Acórdão nº 107/13.4TBCDN-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução06 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 107/13.4TBCDN-A.P1 Da Comarca do Porto Este - Instância Central de Lousada – Secção de Execução – J2, anteriormente do Tribunal Judicial de Condeixa-A-Nova, onde deu entrada em 19/12/2013, o qual se declarou territorialmente incompetente, em 3/4/2014, por ser da competência do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes, entretanto extinto.

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção: I. Relatório B… e C…, executados na execução que lhes moveu o Banco D…, S.A., actualmente Banco E…, S.A., melhor identificados nos autos, deduziram oposição, mediante os presentes embargos, pedindo que sejam absolvidos da instância por ineptidão do requerimento executivo e, subsidiariamente, que sejam absolvidos do pedido, alegando, para este efeito, em resumo, o preenchimento abusivo da livrança dada à execução e a falta de comunicação das cláusulas gerais do contrato que lhe está subjacente, determinante da sua nulidade, e que apenas pediram de crédito 15.000,00 €.

Admitidos os embargos, o exequente contestou-os, alegando, em síntese, que o requerimento executivo não é inepto, já que tem por base uma livrança que é título executivo, e que foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento celebrado, por todos bem conhecido, a qual foi entregue como garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelo executado, subscritor da livrança, avalizada pela executada, enquanto locatário do contrato de locação financeira que teve por objecto o veículo automóvel com a matrícula ..-FZ-.., fornecido pela F…, cujas cláusulas lhes foram comunicadas, e depois de se ter verificado o incumprimento desse contrato, que levou à sua resolução, quando estavam em débito os valores peticionados na execução, depois de terem sido pagas as 27 primeiras rendas, pelo que a invocação do desconhecimento das cláusulas contratuais constitui um autêntico abuso de direito. Concluiu pela improcedência da oposição.

Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu pela improcedência da excepção dilatória da ineptidão do requerimento executivo.

Seguiu-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, sem reclamações.

Prosseguiram os autos para julgamento, após o que, em 18/4/2016, foi proferida douta sentença que julgou a oposição improcedente, determinando o normal prosseguimento da execução.

Inconformados com o assim decidido, os oponentes interpuseram recurso de apelação e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “i- vem o presente recurso interposto da douta sentença ad quo que condenou os executados no pedido e julgou improcedente a oposição à execução mediante embargos de executado; ii- os ora recorrentes não podem conformar-se com a douta sentença, mais a mais tendo em consideração a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (audiência final).

iii- a douta sentença não é reflexo da posição processual dos recorrentes, não resulta duma correcta apreciação da prova produzida em audiência final, nem resulta de uma correcta aplicação do direito aos factos.

iv- o motivo do inconformismo da recorrente em relação à sentença ora posta em crise é relativamente ao erro notório na apreciação da prova e da errada aplicação e interpretação do direito ao caso em apreço.

v- o objecto da prova é constituído por todos os factos juridicamente relevantes para apurar a existência ou inexistência do direito reivindicado pelas partes, sendo que o princípio geral que norteia a apreciação da prova produzida é o da livre apreciação.

vi- a livre apreciação da prova traduz-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras da experiência comum e conhecimentos científicos, da razão e da lógica, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos.

vii- com todo o respeito que é merecido, se atentarmos os depoimentos prestados pelos embargantes, pelas testemunhas e os documentos juntos, percebe-se que o tribunal ad quo retirou conclusões logicamente inaceitáveis, não defensáveis segundo as regras da experiência comum e, pior, decidiu contra a prova produzida em sede de audiência final.

viii- como pode ser valorado o depoimento da testemunha g… se ela refere que não teve qualquer intervenção na celebração do contrato.

ix- o contrato foi celebrado com um intermediário, conforme resulta do depoimento da testemunha g…, vide faixa 20160314105953_963611_2871658, minutos 03:00 a minutos 04:55.

x- pelo depoimento destas testemunhas devia dar-se como provado que: 1) os executados jamais tiveram residência no local que vem referido no requerimento executivo – …, s/n, … (….-…) .

2) sempre viveram em … (actual …) e continuam a residir em tal freguesia do concelho de marco de canaveses.

3) os executados e oponentes não tiveram conhecimento das cláusulas que constituem as condições gerais e particulares do contrato de locação financeira nº …….

4) os executados quando recorreram à exequente para que concedesse o crédito, peticionaram tãosomente o valor de 15.000 € (quinze mil euros)” xi- para cumprimento do disposto no artigo 640.º do c. p. cível, indicam-se como provas que impõem decisão diversa da recorrida as seguintes: - depoimentos dos executados e das testemunha g… cujas gravações encontram-se melhor identificadas na motivação do presente recurso, para a qual remetemos; -prova documental junta aos autos xii- o contrato em causa nos presentes autos apenas pode ser qualificado como um contrato de crédito, ou seja, um contrato por meio do qual um credor (in casu o exequente) concede a um consumidor (in casu, aos executados) um crédito sob a forma de mútuo (v.g. artigo 1142.º, do código civil).

xii- os contratos de crédito ao consumo, como o ora em análise, classificam-se também como contratos de adesão e de cláusulas contratuais gerais, já que, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada contrato, contêm cláusulas pré-determinadas, destinadas à massa dos consumidores e que não são passíveis de negociação individualizada.

xiii- as cláusulas contratuais gerais foram previamente elaboradas pela exequente, sem prévia negociação individual, que os aderentes se limitam a aceitar ou a rejeitar em bloco, isto é, trata-se o clausulado assinado pela executada-mutuária consistente num formulário pré-concebido, ou seja, previamente elaborado – cfr. artigo 1. º, do decreto-lei n.º446/85, de 25 de outubro xiv- do referido regime jurídico das cláusulas contratuais gerais decorre que, uma vez celebrado um contrato com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, é sobre quem redigiu tais cláusulas e que delas pretende prevalecer-se, que recai o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes à demonstração de que foram cumpridos os deveres de comunicação e informação a que aludem os artigos 5º e 6º do decreto-lei n.º 446/85, de 25.10., com as exigências alusivas à “comunicação” tendo o legislador pretendido salvaguardar, em primeira linha, uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato, sendo a obrigação de informação dirigida à percepção do seu conteúdo, por parte do aderente.

xv- tais cláusulas devem – ainda antes da subscrição ou outorga do contrato – ser dadas a conhecer aos aderentes. é, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais – cfr. artigo 227.º do código civil.

xvii- por isso, a alegação e prova da realização da comunicação devida e do cabal cumprimento do dever de informação competem ao dador do crédito, bastando ao consumidor alegar a falta de comunicação das cláusulas contratuais ou a omissão da informação do conteúdo do contrato, e antes se impondo ao financiador que aluda, de modo claro e inequívoco, à factualidade inerente ao modo como foi efectuada a comunicação e prestada a informação.

xviii- posto isto, cumpre referir que, no caso em apreço, devia ter sido dado como provado que o contrato de crédito em causa foi redigido num formulário pré-concebido e assim apresentado aos executados, que assim o assinaram.

xix- em conformidade com o que já se deixou dito na motivação a este propósito, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, haverá que considerar que a exequente, sobre o qual recaía o correspondente ónus da prova, não logrou demonstrar a comunicação e informação daquelas cláusulas (cfr. artigos 5.º , n.º3, e 6.º do decreto-lei n.º 446/85, de 25.10).

xx- de acordo com o estatuído na alínea a) do artigo 8.º do decreto-lei n.º446/85, de 25.10, a sanção para as cláusulas que não tenham sido objecto de comunicação, nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma legal, é a sua exclusão dos contratos singulares.

xxi- esta prova, cabe ao contratante que produziu o acordo escrito a que a outra parte adere, mediante assinatura, e consiste na “efectiva actividade de esclarecimento do teor do clausulado”, e bem assim na proposição de um tempo de reflexão relativamente a este clausulado em ordem a ser percebido inteiramente o conteúdo da proposta negocial, seja quanto ao modo de execução e cumprimento, seja quanto às consequências do incumprimento.

xxii- a exequente não logrou provar a observância dos deveres de informação que se lhe impunha, pelo que dessa conduta haverá que retirar as respectivas consequências jurídicas, ou seja, a nulidade do contrato.

xxiii- face ao exposto, manifesto é que a sentença recorrida, ao incorrer em tão clamorosos desvios de raciocínio na apreciação das provas e bem assim da formulação de juízos ilógicos, arbitrários e mesmo contraditórios, os quais afrontam de forma manifesta as regras da experiência comum, padece dos vícios referidos no artigo 640. º, do código de processo civil, os quais deverão ser declarados pelo tribunal ad quem, com a consequente revogação do decidido em 1.ª instância e subsequente absolvição da recorrente.

nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de vossas excelência deve ser concedido provimento...

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