Acórdão nº 326/11.8PASJM.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução28 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 326/11.8PASJM.P2 Origem: comarca de Aveiro- Stª Mª da Feira- instância central, 2ª secção criminal- J3 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO O Ministério Público acusou, em processo comum com intervenção de tribunal coletivo, B…, nascido a 11-10-1988, e C…, nascido a 28-10-1990, imputando: ao primeiro arguido, em concurso efetivo, a coautoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de coação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, n.º 2, 73º, 154º, n.º 1 e n.º 2, e 155º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; e, ao segundo arguido, a coautoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1, também do Código Penal.

A final da audiência de julgamento (desconsiderando aqui um primeiro julgamento anulado por esta Relação, com vista ao cumprimento do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal) foi proferido acórdão em que se decidiu: - condenar o arguido B.., pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, absolvendo-o do crime de coação agravada na forma tentada que lhe era imputado na acusação; - condenar o arguido C…, pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo previsto e punido no artigo 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Inconformados com o acórdão condenatório, dele vieram ambos os arguidos interpor recursos, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: A) Recurso do arguido C…: « 1. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos em que o arguido tendo sido acusado pela prática em coautoria de um crime de roubo da previsão do artigo 210º do CP, veio a ser condenado na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa por igual período; 2. Ponto de facto incorretamente julgado: a)- “Ao avistarem ali o mencionado D… e, apercebendo-se de que o mesmo estava sozinho, os arguidos acordaram entre eles abordá-lo, com o propósito de se assenhorearem de dinheiro que o mesmo tivesse consigo, com recurso à violência e intimidação.” 3. A prova que impõe decisão diversa da recorrida é o depoimento prestado pela testemunha de acusação, em audiência de julgamento, gravadas, constantes do CD áudio.

a)- D…, depoimento registado no CD áudio, minutos 1:23 a 1:57, 2:29 a 2:57, 8:41 a 8:53, 12:37 a 13:00, 15:07 a 15:24 e 19:51 a 20:36.

  1. Na verdade, do depoimento da referida testemunha é inequívoco de que o mesmo não estava sozinho, bem como não houve qualquer violência ou intimidação; 5. Quando na douta decisão se refere que os arguidos se aperceberam que “o ofendido estava sozinho, acordaram abordá-lo”, tal denota a intenção de fazer depender da condição de estar sozinho a consecução do crime. Ora, a verdade é que é a própria testemunha que refere várias vezes, a várias instâncias, que não estava sozinho, “estava com um amigo”.

  2. E também não resulta provado que tenha havido qualquer violência ou intimidação, desde já porque o ofendido não estava sozinho e, por outro lado, porque do depoimento do mesmo não resulta qualquer tipo de violência, nomeadamente, física, tendo a mesma sido considerada não provada pelo próprio tribunal.

  3. Relativamente à violência psíquica diga-se que a mesma também não resulta provada, pois nem sequer é especificada no douto acórdão, concretamente quanto à sua factualidade.

  4. Assim, o facto referido foi incorretamente julgado como provado.

  5. O crime de roubo é um crime em que são elementos constitutivos, (i) a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, (ii) subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, (iii) coisa móvel alheia, (iv) por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

  6. Não havendo violência não se encontra preenchido o tipo legal de crime de roubo, pelo que o arguido deveria ter sido absolvido do mesmo, com o que se violou o disposto no artº 210º nº 1 do CP.

  7. Sem prescindir, o Tribunal a quo baseou a sua convicção quase apenas no depoimento do ofendido, única testemunha da acusação, que segundo o mesmo tribunal fez um depoimento seguro, esclarecedor, sem hesitações, descrevendo apenas aquilo de que se lembrava, demonstrando isenção.

  8. No entanto, o ofendido foi quem apresentou queixa, prestou declarações na sequência da mesma, e foi com base nas suas declarações, quase única e exclusivamente, que foi elaborada a acusação.

  9. Dessa acusação, o Tribunal veio a considerar não provados os seguintes factos: 1- Ato contínuo, após o arguido C… parar e imobilizar o veículo automóvel em que se faziam transportar, em 2a fila, junto ao referido ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-IM, pertença do mencionado D…, saíram ambos do seu interior, abeiraram-se daquele e, já junto deste, o arguido B… perguntou "Tens dinheiro? ... Onde está o dinheiro?", ao que aquele respondeu negativamente.

    2- Após a resposta negativa do mencionado D…, os arguidos rodearam-no e posicionaram-se de forma a impedir que se pusesse em fuga, agarraram-no e seguraram-no com força e passaram ambos a revista-lo, contra a sua vontade, passando-lhe as mãos pelo corpo e introduzindo-lhe as mãos nos bolsos das peças de vestuário que trajava.

    3- Não obstante, os arguidos agarraram-no e, mediante o uso da força, empurraram-no e afastaram-no do seu caminho.

    4- Que os arguidos revistaram o referido ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-IM.

    5- Que os arguidos rodearam o mencionado D… e posicionando-o entre eles, agarrando-o, segurando-o com força e revistando-o contra a sua vontade, e, depois, mediante o uso da força, agarrando-o, empurrando-o e afastando-o do seu caminho.

    6- Que ao actuar da forma acima descrita em 110 da acusação, o arguido B… quis, mediante a ameaça com a prática de crime contra a vida, constranger o mencionado D… a não apresentar queixa e a não denunciar à P.S.P ou a outro órgão de polícia criminal ou às autoridades judiciárias os factos por ele acabados de cometer juntamente com o arguido C….

  10. Os factos dados como não provados e constantes da acusação são todos eles essenciais ao crime de que os arguidos são acusados; não fazendo apelo a factos novos, como fez, o Tribunal a quo teria que absolver os arguidos do crime de roubo de que vinham acusados.

  11. Ora, se a testemunha de acusação, ofendido nos autos, não confirma os factos constantes da acusação, factos esses essenciais à prova do crime de que os arguidos são acusados e que supostamente apenas a própria testemunha de acusação viveu diretamente, como pode o Tribunal afirmar que a mesma fez um «depoimento seguro, esclarecedor, sem hesitações, descrevendo apenas aquilo de que se lembrava, demonstrando isenção».

  12. Pelo contrário, a testemunha de acusação ao infirmar a grande maioria dos factos constantes da acusação, factos supostamente passados diretamente com a mesma, veio demonstrar que o seu depoimento é inseguro, hesitante, desconhecedor, no fundo sem qualquer credibilidade.

  13. As testemunhas são inquiridas sobre factos de que possuam conhecimento direto e que constituam objeto da prova, devendo responder com verdade às perguntas que lhe são feitas.

  14. Se é verdade que não se pode esperar um depoimento absolutamente imaculado, sem discrepâncias, não se pode, nem se deve, contudo, admitir que sobre pormenores factuais simples, evidentes, essenciais e até pessoais, o próprio ofendido, em sede de audiência, possa negar ou não recordar factos passados diretamente com o mesmo.

  15. Assim, existe um vício na formação da convicção do Tribunal a quo, na medida em que estamos, no nosso entender, perante uma violação do princípio da livre apreciação da prova estipulada no artº 127º do CPP.

  16. Atento o depoimento impreciso prestado pela testemunha de acusação/ofendido em audiência de julgamento relativamente aos factos constantes da acusação, prejudicada fica a apreciação daquele depoimento no sentido da condenação do arguido.

  17. A constatação, pelo Tribunal, do teor daquele depoimento, em si mesmo, deveria ter conduzido à absolvição do arguido com base no princípio consagrado constitucionalmente do ‘in dubio pro reo’.» B) Recurso do arguido B…: « 1. O arguido B… interpõe o presente recurso da douta decisão do Tribunal a quo que decidiu: - “Condenar este arguido pela coautoria material de 1 (um) crime de roubo p. e p. pelo artº 210º nº 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e seis meses de prisão …” 2. A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica e essencialmente da Prova Testemunhal do Ofendido; 3. Há erro notório quando há divergência, mesmo leve, da prova produzida em audiência de julgamento, bem como das regras da experiência, decidindo-se em sentido oposto com o provado ou não provado ou aceite como provado; 4. Não andou bem o Tribunal a quo quando deu como provado que: “Os arguidos já eram conhecidos do ofendido, que sabiam que os mesmos se dedicavam à prática de crimes de furto e roubo e que eram de índole violenta.

    Sabia que se reagisse podia ser agredido.

    Ao atuarem da forma acima descrita, os arguidos quiseram fazer sua, como fizeram, a referida quantia monetária que o mencionado D… trazia na respetiva carteira, que sabiam não lhes pertencer, cientes de que assim atuavam contra a vontade e sem autorização do respetivo dono.

    Para o efeito, não se coibiram de recorrer à violência psíquica, para entrarem, também contra a sua vontade, no referido ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-IM, onde se encontrava a respetiva carteira com a referida quantia monetária, querendo sempre colocá-lo numa situação de inferioridade que o impediu de reagir como queria e anular a capacidade de o mesmo obstar à concretização de tal...

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