Acórdão nº 314/16.8GBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 314/16.8GBAMT Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I – Relatório:Nestes autos de processo comum coletivo com o número acima referido que correram termos no Tribunal da Comarca de Porto Este, Juízo Local Criminal de Amarante, em que é arguido, B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença de 10 de maio de 2017, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):«III – DECISÃO

  1. Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz um total de € 1.120 (mil e cento e vinte euros); b) Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's; c) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado nos autos, e, em consequência, condenar o demandado B… a pagar ao demandante C…, a quantia total de €605,22.

    d) Sem custas cíveis, atento o disposto no art.º 4.°, n.º 1, al. n) do RCP.».

    Inconformado com a decisão proferida dela veio o arguido interpor recurso extraindo da sua motivação (fls 168 a 179) a seguinte síntese conclusiva (transcrição):«CONCLUSÕES:Da matéria de facto:

    1. Não se conforma o arguido com a decisão que recaiu sobre a matéria de facto uma vez que entende que deveria ter sido dada como não provada a factualidade constante dos pontos 1.º, 2.º 3.º e 4.º da matéria de facto provada, tendo o Tribunal errado na apreciação da prova.

    2. O Tribunal a quo formou a sua convicção quanto à veracidade dos factos constantes no ponto 1.º supra fundamentalmente nas declarações da testemunha E…, por considerar o seu depoimento credível, porque espontâneo, sincero e desinteressado, na medida em que não tinha qualquer motivação para imputar os factos ao arguido se não tivesse a certeza que este era o autor, pois não se conheciam, nem tinha nada contra o mesmo, e por outro lado porque circunstanciado e sereno, sem efabular o que diz ter acontecido.

    3. A medida do valor da prova prestada por depoimento mede-se em credibilidade, factor que será composto pelos seguintes subfactores: - seriedade (boa motivação da testemunha para depor); - isenção (falta de interesse na causa); - razão de ciência (fonte de conhecimento dos factos); - coerência lógica: a) interna (depoimento confrontado consigo mesmo) e b) externa (depoimento confrontado com os demais), sendo no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspectos com o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes).

    4. O depoimento da testemunha E… não preencheu os referidos subfactores, não sendo pois merecedor de credibilidade.

    5. Na verdade, a testemunha tem um interesse notório no desfecho da causa, na medida em que, sendo casado com a ofendida em regime de comunhão de adquiridos, e portanto pertencendo-lhe o veículo danificado, pode obter o ressarcimento dos alegados danos, o que influi sempre na valoração das suas declarações, faltando-lhe, pois, isenção.

    6. Foi notório que não viu quem causou os danos, mas porque pretende que alguém seja responsabilizado pelos mesmos, tentou incriminar a pessoa constituída arguida no processo, inventando e deturpando factos para o efeito, sendo o seu depoimento repleto de incoerências internas.

    7. Diz (de minutos 00:00:35 a 00:01:05 e de minutos 00:22:00 a 00:22:38, da faixa única do registo de gravação do seu depoimento produzido na audiência de julgamento, conforme acta de 29/03/2017) que a primeira vez que viu o arguido foi no Tribunal.

    8. Resulta destas declarações que a testemunha não viu o arguido a praticar os factos, porque, se o tivesse visto, espontaneamente diria que a primeira vez que o viu foi no local dos factos. Mas não é assim: por duas vezes espontaneamente diz que a primeira vez que o vê é no Tribunal.

    9. Ao longo das suas declarações (de minutos 00:03:10 a 00:04:02, 00:04:08 a 00:04:14, 00:04:15 a 00:04:32, 00:09:42 a 00:09:45, 00:14:10 a 00:14:19, 00:14:26 a 00:14:47, 00:24:35 a 00:24:50), a testemunha espontaneamente conjuga sempre os verbos no plural quanto ao cometimento dos factos, nunca os descrevendo espontaneamente como tendo sido praticados pelo arguido mas por um conjunto de pessoas, apenas os imputando ao arguido quando com tal é confrontado, sendo de referir que, como resulta da prova produzida nos autos e consta da douta sentença, no local dos factos havia centenas de pessoas a comemorar a vitória do Benfica no campeonato nacional.

    10. O que se retira do depoimento da testemunha é que não viu que o arguido lhe tivesse danificado o carro, o que viu foi várias pessoas a danificar-lhe o carro, não sendo nenhuma delas o arguido, se é que fixou sequer algum rosto no meio da confusão.

    11. E, no meio de tanta efabulação, a testemunha vai confundindo a história que compôs para que alguém seja condenado pelos danos causados no veículo, pois diz ao longo do seu depoimento que não viu o arguido a dar um pontapé na mala do veículo (apenas o teria visto a abrir as portas da frente do veículo), porém, de minutos 10:00 a 10:39, quando perguntado se o reconheceu o arguido quando foi depor ao Tribunal, a testemunha diz "quando o vi, vi que foi o mesmo indivíduo que me deu uma patela atrás", esquecendo-se pois que o que viu foi um abrir e fechar de portas e não um pontapé na mala.

    12. Mais, a testemunha descreve a dinâmica dos factos que afirma ter visto - ou seja, do abrir e fechar violento das portas da frente do veículo -, de forma contraditória (de minutos 00:04:34 a 00:04:41 e de minutos 00:28:00 a 00:29:00): começou por dizer que o arguido abriu a porta do veículo do lado do condutor e depois passou para o outro lado e abriu a porta do veículo do lado do passageiro, depois alterou a dinâmica dos acontecimento e passou a dizer que o arguido passou por cima do capô.

    13. Ora, as duas versões da dinâmica dos factos trazidas aos autos pela testemunha são incompatíveis: ou o arguido deu a volta ao veículo para aceder à porta do passageiro, ou o arguido passou por cima do capô. E se o arguido tivesse passado por cima do capô, o natural seria que a testemunha tivesse logo em primeiro lugar dado essa versão aos autos, tanto mais quando daí, segundo a testemunha, resultaram danos no capô.

    14. Tal permite concluir que os factos são ficcionados pela testemunha, dando esta versões do seu desenrolar diferentes e incompatíveis entre si.

    15. Acresce que se o capô do veículo, por causa de o arguido passar por cima dele, ficou com umas mazelas, não condiz com a regras da normalidade do acontecer que a testemunha tenha feito reparar outras mazelas no veículo e não tenha mandado pintar o capô.

    16. Acresce que os factos aconteceram após um jogo de futebol num ambiente festivo, numa praça da cidade onde a população costuma fazer comemorações espontâneas, sendo que segundo a testemunha, no momento dos factos, estariam no local dezenas de pessoas, quando consta do exame crítico da prova constante da douta sentença que estariam centenas de pessoas, valorando as declarações do arguido e as fotografias juntas na audiência de julgamento de 28/04/2017.

    17. Resulta do exposto supra que as declarações da testemunha não merecem credibilidade e não podem por isso fundar a decisão da matéria de facto provada quanto ao abrir e fechar de portas do veículo que a testemunha diz ter presenciado.

    18. Também não poderia o Tribunal a quo ter fundado a decisão da matéria de facto provada quanto à pancada na mala do veículo, porque, para além de a testemunha não merecer credibilidade, a própria testemunha diz não ter presenciado tal facto mas sim um terceiro, testemunha nestes autos que não foi ouvida.

    19. Dispõe o artigo 128.º n.º 1 do CPP que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e constituam objecto da prova.

    20. Uma testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata, e não intermediada, através dos seus próprios sentidos.

    21. Dispõe o artigo 129.

      9 n.

      9 1 do CPP que se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor, sendo que se não o fizer o depoimento produzido não pode servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

    22. A testemunha C…, como refere a douta sentença e se disse supra, disse não ter visto quem se dirigiu à traseira do carro e lhe desferiu um violento pontapé na mala, e diz a testemunha D… terá presenciado o arguido a dirigir-se à traseira do veículo e a dar o pontapé na mala.

    23. É assim inquestionável que o depoimento da testemunha E… é um depoimento indirecto.

    24. Diz o Tribunal a quo que a testemunha D… se encontra a residir em local desconhecido da Zâmbia e por tal facto valorou o depoimento da testemunha E… como meio de prova por se enquadrar na terceira das identificadas excepções previstas na supra referida norma legal, a saber, a impossibilidade da testemunha ser encontrada.

    25. Essa terceira excepção não se encontra verificada.

    26. De facto, o que existe nos autos sobre o paradeiro da testemunha é a fls 60 um requerimento datado de 2/2/2017, subscrito por F… que se identifica como esposa da testemunha D…, informando que aquele se encontrava a trabalhar na Zâmbia pelo que não poderia comparecer na audiência de julgamento designada para o dia 13 de Março de 2017, sem contudo juntar qualquer prova do alegado.

      A

    27. Também, como consta da acta da audiência de julgamento de fls. 71, por informação telefónica obtida junto da GNR G…, a testemunha D… não foi notificada por se encontrar ausente na Zâmbia, segundo informação obtida junto da esposa, ou seja, novamente junto da mesma pessoa.

      BB) Ora, cremos que pretendendo-se ouvir a testemunha D… ou valorar o depoimento indirecto da testemunha E…, deveria...

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