Acórdão nº 2528/15.9T8PRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2528/15.9T8PRD.P1 (apelação) Comarca do Porto Este - Inst. Local Cível de Paredes Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.[1] B..., solteira, residente na Avenida ..., s/n, em ..., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra C..., SA, com o NIPC ......... e sede na Avenida ..., nº ., ..º andar, Lisboa, alegando, essencialmente, que no dia 18 de junho de 2015, quando o seu veículo ligeiro estava a ser conduzido por D... numa via pública, surgiram um odor e um ruído estranhos no interior do mesmo a que se seguiu um incêndio que se alastrou por todo o automóvel, causando danos no valor de € 16.892,75.

A R. responsabilizou-se pelos danos causados pelo incêndio, mas, por ser o custo da reparação superior ao valor do capital seguro (€ 14.886.40), iria o ressarcimento dos danos ser feito em dinheiro por “perda total” do veículo, tendo, para tal, apresentado como valor de ressarcimento a quantia de € 14.195,67, resultante do cálculo feito com dedução ao valor do capital seguro dos valores do carro depois do sinistro (salvado) e da franquia acordada no contrato de seguro, respetivamente, € 400,00 e € 290,73.Posteriormente, a R. recusou a indemnização por não aceitar a forma como o acidente se deu.

O veículo está imobilizado desde o dia 18 de junho de 2015 (data do acidente), sendo imprescindível para as deslocações da A. e de seu irmão, privação esta que estima em € 25,00 por dia, atendendo ao preço diário do aluguer de um automóvel ligeiro, de gama inferior ao seu, o que perfaz, até 31 de outubro de 2015, a quantia de 3.375,00. Acresce a quantia de € 5,00 por cada dia de depósito do veículo na oficina E..., Lda., em Vila Real.

Acrescenta que, dado o contrato de seguro celebrado entre ela e a R., assiste-lhe o direito de exigir dela a quantia peticionada de € 18.370,67 (pela perda total do veículo segurado e pela privação do uso da mesma) e, bem assim, os juros moratórios contados desde 18 de junho de 2015, até integral e efetivo pagamento.

Termina com o seguinte pedido[2]: «Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser a R. condenada a pagar à A., a título de danos patrimoniais, a quantia de € 17.970,67 pela perda total do veículo segurado e pela privação de uso do mesmo veículo, apurado até 30 de Outubro de 2015, actualizada esta última em sede de sentença final, quantias estas a que devem ser acrescidos juros legais desde 18 de Junho de 2015, data do acidente, até integral e efectivo pagamento, bem como, condenada no que se vier a apurar pelo depósito do veículo sinistrado, em custas de parte e procuradoria condigna.

» (sic) Citada, a R. contestou a ação, alegando designadamente que não foram identificados vestígios que permitam estabelecer uma relação direta entre o incêndio e algum sistema do veículo, nem se detetou qualquer indício de falha elétrica acidental que pudesse ter originado o incêndio, mais invocando a cláusula 4ª, al. b), das Condições Gerais, referente às Coberturas Facultativas do Seguro Automóvel, pelo que impugnou grande parte da matéria de facto alegada pela A., concluindo pela improcedência da ação.

*Teve lugar a audiência prévia, onde se retificou o pedido da ação, proferiu saneador tabelar, se definiu o objeto do processo e os temas de prova, se admitiram as provas e se designou data para a realização da audiência final.

Após vicissitudes várias, concluiu-se audiência de julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condena-se a R. a pagar à A. as seguintes quantias: a) € 14.188,68 (catorze mil cento e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos) a título de danos causados ao veículo da A., acrescida de juros de mora à taxa legal desde 15/07/2015 até efectivo e integral pagamento; b) € 10.000,00 (dez mil euros) pela privação do uso do veículo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.

Custas a cargo da R. (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC).

»*Inconformada, recorreu a R., de apelação, em matéria de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1 – Entende a ré, que a sentença proferida no Tribunal “a quo” enferma de erros que precisam de ser corrigidos.

2 – Relativamente à indemnização do dano patrimonial decorrente da privação do uso, entende a ré (ora recorrente) que ela inexiste no caso concreto dos presentes autos.

3 – O contrato de seguro vale nos precisos termos em que foi celebrado (de acordo com as coberturas facultativas que expressamente foram contratadas e que constam mencionadas na respectiva apólice).

4 – A autora apenas contratou as coberturas facultativas descritas nas condições particulares que figuram no contrato de seguro titulado pela apólice 34/....... que está nos autos.

5 – No caso concreto dos presentes autos foi contratada a cobertura facultativa para o risco pelo incêndio, raio ou explosão do veículo automóvel com a matrícula ..-EU-.. pelo valor de € 14.886,40, deduzindo o valor da franquia de € 290,73 e deduzindo também o valor que for atribuído ao veículo no caso de sinistro.

6 – Esta cobertura não abrange, por não ter sido contratada, a condição especial correspondente às despesas ou indemnização resultantes da privação de uso do veículo seguro.

7 – A própria Lei determina a exclusão da privação do uso – nomeadamente, os números 2 e 3 do artigo 130º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.

8 – Ao abrigo do contrato de seguro de danos próprios, a ré não tem de restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 552º do Código Civil), pois apenas está obrigada a entregar à beneficiária (autora) o montante do dano decorrente do sinistro, que está limitado ao capital contratado.

9 – Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o valor a entregar à autora seria, no caso concreto dos presentes autos, de € 14.195,67 [correspondente à quantia de € 14.886,40 (capital seguro contratado) menos a quantia de € 290,73 (valor da franquia) e menos € 400,00 (valor do salvado)].

10 – Impõe-se, assim, a correcção na douta sentença recorrida do valor do dano patrimonial causado ao veículo com a matrícula ..-EU-.., por forma a que ele deixe de ser € 14.188,68 e passe a ser de € 14.195,67.

11 – Tendo a autora indicado que a quantia € 17.963,68 (cfr., audiência prévia) era o valor do seu pedido, a douta sentença viola o disposto no artigo 609º, nº 1 do Código de Processo Civil.

12 – A condenação fixada na douta sentença recorrida (€ 24.188,68) é cerca de 35% superior ao valor do pedido.

13 – Deve ser eliminada a verba indemnizatória da douta sentença recorrida de € 10.000,00, porque – além do mais acima referido – a própria Lei determina a exclusão desta verba indemnizatória (cfr., números 2 e 3 do artigo 130º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril).

14 – Tendo em conta a matéria de facto provada e não provada, bem como a matéria de Direito, deve ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra em que a condenação da ré não poderá ser superior à quantia de € 17.963,68.» (sic) Entende assim a recorrente que deve ser proferido acórdão que revogue a sentença e condene a R. apelante em quantia não superior a € 17.963,68.

*A A. ofereceu contra-alegações, onde defende: 1. Como recurso subordinado, a condenação da R. como litigante de má fé, caso o seu recurso seja julgado procedente, ao abrigo do art.º 633º do Código de Processo Civil.

  1. Violação do princípio da boa fé e de um dever acessório de prestação por parte da recorrente, ao negar a atribuição da indemnização depois de ter assumido a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente, sendo responsável pelos danos decorrentes da privação do uso do veículo pela proprietária. Se a Recorrida tivesse recebido o valor (que esta aceitou em sede de pré-contencioso), teria dinheiro para alugar ou comprar um veículo para as suas deslocações diárias para o trabalho.

    Concluiu que a sentença recorrida deve ser confirmada, “ressarcindo-se assim o lesado pelas consequências da privação do uso do veículo de forma equitativa e proporcional, ou caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, deve o mesmo ser condenado em má-fé” (sic).

    *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II.

    O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação da R., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil[3]).

    Há que apreciar ainda o recurso subordinado da R, relativo à litigância de má fé da A.

    Em sede de apelação, somos chamados a decidir os seguintes temas: 1. O contrato de seguro facultativo e o direito a indemnização por privação do uso do veículo sinistrado.

  2. Violação do princípio da proibição da condenação ultra vel petitum.

    Quanto ao recurso subordinado, apresentado pela A.: 1. Condenação da R. como litigante de má fé.

    *III.

    É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância: A) No dia 18 de Junho de 2015, cerca das 15 horas, na saída da auto-estrada número 4 (A4) de .../..., ocorreu um acidente no qual foi interveniente o veículo ligeiro ALFA ROMEO, de matrícula ..-EU-.., propriedade da ora A., que resultou de incêndio; B) No momento do acidente, o veículo estava a ser conduzido por D..., portador do cartão de cidadão número ............ e residente na Rua ..., nº .., ....-... ...; C) De imediato foi contactado o número de emergência para que fosse enviado uma viatura de bombeiros para extinguir o fogo, tendo sido enviado para o local 11 elementos da corporação de...

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