Acórdão nº 5219/17.2T8VNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5219/17.2T8VNG-A.P1 – 3ª Secção (apelação) Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B… intentou o presente procedimento cautelar comum contra C…, ambos melhor identificados no processo principal, com a seguinte pretensão: «(…) DECRETAR A PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA, COM DISPENSA DE PRÉVIO CONTRADITÓRIO, E ORDENAR A IMEDIATA NOTIFICAÇÃO DO REQUERIDO PARA SE ABSTER DE APROVAR, POR SI OU POR INTERMÉDIO DE REPRESENTANTE, NA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA CONVOCADA PARA AS 9H30, DO DIA 5 DE DEZEMBRO DE 2017, AS PROPOSTAS DE DELIBERAÇÃO DE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE “D…, LDA” E/OU DE AUMENTO DO SEU CAPITAL SOCIAL, CONSTANTES DAS ALÍNEAS A) E D), RESPECTIVAMENTE, DO PONTO UM, DA SUA ORDEM DE TRABALHOS, ASSIM COMO PARA PROCEDER DE MODO IGUAL, ABSTENDO-SE DE APROVAR MEDIDAS DE IGUAL NATUREZA E FINS, EM QUAISQUER OUTRAS ASSEMBLEIAS GERAIS DA MESMA SOCIEDADE, ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE VIER A SER PROFERIDA NA ACÇÃO PRINCIPAL.». (sic) Para tanto, o Requerente alegou que: - Invocou, na ação principal, uma relação de mandato sem representação estabelecida com o Requerido, nos termos da qual este, a seu pedido e no seu interesse, adquiriu e detém uma quota de €2.850,00, representativa de 57% do capital social da sociedade por quotas denominada “D…, LDA.[1]; - Alegou ali também o incumprimento, pelo Requerido, das obrigações emergentes do acordo que com ele estabeleceu e que esteve na base da transmissão, que lhe fez, de uma quota de €1.700,00, representativa de 34% do capital social de €5.000,00 da mesma sociedade; - Com base nesses pressupostos, o Requerente formulou na ação principal o pedido de: “A) ser declarada a execução específica do contrato de mandato celebrado entre o AUTOR e o RÉU, proferindo-se sentença que produza os efeitos da declaração negocial do RÉU faltoso com a consequente transferência para o AUTOR da propriedade de uma quota com o valor nominal de € 2.850,00, representativa de 57% do capital social da “D…”, e respetivo registo oficioso na Conservatória do Registo Comercial; ou, caso assim, não se entenda, “A.1) ser o RÉU condenado a dividir a quota que detém em seu nome, com o valor nominal de €4.550,00, representativa de 91% do capital social da “D…”, em duas quotas de €1.700,00 e de €2.850,00, e a transferir esta última para o AUTOR, no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, e a pagar ao AUTOR uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação; A.2) (…) “B) ser ainda o RÉU condenado a cumprir a obrigação em falta para com o AUTOR, de realizar à “D…” a prestação suplementar de capital no montante de €800.000,00 (oitocentos mil euros), no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, com a cominação admonitória de, não sendo a obrigação satisfeita nesse prazo, ser declarada a resolução do contrato de cessão da quota de 34%, e restituída a mesma ao AUTOR.” Por via da procedência da ação principal, poderá o Requerente ver-se investido na titularidade da maioria do capital social da “D…”, maioria essa que será de 57%.

Como assim, a garantia da eficácia plena da decisão final, em caso de procedência da ação principal, pressupõe e implica que a cifra do capital social da “D…” não sofra qualquer alteração, pelo menos, até ao trânsito em julgado de tal decisão, pois que qualquer aumento do capital social realizado antes da prolação da sentença final na ação principal, sem o concurso do Requerente, conduziria a que aquele, em caso de procedência da ação, visse a sua respetiva participação de 57% ou de 91% (consoante a situação que se vier a verificar) substancialmente reduzida.

O Requerido vai promover um aumento do capital social da “D…”, dos atuais €5.000,00 para €115.000,00, a realizar exclusivamente por novas entradas de dinheiro, pelo que, desse aumento resultará que a quota de €2.850,00 que o Requerente reclama como sua e pede ao tribunal que o reconheça como legítimo titular, representativa de 57% da atual cifra do capital social da sociedade, ficará reduzida à ínfima percentagem de 2,478%. É este o propósito do Requerido: assegurar uma posição maioritária e de total domínio na sociedade “D…” em caso de posterior decaimento na ação principal instaurada contra ele pelo Requerente.

Conclui o Requerente pela existência de fundado receio de que o Requerido, com a aprovação do aumento de capital social da “D…”, que propõe e pretende levar a cabo, cause lesão grave e de difícil reparação ao seu direito, uma vez que o mencionado aumento de capital social da “D…” determinará a redução, de 57% para 2,478%, da participação que reclama como sua na ação principal e, consequentemente, anulará todos os efeitos de uma sentença que lhe venha a ser favorável, o mesmo se aplicando à medida de dissolução da sociedade que é objeto da proposta da alínea a), do Ponto Um da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária da “D…”, convocada para as 9H30 de 05.12.2017.

No dia 15.1.2018, o tribunal proferiu despacho liminar de indeferimento deste requerimento inicial por manifesta improcedência do pedido, ao abrigo do disposto art.ºs 226º, nº 4, al. b) e 590º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.

Para o efeito, alinhou, aqui resumidamente, os seguintes motivos essenciais: a) A não verificação dos requisitos da providência especificada de suspensão de deliberações sociais não pode ser superada por uma medida cautelar não especificada mas com objetivos semelhantes; b) Há inutilidade superveniente do procedimento no que concerne à primeira parte do pedido, por ter sido ultrapassada a data designada par a realização da Assembleia Geral Extraordinária, convocada para o dia 5 de dezembro de 2017; c) O eventual direito de propriedade de uma quota com o valor nominal de € 2.850,00, atualmente representativa de 57% do capital social da sociedade D…, Lda., a adquirir por força da decisão final a proferir na ação principal, não confere ao Requerente o direito de interferir na sociedade à qual é alheio, através de uma limitação do direito de voto do Requerido.

Notificado daquela decisão, o Requerido deduziu oposição ao procedimento e recorreu da decisão.

Na apelação, formulou as seguintes CONCLUSÕES: «1.

A acção principal de que a presente acção cautelar comum é dependente e constitui seu apenso, é uma acção constitutiva de direito, já que da sua procedência resultará a investidura no Requerente da titularidade da maioria do capital social da “D…”, maioria essa que será de 57% ou de 91%, consoante se verifique apenas a procedência do pedido formulado na alínea A) ou, subsidiariamente, em A.1.) — com atribuição da propriedade da quota de €2.580,00, que reclama como sua —, ou, também, a procedência do pedido formulado na alínea B) — com a atribuição da quota de € 1.700,00, que cedera ao Requerido; 2.

A decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial tomada em 1.ª Instância (quanto à segunda parte do pedido nele formulado) assenta numa abordagem errada da pretensão cautelar do Recorrente e do enquadramento que lhe dá em sede de direito adjectivo, inquinando-a com o vicio de violação lei; 3.

Resulta a contrario do Princípio da legalidade das formas procedimentais, plasmado no art.º 546.º, n.º 2, do CPC, e de que o art.º 362.º, n.º 3, do mesmo código, constitui uma manifestação em sede de procedimento cautelar, que só pode solicitar-se uma providência cautelar atípica e, naturalmente, dar-se início a um procedimento cautelar comum, quando se pretenda prevenir o risco de lesão excluído dos limites materiais de algum dos procedimentos cautelares típicos ou especificados; 4.

Nos termos do n.º 1, do art.º 380.º do CPC, o procedimento cautelar para suspensão de deliberações sociais tem como fim especifico evitar a execução de deliberações nulas ou anuláveis, por violação da lei, dos estatutos, tratando-se de associações, ou do contrato social, tratando-se de sociedades estando reservado ao sócio de uma sociedade (ou associação ou fundação) como meio de se opor a qualquer deliberação social ilegal.

  1. Entre outros, são condições de exercício da acção cautelar de suspensão de deliberações sociais (nas sociedades), em primeiro lugar, que o requerente seja sócio da sociedade, e em segundo lugar, que a sociedade tenha tomado uma deliberação, uma vez que a suspensão de deliberações sociais só pode incidir sobre deliberações já tomadas e não sobre deliberações a serem tomadas, isto é, futuras ou eventuais; 6.

    O Recorrente está impedido de recorrer a tal medida cautelar para defesa do seu direito ameaçado por não ser sócio da sociedade e, além do mais, não existir ainda uma deliberação tomada que possa ou mereça ser impugnada; 7.

    O que o Recorrente quer evitar é que uma deliberação social de aumento do capital social da “D…” possa ser tomada antes de decidida a acção principal que tem em curso contra o Requerido, onde pede que lhe seja reconhecida a titularidade de uma participação de 57% no capital social dessa sociedade, sendo que uma eventual deliberação dessa natureza representa, em si mesmo, a ameaça à realização do seu direito à propriedade da referida participação social.

  2. Não detendo a qualidade sócio e querendo apenas impedir a tomada de deliberações futuras (mesmo eventuais) de aumento do capital social da sociedade “D…”, que o Requerido, enquanto detentor de uma quota representativa de 91%, pode promover por si só, a todo o momento, mesmo sem o concurso dos votos dos demais sócios, só por via de uma acção cautelar comum poderá o Recorrente obter a tutela do seu direito à titularidade de uma quota de €2.580,00, representativa de 57% do capital social da dita sociedade e, assim, afastar a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável que uma deliberação daquela natureza representará para o seu direito, ameaça essa, aliás, bem actual e permanente, atenta a...

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