Acórdão nº 1203/14.6TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução26 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1203/14.6TBSTS.P1-Apelação Origem-Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Central-2ª Secção Cível-J5 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra 5ª Secção Sumário: I- Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

II- Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.

III- Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV- Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.

V- Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.

VI- No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.

VII- A escritura pública de permuta não faz prova plena de que uma das parte tenha pago à outra determinada quantia, porém, a declaração dessa parte perante o notário de já ter recebido o preço, tem este valor, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, e que o artigo 352.º do CCivil qualifica de confissão.

VIII- Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (artigos 355.º, n.º s 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CCivil).

IX- A parte é admitida a destruir a força da confissão de haver recebido a quantia em causa, mediante a prova da realidade do facto contrário àquele que a confissão estabeleceu, mas não pode usar da prova testemunhal, desde que não seja arguida a falsidade da escritura pública ou a nulidade ou da confissão por falta ou vícios de vontade.

X- Celebrado o contrato definitivo (cumprida a obrigação principal), só podem continuar a ser invocadas as cláusulas do contrato promessa que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam “desvinculadas” da obrigação principal da contrapa*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, casado, residente na Rua …, .., …, …-… …, C…, casado, residente na Rua …, …, …, Trofa, por si e na qualidade de procurador de sua mãe D…, viúva, residente na Rua …, …, Trofa, E…, solteira, maior, residente na Rua …, …, …, Trofa, F…, solteiro, maior, residente na Rua …, …, …, Trofa, G…, casada, residente na Rua …, .., …, H…, casada, residente na Rua …, …, …, Trofa, vêm instaurar Acção de Condenação com processo comum contra I…, S.A.”, com sede à Av. …, …, Trofa, pedindo que julgada provada por procedente em consequência, a Ré seja condenada a:

  1. Reconhecer que os Autores são os donos e legítimos proprietários da propriedade identificada no artigo 1º da petição e do caminho de acesso à mesma que vai da EM …, da Maia, até à sua entrada, com a configuração que consta da planta topográfica anexa aos autos e, declarar-se que o são; b) Retirar de imediato todas as vedações e portões que colocou no dito acesso e que impedem que os autores por ele circulem livremente para acesso à sua propriedade; c) Abster-se de, por qualquer meio ou obra, impedir a passagem livre e desembaraçada dos Autores pelo dito caminho até à sua propriedade; d) Realizar a pavimentação em asfalto com faixa de 10 metros de largura do referido acesso, desde o caminho junto à entrada das suas instalações até à entrada da propriedade dos autores.

    Para o efeito, alegaram em síntese que por contrato escrito de 1990, depois aditado em 1992, então outorgado pela terceira autora e seu marido com as antecessoras da ré, foi negociada uma permuta de terrenos, no âmbito da qual, como condição essencial do negócio, ficara acordada a construção de um caminho de acesso à propriedade dos ora autores, caminho que ficou a pertencer aos mesmos, pois, caso assim não fosse, a sua propriedade ficaria encravada e nada valeria (assim sendo acordado que a autora D… e marido entregariam uma área de 22.201 m2, recebendo apenas 19.011 m2, sendo a diferença de 3.190 m2 correspondente à área da estrada de acesso a construir a expensas da 2ª ré). Na sequência desse acordo, em 29 de Julho de 1992, foi feita escritura de permuta, onde se consumou todo o negócio acordado, nada se escriturando em relação à questão do caminho dado estar previsto ser a Câmara Municipal … a construir o mesmo, passando-o depois para o domínio público. Entretanto, a ora ré deu início à construção da sua fábrica da indústria farmacêutica, e abriu todo o acesso, com a largura de 12 metros, em terra batida, até à propriedade dos autores, tendo depois vedado as suas instalações, deixando de fora das mesmas a tal faixa de 12 metros que constituía o acesso à propriedade dos autores. Assim, desde 1990 que a autora D…, marido e seus herdeiros, começaram a usar tal caminho para acesso à sua propriedade, por ele passando com os seus tractores, outros veículos ou a pé, mando-o limpar e conservar, sem que nunca tivesse existido oposição de ninguém, mantendo-se o mesmo sempre livre e desocupado na convicção de que se tratava de coisa sua. Acontece, porém, que em violação do acordado nos documentos escritos elaborados em 1990 e depois confirmados em 1992, sem que nunca até então a ré ou qualquer outra entidade pusesse em causa a propriedade e uso que os autores deram ao dito caminho, a ré vedou o mesmo e nele colocou um portão, assim ofendendo a posse e propriedade dos autores e o direito que têm de circular e aceder livremente à sua propriedade.

    *A ré contestou, impugnando a matéria alegado pelos autores, dizendo em suma que os contratos a que fazem referência, para sustentar a sua tese de meros contratos promessa, se encontram consumidos, como os próprios autores admitem, pela escritura definitiva de permuta de 29 de Julho de 1992, da qual não consta qualquer alusão a qualquer obrigação da ré de construção de qualquer estrada, ideia que foi assim claramente abandonada. E, tanto assim é que durante estes mais de vinte e dois anos entretanto decorridos, nunca reclamaram os autores, em momento algum, o cumprimento de tal obrigação, pois que, naquela escritura definitiva, as áreas efectivamente permutadas foram distintas das prometidas, sendo então acordado o pagamento à terceira autora da compensação, por essa diferença, de três milhões e duzentos mil escudos, de que de imediato se deu quitação. Com a outorga do contrato prometido, o contrato promessa esgotou a sua função, ficando a prevalecer, como objecto contratual, o conteúdo emergente das declarações negociais constantes do contrato definitivo, assim se extinguindo aquele dito contrato promessa.

    Por outro lado, alega que o contrato contrato-promessa a que aludem os autores nunca poderia servir de título de transmissão de qualquer direito real, sendo que em todos estes anos nunca os autores tiveram a posse da referida faixa de terreno, pois que sempre foi a ré quem a usa, limpa, conserva e vigia, suportando os custos inerentes, desde que ai se encontra instalado o seu complexo industrial.

    Finalmente, afirma que aquela faixa de terreno é sua propriedade e encontra-se registada em seu nome beneficiando, assim, da presunção do registo e invoca ainda a existência de abuso de direito por parte dos autores e deduz pedido reconvencional pedindo que seja declarada extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem sobre o prédio da ré, em benefício do prédio da terceira autora, caso a mesma venha a ser reconhecida.

    *Os autores replicaram, dizendo, em suma, que não pedem o reconhecimento de qualquer direito de servidão (não fazendo assim qualquer sentido o pedido reconvencional deduzido), afirmando sim a propriedade sobre a faixa de terreno em causa, por usucapião, dizendo ser falso que a autora D… tenha recebido qualquer quantia sobre aquela parcela, muito menos os aludidos 3200 contos mencionados na dita escritura, não tendo assim o contrato definitivo esgotado o contrato promessa, porquanto existiam condições neste para ser cumpridas até 1994 muito para além da celebração daquele.

    *A ré respondeu nos termos que dos autos constam.

    *Findos os articulados, e proferido respectivo despacho saneador, em audiência prévia designada para esse efeito onde, desde logo, se decidiu pela inexistência de qualquer nulidade da réplica, pela improcedência da excepção de prescrição e não se admitiu o pedido reconvencional deduzido.

    *Teve depois lugar a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu em obediência ao formalismo legal como consta da respectiva acta.

    *A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, reconheceu apenas que os Autores são os donos e legítimos proprietários da propriedade identificada no artº 1º da petição inicial, improcedendo quanto ao mais.

    * Não se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT