Acórdão nº 2134/10.4TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CEC
Data da Resolução13 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 2134/10.4TBVNG.P1 Processo da Comarca do Porto, instância local, seção cível, Vila Nova de Gaia, J2 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B… e marido, C…, casados no regime de comunhão geral de bens, NIF ……… e ………, respetivamente, residentes na Rua …, n.º …, na freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia; D…, viúva, NIF ………, residente na Rua …, n.º …, freguesia e concelho de São João da Madeira; E… e mulher, F…, NIF ……… e ………, respetivamente, residentes na Rua …, número …, na freguesia …, concelho de Gondomar; G…, solteira, maior, NIF ………, residente na Rua …, n.º …, na freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia; H… e mulher, I…, NIF ……… e ………, respetivamente, residentes na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Espinho; intentaram a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo sumário, contra J… e mulher, K..., residentes na Avenida …, número …, …, na freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, pedindo: A - A resolução do contrato de arrendamento; B - A condenação dos réus a entregarem, livre de pessoas e coisas, o prédio identificado; C - A condenação dos réus a pagarem-lhes as rendas vencidas, no montante de €296,82 (duzentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), e vincendas até à efetiva entrega do prédio.

Alegaram, em súmula, que são exclusivos proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, e legítimos possuidores de um prédio rústico destinado a pastagem, denominado “L…”, com a área total de 2.000 m2, sito no …, na freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 3528/20080603, e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2.470, o qual, na década de 50, foi dado, verbalmente, de arrendamento a M…, pai do réu J…, pelo pai dos autores, N…. Estipularam, então, que o prédio se destinava à produção de blocos de cimento (comummente designada de atividade bloqueira) e que a renda anual seria de 1.000$00 (mil escudos), a pagar no início de setembro de cada ano. Por volta de 1957, o pai do réu deixou de exercer a atividade bloqueira, tendo a exploração desta passado a ser efetuada pelo réu, o que aconteceu com o conhecimento e sem a oposição do pai dos autores. Após o falecimento do pai dos autores, o réu passou a pagar a estes a renda anual acordada de 3.500$00, mas em setembro de 1993 não efetuou o pagamento da renda anual nem posteriormente e, desde então, não mais lhes pagou qualquer renda. Há mais de 25 anos que o réu deixou de exercer no prédio a atividade para a qual lhe foi dado de arrendamento. Sem conhecimento e sem autorização dos autores nele edificou uma pequena construção, afetada à habitação de terceiros, não obstante a falta de condições de habitabilidade. Nela habita atualmente um filho dos réus, onde tem organizada a sua vida pessoal e familiar. Portanto também a utilização do prédio para fim diverso do arrendado e a cedência a terceiros constituem fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.

Juntaram documentos.

Citados, os réus apresentaram contestação, deduzindo defesa por exceção perentória de prescrição e por impugnação. Mais formularam pedido reconvencional de reconhecimento a seu favor da plena propriedade do prédio rústico denominado “L…”, descrito na matriz sob o artigo 2.470 da freguesia …. Invocaram, em síntese, que as rendas reclamadas de 1993 a 2004 já se encontram prescritas ao abrigo do artigo 310º, al. b), do CC, e que, desde 1967, são donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 1.323º, tendo-o adquirido por inventário. E quanto ao prédio rústico denominado “L…”, os autores dele perderam a posse. Desde a data do óbito do seu pai que os autores deixaram intencionalmente de exercer o seu direito de propriedade sobre o prédio, não praticando qualquer ato, notificação do óbito, reclamação de rendas, que configurasse o seu animus possidendi.

Perderam a posse pelo abandono, pela perda do corpus e do animus, enquanto os réus nele efetuaram obras de ampliação, conservação e manutenção que o valorizaram substancialmente. Só no ano de 2009, despenderam em obras a quantia de €10.354,93 e as recentemente efetuadas valorizaram o prédio urbano que, atualmente tem um valor não inferior a €29.500,00. Concluíram pela improcedência da ação e pela condenação dos autores/reconvindos a reconhecer que: A - são proprietários do prédio rústico denominado “L...

”, descrito na matriz sob o artigo 2.470 da freguesia …, com o consequente cancelamento das inscrições registrais a favor dos autores; B - Se a reconvenção vier a ser improcedente, a improcedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, atento o depósito oferecido com a contestação e a exceção de prescrição invocada; C – Em caso de procedência da ação, indemnização pelas benfeitorias existentes no prédio em montante não inferior a €29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros), montante esse correspondente ao valor do prédio urbano edificado no prédio dos autos.

Juntaram documentos.

Na resposta, os autores referiram que a “pequena construção” que os réus construíram não é um prédio urbano. Primeiro foi uma taberna e depois foi usada para fins habitacionais. Ademais, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade deduzido pelos réus não emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à ação ou à defesa. Aceitando a prescrição das rendas invocada pelos réus, formularam redução do pedido identificado em C. para €87,80 (oitenta e sete euros e oitenta cêntimos). Defenderam a improcedência dos pedidos reconvencionais.

Em prosseguimento dos autos, teve lugar a realização da audiência final, a qual decorreu com observância do legal formalismo. Respondida a matéria de facto controvertida, sem reclamação, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “1. -Julgo a presente acção improcedente e não provada.

  1. -Julgo procedente e provado o pedido reconvencional deduzido pelos R.R., e, em consequência, condenam-se os AA./ Reconvindos a reconhecerem os RR./Reconvintes, como legítimos proprietários do prédio rústico denominado “L…”, descrito na matriz sob o art. 2470 da freguesia …, e em consequência: 2.1.-Determina-se o cancelamento das inscrições a favor daqueles na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia.

    2.2-Oficie-se junto da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia o cancelamento das inscrições, conforme supra determinado”.

    Inconformados, os autores recorreram da sentença, apresentando, em resumo, a seguinte conclusão alegatória: 1. A matéria de facto dada por provada não traduz nem a confissão dos réus na contestação e em audiência nem a prova produzida, pelo que deve ser alterada, nos muitos pontos referidos ao longo das conclusões.

  2. A decisão recorrida assenta na existência simultânea de dois prédios: um prédio rústico, propriedade dos recorrentes, e um suposto prédio urbano, consistente na edificação naquele realizada pelo pai dos réus/recorridos, quando apenas existe um prédio, de natureza rústica, no qual foi realizada uma edificação – um “barraco” -, entretanto afeta à habitação de terceiros.

  3. Edificação que não é, por si só, um prédio ou bem imóvel, distinto do solo ou do prédio onde se encontra implantada, e não pode alterar a natureza do prédio onde se incorpora, apesar da sua inscrição junto da Administração Tributária como “prédio urbano”.

  4. O prédio encontra-se registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 3528/20080603, como um prédio rústico.

  5. Beneficiam da presunção legal de propriedade prevista no artigo 7.º do Código de Registo Predial.

  6. A sentença recorrida entende que os autores perderam a posse pelo abandono, por mais de vinte Anos, mas a decisão sobre a matéria de facto - pontos 19., 20. e 21. – estão em contradição com as posições assumidas pelas partes nos articulados, com os documentos constantes dos autos, com o depoimento de parte do réu e com o depoimento da testemunha O….

  7. De todo o modo, essa conclusão não poderia ser extraída, pois o abandono implica a extinção do corpus e do animus por virtude de ato material intencionalmente dirigido à rejeição da posse ou da coisa possuída, mas não se confunde com a mera inação do titular que não cuida da coisa.

  8. No entanto, incluíram o prédio, logo em 1986, na relação de bens que apresentaram junto da Administração Tributária aquando da participação do imposto sucessório por óbito de seu pai.

  9. Abordaram o réu, exigindo a demolição do “barraco” e a devolução do prédio, tal como o afirmado pela testemunha O….

  10. Carece de fundamento considerar que os réus lograram provar uma aquisição originária do direito de propriedade, por usucapião, quando não estavam a exercitar uma posse em nome próprio, mas uma posse era precária.

  11. Pelo menos de 2001 a 2005 e 2009, os réus depositaram as rendas anuais por si devidas em execução do contrato de arrendamento em conta que abriram junto da P… em seu nome (autores), o que confirma que detinham o prédio com a consciência de o mesmo lhes pertencer (aos autores).

  12. Concluíram com o pedido de revogação da sentença, declaração de procedência da ação e de improcedência da reconvenção.

    Em resposta à alegação dos autores, aduziram os réus, em síntese: 1. A matéria de facto encontra-se bem julgada, designadamente com a consideração de não provado do facto alegado em 23. da petição, já que os recorrentes não são os exclusivos proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, e legítimos possuidores do prédio rústico destinados a pastagem.

  13. Não estando provado que o prédio descrito em 1. da petição seja da exclusiva propriedade dos recorrentes, soçobra toda a argumentação expendida, desde logo porque “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”, o que no, caso em...

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