Acórdão nº 1255/16.4T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 1255/16.4T8VFR.P1 [Comarca de Aveiro / Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório:B…, contribuinte n.º ………, e C…, contribuinte n.º ………, residentes em …, Santa Maria da Feira, por si próprios e em representação da sua filha menor D…, instauraram acção judicial contra E…, motorista, contribuinte n.º ………, F…, vigilante/acompanhante, contribuinte n.º ………, ambos com domicílio profissional em Albergaria-a-Velha, e G… S.A.

, pessoa colectiva n.º ………, com sede em Albergaria-a-Velha, terminando a petição inicial pedindo a condenação solidária dos réus a pagar aos autores a quantia de €20.000,00 a título de indemnização por danos morais.

Para o efeito, alegaram que a sociedade ré realiza mediante contrato celebrado com a Câmara Municipal o transporte das crianças para escolas e infantários; no dia 11 de Novembro de 2014, pela manhã, a autora B… colocou a sua filha D… no autocarro da ré conduzido pelo 1.º réu e no qual o 2.º réu exercia as funções de acompanhante/vigilante; estes, em vez de entregarem a criança no infantário a que se destinava deixaram-na abandonada no interior do autocarro, o qual foi estacionado junto da via pública com a porta da frente aberta, tendo a criança permanecido sozinha no autocarro até ao final da manhã quando a mãe a procurou para levar para casa e deu pela sua falta; a criança e os pais sofreram, em consequência dessa situação, danos não patrimoniais cujo ressarcimento reclamam na acção.

O réu E… contestou alegando que era ao vigilante e não a si, motorista, que incumbia vigiar as crianças, que ignora se, no dia 11 de Novembro de 2014, a autora colocou a sua filha no autocarro, que nesse dia estava a conduzir um veículo diferente com crianças com as quais não estava familiarizado, que quando imobilizou o veículo confiou que o vigilante tenha retirado todas as crianças, que o veículo ficou estacionado numa estação de abastecimento de combustível com a porta dianteira aberta e ninguém se apercebeu da presença da menor.

O réu F… contestou, alegando que a sua função era apenas recolher as crianças nos pontos de paragem, vigiá-las durante o transporte e deixá-las nos estabelecimentos de ensino, que ignora se a autora colocou a sua filha no autocarro no dia 11 de Novembro de 2014, que nesse dia o veículo transportava crianças com as quais não estava familiarizado, que nem ele nem o motorista se aperceberam de ter ficado qualquer criança no autocarro.

A ré sociedade contestou, alegando que cumpriu com as regras relativas ao transporte colectivo de crianças, que desconhece se corresponde ou não à verdade que, no dia 11 de Novembro de 2014, a autora colocou a sua filha no autocarro, que o motorista e o vigilante cumpriram com os seus deveres, que os pais não têm direito a serem indemnizados.

Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando os réus, solidariamente, a pagar à menor D… a indemnização de €1.500,00 e à mãe B… a indemnização de €2.000,00, ambas acrescida de juros civis desde a data da sentença até integral pagamento.

Do assim decidido, a sociedade ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1] Há erro na apreciação da matéria de facto - isto nunca pondo em causa o princípio da livre apreciação das provas pelo Tribunal - pois, segundo a opinião da Apelante - e salvo o devido respeito e vénia - não foi dada a resposta que as provas produzidas impunham.

2] Pelo que considerar como provados os factos 6º e 7º, é não dar-se a resposta adequada face à prova produzida em audiência de julgamento, e que não tem um mínimo de correspondência com a mesma prova produzida e com a verdade dos factos, e é ainda não se fazer uma aplicação correcta do ónus da prova.

3] Com efeito, considerar-se tal é não ter em consideração que, competindo aos autores o ónus da prova dos factos por si carreados para o processo, nenhuma prova foi feita, e a eles lhes competia, que, no dia 11 de Novembro de 2014, a autora mãe, colocou a sua filha no autocarro da mencionada empresa, com a matrícula .. – BM - .., por volta das 8h40, numa paragem perto da Rua … em …, residência nessa data dos autores, para daí, o autocarro fazer o percurso para o Infantário H… em … e que a mesma ficou à responsabilidade do motorista e do vigilante.

4] Por isso, deve ser alterada a decisão dada sobre os factos 6º e 7º e os mesmos considerados como não provados; 5] De igual modo, considerar como provado o facto 23º, é não dar-se a resposta adequada face à prova produzida em audiência de julgamento, e que não tem um mínimo de correspondência com a mesma prova produzida e com a verdade dos factos, não ter em consideração o depoimento da testemunha I… e é ainda não se fazer uma aplicação correcta do ónus da prova.

6] Esta testemunha é peremptória em esclarecer, que a menor D… não sentiu susto, insegurança e medo.

7] Por isso, deve ser alterada a decisão dada sobre o facto 23º e o mesmo considerado como não provado.

8] A decisão sobre a matéria de facto que considerou os supracitados factos como provados deve ser anulada e alterada por esse Tribunal da Relação - dado que existem os circunstancialismos constantes do artº 662º do Cód. Proc. Civil - que lhes deverá dar as respostas acima enunciadas.

9] Devendo ser considerados como não provados, que, na opinião da Apelante - e salvo o devido respeito e vénia - as provas produzidas impõem.

10] No presente caso, o Mº Juiz a quo não fez uma correcta aplicação da Lei, da Justiça e do Direito, tendo violado as normas jurídicas e a lei, nomeadamente: artºs 8º, 9º, 342º, do Cód. Civil; artºs 152º, 607º e 615º do Cód. Proc. Civil - com as quais se devia conformar.

11] E o Mº Juiz ao proferir a sentença terá de interpretar correctamente a lei aplicável ao caso sub judice. Não o fez, e, daí ter considerado parcialmente procedente por parcialmente provada a presente acção - quando em face dos factos provados - tal decisão terá de ser ao contrário.

12] Face aos factos que se tem de considerar provados - ter-se-á de considerar improcedente a presente acção - na sua totalidade.

13] Assim, na apreciação da prova o tribunal "a quo" violou as regras da prova, nomeadamente o disposto nos artigos 414º, 607º, nº 4 e 5 do CPC e os artigos 342º, e 376º ambos do CC.

14] O Mº Juiz a quo não interpretou e aplicou correctamente as normas jurídicas correspondentes ao caso sub judice - face à constatação dos factos considerados provados, violando a lei.

15] Nos presentes autos o Tribunal recorrido condenou, solidariamente, os réus a indemnizar a autora B… no valor de €2.000,00, pelos danos não patrimoniais que esta diz ter sofrido com o facto de os demandados terem sido responsabilizados por terem deixado esquecida a sua filha menor, por umas horas, dentro de um autocarro.

16] Ou seja, o Tribunal recorrido considerou indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial sofridos por um familiar da vítima directa da conduta geradora de responsabilidade civil extracontratual, ao arrepio da letra da lei.

17] Entendimento este que não sufragamos no caso concreto e que aqui impugnamos.

- Como é sabido, a respeito dos danos não patrimoniais, o Estudo/Projeto do Código Civil de Vaz Serra, incluía, no artigo 759.º, o § 5 (que se pode ver no BMJ, n.º 101, página 138), assim redigido: "No caso de dano que atinja uma pessoa de modo diferente do previsto no § 2.º, têm os familiares dela direito de satisfação pelo dano a eles pessoalmente causado. Aplica-se a estes familiares o disposto nos parágrafos anteriores; mas o aludido direito não pode prejudicar o da vítima imediata." - Este texto não passou para o Código Civil, sendo ignorado nos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º - No n.º 3 (agora n.º 4) deste último consignou-se mesmo que: "... no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior." 18] Face ao constante do projecto e, bem assim, ao acabado de transcrever, podemos mesmo inferir que a lei trouxe consigo a opção consciente pela recusa relativamente à tutela de direitos não patrimoniais de pessoa diferente vítima, quando esta se mantém viva.

19] Do disposto nos arts. 483º, 495º, nº 2 e 496º, nº 2, todos do Cód. Civil, resulta a regra de que a ressarcibilidade dos danos está reservada aos danos directos sofridos pela vítima da conduta do lesante, salvo as excepções fixadas no nº 2 do artigo 495º referido, aplicável quer em caso de morte da vítima quer em caso de simples lesão corporal não mortal, e salvo o caso de morte da vítima, segundo o previsto no nº 2 do artigo 496º mencionado.

20] Destas disposições resulta, em nosso entender, que apenas nessas situações excepcionais ali previstas, a lei permite o ressarcimento destes danos de terceiros, sendo a regra a da não ressarcibilidade destes danos de terceiros que decorrem indirecta ou reflexamente dos danos causados à vítima directa.

21] A entender-se da forma oposta, ficava sem razão de ser a previsão da ressarcimento constante do nº 2 do artigo 495º referido, pois tal já estaria contido na regra geral da ressarcibilidade de todos os lesados quer fossem lesados directos quer reflexos.

22] Poder-se-ia dizer que o citado preceito apenas visava delimitar as pessoas a quem a lei atribui esse direito.

23] Não é essa a nossa opinião pois a interpretação oposta impõe-se com o recurso ao elemento de interpretação histórico.

24] Com efeito, conforme se pode ver no Boletim do Ministério da Justiça, nº 101, pág. 138 e segs., o Prof. Vaz Serra que interveio activamente nos trabalhos preparatórios do Cód. Civil de 1966, formulou uma norma que previa clara e directamente a ressarcibilidade daquele tipo de danos, no § 5 da proposta de redacção oferecida para o art. 759º da parte do Direito das Obrigações daquele código, preceito este que não passou para o texto...

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