Acórdão nº 459/15.1GAPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução14 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 459/15.1GAPRD.P1 Data do acórdão: 14 de Setembro de 2016 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca do Porto Este Instância Local de Paredes | Secção Criminal Sumário: 1. Não tendo sido apreendida a coisa furtada, não poderá ter lugar a entrega da mesma ao lesado (o ofendido de boa-fé), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado (nº 2 do artigo 111º do Código Penal).

  1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do furto a pagar ao Estado o valor correspondente à coisa furtada, da qual o arguido se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (nº 4 do artigo 111º do Código Penal).

    Acordam os juízes acima identificados da 4ª Secção Judicial - 2ª Secção Criminal - do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…; I - RELATÓRIO1. Em 10 de Março de 2016 foi proferida a sentença condenatória do arguido, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: «Decisão 1. Condenar o arguido B… pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

  2. Declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática do crime, e consequentemente, Condenar o arguido B… a pagar ao Estado a quantia de €1.750 (mil, setecentos e cinquenta euros), ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal.

  3. Condenar o arguido B… no pagamento das custas do processo penal, fixando em 3 UC’s o valor da de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo, sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia.

    (…)» 2. Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com as necessárias conclusões, nas quais suscitou, em suma: a) Violação da presunção de inocência do arguido; b) Erros em matéria de direito: a. Os factos provados não integram a prática de um crime de furto (artigo 203º do Código Penal); b. A pena aplicada é excessiva; c. Não há fundamento legal (nomeadamente no artigo 111º do Cód. Penal) para que o autor de um furto seja condenado a pagar ao Estado um montante equivalente ao valor da vantagem patrimonial que obteve com a prática do crime, mesmo nos casos em que o ofendido não deduziu pedido de indeminização cível.

  4. O recurso foi objeto de resposta por parte do Ministério Público na primeira instância e de parecer neste Tribunal, ambos concluindo pela improcedência do recurso.

  5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta.

  6. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

    Questões a decidir Do thema decidendum dos recursos: Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

    A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

    Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum: a) Violação da presunção de inocência do arguido; b) Erros em matéria de direito: a. Os factos provados não integram a prática de um crime de furto (artigo 203º do Código Penal); b. A pena aplicada é excessiva; c. Não há fundamento legal (nomeadamente no artigo 111º do Cód. Penal) para que o autor de um furto seja condenado a pagar ao Estado um montante equivalente ao valor da vantagem patrimonial que obteve com a prática do crime, mesmo nos casos em que o ofendido não deduziu pedido de indeminização cível.

    Para decidir as matérias acima descritas, importará, primeiramente, recordar o teor da fundamentação em matéria de facto e de direito da sentença recorrida.

    II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar algumas passagens da decisão recorrida -: «II. FUNDAMENTAÇÃO1. DE FACTO 1.1. Factos Provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: - Constantes da acusação pública: 1. Em data e hora não concretamente determinadas, mas situadas cerca de três semanas antes de 27/05/2015, o arguido B… decidiu fazer sua a madeira existente nas árvores plantadas em alguns terrenos rústicos localizados no … - ….r – Paredes, descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os números 1659, 1811 e 1812 (Todos da Freguesia de …), pertencentes ao ofendido C…, com valor não concretamente apurado, mas de não inferior a €255 (duzentos e cinquenta euros).

  7. Como o arguido não é madeireiro e não dispunha de material próprio para o corte e transporte da madeira, decidiu contratar os serviços de D…, madeireiro de profissão, o que fez, dizendo-lhe que tinha feito negócio com as árvores que existiam no terreno sobredito, e que pretendia proceder ao seu corte para posterior venda da madeira, e que não dispunha de dinheiro para pagar-lhe o serviço, propondo-lhe que o pagamento fosse efectuado com a entrega de parte da madeira que fosse sendo cortada, numa percentagem de cerca de 50%, o que D… aceitou, por ter ficado convencido de que o arguido estava a dizer a verdade.

  8. Assim, na sequência dos supra referidos factos, durante cerca de três semanas antes de 27/05/2015, e no próprio dia 27/05/2015, cerca das 18H30, D…, procedeu ao corte de diversas árvores, essencialmente eucaliptos e alguns pinheiros, ambos em número não concretamente determinado, cujo peso global não foi possível apurar, mas que seria de pelo menos cerca de 100 (cem) toneladas, que transportou em cerca de 50% para um estaleiro pertencente ao arguido, fazendo seus os remanescentes 50%.

  9. Bem sabia o arguido que tal terreno e árvores não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu dono, e ainda que ao proceder da forma descrita causava, como efectivamente causou, ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado, mas de pelo menos €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

  10. O arguido agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, mas apesar de o saber, quis actuar da forma descrita, com o objectivo de se apropriar, como efectivamente se apropriou, da supra referida quantidade de madeira, e dela dispor como se fosse coisa sua.

    - Constantes da Contestação, com relevo para a decisão a proferir: 6. O arguido, na altura dos factos, trabalhava como motorista.

  11. O arguido e o D… combinaram entre si, que cada um ficava com metade da madeira.

  12. O arguido nunca disse ser o proprietário do terreno referido no ponto 1. dos factos provados.

    - Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que: 9. Do CRC do arguido consta: - em 15.10.2013, pela prática em 11.11.2012, de um crime de ofensa à integridade física, uma condenação na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €6.

    - Quanto à situação económica, familiar, social e profissional do arguido provou-se que: 10. O arguido é motorista de pesados, contudo desempregado desde Maio/Junho 2015; da actividade relacionada com limpeza de mato e compra e venda de madeira aufere entre 600 e 700 euros por mês; reside com a esposa, empregada refeitório, que aufere mensalmente 130 euros, e com os seus dois filhos, com 19 e 17 anos de idade, respectivamente; vive em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a 120 euros; tem um veículo automóvel de marca mercedes, modelo 190, do ano de 1984, a gasóleo; tem o 4º ano de escolaridade.

    1.2. Factos Não Provados - Constantes da acusação pública: A. Nas circunstâncias referidas no ponto 2. dos factos provado o arguido disse a D… que era proprietário dos terrenos referidos no ponto 1. dos factos provados.

    - Constantes da Contestação, com relevo para a decisão a proferir: B. O ofendido solicitou ao arguido que procedesse à limpeza do terreno melhor identificado no ponto 1. dos factos provados, nomeadamente procedesse ao corte de árvores e, em contrapartida por esse trabalho, combinaram que o arguido ficaria com as árvores que cortasse.

    1. O ofendido disse ao arguido que precisava que o terreno ficasse limpo e sem árvores até meados de Agosto, pois já o tinha vendido.

    2. O arguido solicitou ajuda a D…, pois este já conhecia o ofendido há vários anos.

    3. D… sabia a quem pertencia o terreno identificado no ponto 1. dos factos provados.

    Os demais factos alegados são conclusivos, correspondem a conceitos de direito ou não revestem interesse para a decisão a proferir.

    1.3. Motivação da Decisão de Facto A prova foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

    O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento globalmente considerada, destacando-se, resumidamente, o seguinte.

    Valoraram-se as declarações do arguido na parte em que confirmou os factos ínsitos nos pontos 2 e 3 dos factos provados, tendo esclarecido que contratou D… para cortar as árvores que se encontrassem no terreno melhor id. no ponto 1º...

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