Acórdão nº 2483/09.4TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução12 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2483/09.4TBAMT.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto Este-Amarante-Inst. Local-Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- A acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos respectivos factos (art. 1317.º do CC), i.e., ao momento da união ou da incorporação.

III- Tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente.

IV- Na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio. Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos.

V- A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC.

VI- O conceito de boa fé exigida pelo n.° 1 do art. 1340.° do Código Civil não se limita às duas situações descritas no n.° 4 do mesmo artigo.

VII - A expressão “entende-se” constante deste preceito quer dizer que, nesses duas situações, presume-se a boa fé do autor da incorporação, mas não exclui nem impede que se possa estender o conceito de boa fé a outras situações compreendidas na definição dada pelo n.° 1 do art. 1260.° do Código Civil, comprovativas de que o autor da incorporação ignorava, no momento da execução das obras em prédio alheio, que lesava o direito de terceiro.

VIII- Nos casos em estatuídos no artigo 1343.º a aquisição a que tem direito o construtor, não depende da consideração de qualquer valor acrescentado.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, C… e D…, intentaram a presente acção sumária contra a então Freguesia de …, peticionando que; a) Seja reconhecido que os autores e seu pai, em comum e sem determinação de parte ou direito são donos do prédio identificado no art. 5.º da petição; b) Seja reconhecido que desse prédio faz parte uma parcela de terreno com a área aproximada de 1.000 m2; c) Seja declarada a nulidade da doação da parcela de terreno feita pelo pai dos autores à ré; d) Se condene a ré a restituir a parcela de terreno, ou se tal não for possível, a pagar o respectivo valor em execução de sentença.

*Para o efeito, alegram em síntese que: - São filhos de E… e de F…, que foram casados em comunhão geral.

- A mãe dos autores faleceu em 19 de Janeiro de 2009, no estado de casada com o pai dos autores, no regime da comunhão geral, sem testamento ou doação por morte.

- Entretanto, por morte da mãe dos autores, sucederam-lhe como herdeiros os autores e o seu pai, não se tendo procedido a partilha ou inventário.

- Da herança faz parte o prédio rústico denominado “I…”, inscrito na matriz sob o artigo 415 e descrito sob o n.º 516–….

- O pai dos autores, ainda em vida da mãe dos autores, a pedido do Presidente da Junta de Freguesia de …, doou à ré Freguesia de …, uma parcela do prédio, doação feita à revelia da esposa, sem o seu conhecimento e consentimento e sobretudo, sem ter sido observada a forma de escritura pública.

*Citada a ré, a mesma contestou e reconveio, aduzindo que, em resultado do acordo que foi ajustado entre a ré e o pai dos autores, a ré ocupou a parcela, com a área de 978 m2, onde executou obras de ampliação do cemitério e de construção da casa mortuária, com valor superior a € 100.000 euros, tendo a ré adquirido a propriedade da parcela pelo instituto da acessão industrial imobiliária.

*Foi requerida e admitida a intervenção principal do pai dos autores, F…, o qual, faleceu em 23 de Maio de 2012, no estado de viúvo, sem fazer testamento ou doação por morte, tendo sido declarado habilitados como únicos herdeiros, a fls. 162, os seus 3 filhos, ora autores.

*Foi realizada audiência preliminar, tendo sido lavrado despacho-saneador a fls. 88.

*Teve lugar a realização de perícia de avaliação, cujo relatório consta a fls. 124.

*Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.

*A final foi proferida sentença que: a)- julgando parcialmente procedente a acção: 1- Reconheçeu que os autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, são donos do prédio identificado no art. 5.º da petição; 2- Reconheçeu que desse prédio faz parte uma parcela de terreno com a área aproximada de 1.000 m2; b)- julgando inteiramente procedente a reconvenção declarou que a ré adquiriu por acessão industrial imobiliária uma parcela de terreno com a área de 978 m2, desanexada do prédio referido no art. 5.º da petição, que confronta com a parte restante do prédio, com a parte restante do cemitério paroquial e Igreja de …, pagando aos Aurores a quantia de € 2.445 euros correspondente ao valor da parcela.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os Autores interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1. Pretendem os Recorrentes, tal como anunciaram no requerimento de interposição de recurso, impugnar a decisão sobre alguns pontos da matéria de facto, pelo que, como lhe impõe o art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC) alíneas a), b) e c) indicam i) os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação da prova nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

  1. Os Recorrentes entendem que os factos elencados na sentença e vertidos nos números 12, 18, 19, 25, 28, 31 e 38 e considerados provados, estão, em parte, incorrectamente julgados.

  2. E os factos 4, 6, 7 e 9 da BI, considerados como não provados deveriam ter sido dados como provados.

  3. Cumprindo o que lhe é imposto pelo artigo 640.º do CPC, os Recorrentes indicam os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação da prova realizada na audiência de julgamento que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto, diversa da que consta na sentença recorrida. De seguida, indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida por este Alto Tribunal sobre as questões de facto impugnadas.

  4. Esses meios de prova, cuja reapreciação se pretende que seja feita nesta instância, são os depoimentos do Recorrente D…, da Recorrente B…, da Recorrente C…, da testemunha G…, da testemunha H…, em relação aos quais se assinalou as passagens da gravação que se pretendem ver reapreciadas.

  5. Para além dos depoimentos, devem ser reapreciados o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo perito em audiência e julgamento, bem como a minuta de doação e a certidão da sentença de interdição da mãe dos Recorrentes.

  6. Da apreciação crítica destes depoimentos, dos documentos indicados, do confronto entre todos esses elementos probatórios, entendem os Recorrentes que devem ser dados como provados os factos dos números 4, 6, 7 e 9 que a sentença recorrida considerou não provados.

  7. No que respeita ao facto do ponto 12 deverá ser dado como provado que A parcela de terreno doada à ré tem uma área de 1.150 metros quadrados.

  8. Quanto ao ponto 18 e 19 deve ser dado como provado no ponto 18 Num contacto pessoal o Sr. F… estava acompanhado do autor D…. E no ponto 19 Que ficou a saber da vontade de seu pai.

  9. Deve ser dado como provado no ponto 25-As áreas parcelares da planta somam o total de 1.150m2 11. No ponto 28, deve ser dado como provado que: Depois da devolução dos documentos à ré, esta iniciou a execução, na parcela em causa, das obras de ampliação do cemitério e de construção da casa mortuária.

  10. No ponto 31 deve ser dado como provado que: O autor D… teve conhecimento da vontade de seu pai.

  11. No ponto 38, deve ser dado como provado que: Tendo em conta o destino do prédio, a sua localização e o estado em que se encontrava à data da ocupação, o seu valor seria de € 12.5 por metro quadrado.

  12. Quanto à Matéria de Direito, a sentença recorrida começou por conhecer o pedido reconvencional, no qual a Recorrida pretende que seja reconhecido que adquiriu por acessão industrial imobiliária a parcela de terreno com a área de 978m2 desanexada do prédio descrito no artº. 5º da petição inicial, pagando o valor de 2.445.00€ correspondente ao valor da parcela e julgou inteiramente procedente esse pedido.

  13. Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que ficou apurado que a ré construiu, em 2005, uma capela e um cemitério no seu prédio e, com tal construção, ocupou a faixa de terreno em causa nos autos.

  14. Ora, o que ficou apurado é que a ré construiu em 2005 toda a obra de ampliação do cemitério e da capela mortuária, na parcela dos autores, sendo que o cemitério já existia, como resulta dos pontos 7, 14 e 18 elencados na sentença, que, na parte que agora interessa, não foram impugnados.

  15. Por essa razão, quando o Tribunal a quo considerou que "o cemitério foi construído quase exclusivamente no prédio da ré e só ampliado para a parcela." laborou em erro.

  16. Uma vez que todas as obras executadas pela Recorrida de ampliação e construção da capela mortuária ocorreram na parcela de terreno, que, então, pertencia aos pais dos Recorrentes, estava completamente...

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