qualquer outro familiar.

  16. O qual bem sabia e sabe que a arguida não conseguiria manusear uma arma e muito menos comprá-la e menos ainda, alguma vez teria intenção de a usar.

  17. O qual nem sequer conseguiu determinar a data concreta em que a ameaça foi proferida, dando como provado apenas que foi no período compreendido entre o dia 5 de outubro de 2014 e o dia 5 de novembro de 2014.

  18. O que reforça a convicção da desvalorização que o assistente conferiu á expressão proferida, pois que a ameaça representaria uma indelével intimidação de difícil esquecimento.

  19. Ora, para qualquer pessoa média, colocada nas mesmas circunstâncias do assistente, a expressão proferida por uma senhora de compleição física frágil e já de avançada idade, com um quadro clínico conhecido, indiciador de alguma perturbação psíquica, não era idónea a provocar medo e inquietação ou perturbar o seu sentimento de segurança e a liberdade de determinação.

  20. Depois, considerando todo o circunstancialismo da ocorrência dos factos mais se reforça a convicção de que a expressão utilizada pela arguida não é suficiente nem adequada para provocar qualquer sentimento de medo no assistente.

  21. A ameaça tem se ser valorada em todo o circunstancialismo, como uma unidade factual ou um acontecimento unitário, cujo quadro global se concretiza, no facto da recorrente, falando muito alto, ter começado a insultar quem se encontrava no estabelecimento e foi-se exaltando, acabando por proferir aquela expressão.

  22. Este contexto é também imprescindível não só para se poder aquilatar da seriedade e credibilidade da ameaça, como ainda para determinar se a expressão, autonomamente considerada, integrava a prática do ilícito em causa ou porventura, deveria ter sido integrada nas injúrias de que a recorrente foi igualmente acusada pelo assistente.

  23. E foi neste concreto contexto, seguramente mais amplo do que aquele que se extrai das declarações do assistente e da testemunha produzidas em julgamento e totalmente omisso da acusação pública, que a arguida terá proferido a expressão ameaçadora.

  24. Pelo que, atenta a factualidade que é suposto ter ocorrido e que o tribunal não podia ignorar, é bem perceptível a existência de um contexto de exaltação, em que a arguida foi gradualmente evoluindo, começando por insultar o assistente e culminando com a expressão ameaçadora.

  25. Neste cenário e num quadro de emoção admissível e compreensível, a expressão referida não apresenta a autonomia exigida pelo tipo de ilícito, para se destacar como tipo de crime autónomo relativamente às injúrias, que preencha a previsão normativa do crime de ameaça agravado.

  26. Assim se decidiu no Acórdão desta mesma Relação, de 27-01-2016, processo n° 532/14.3GBILH.P1.

  27. Por isso, entende a recorrente, contrariamente ao decidido, que o contexto da situação concreta e a idiossincrasia da arguida, é mais consentâneo com a pronúncia da frase ameaçadora, na sequência de outras expressões impensadas, meros desabafos, suscetíveis de causar incómodo e irritação, mas sem a necessária adequação e idoneidade, a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do assistente.

  28. Como também considera que não existiu dolo, pois que a recorrente não atuou com a intenção de querer criar no assistente a inquietação pela sua conduta futura.

  29. Que o tribunal considerou inexistir relativamente às injúrias ao rejeitar a acusação particular.

  30. Deste modo, faltam os pressupostos legais do crime de ameaça agravado, padecendo a sentença do vício previsto na al. a) do n.° 2 do art. 410º, do Código de Processo Penal, violando assim, o disposto nos arts. 153º, n.° 1 e 155º, n.° 1, al. a) ambos do Código Penal.

  31. Por isso, inexiste igualmente suporte legal para decretar a sujeição da recorrente a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento hospitalar com valência de psiquiatria.

  32. A qual foi manifestamente excessiva, pois que a recorrente reconhece que tem um problema de saúde, tendo-se já submetido a tratamento hospitalar e consentido até no seu internamento, antes mesmo da prolação da sentença.

  33. Assim, a...

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