Acórdão nº 108/13.2TALSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2018

Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 108/13.2TALSD.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório 1.1. B…, LDA., assistente devidamente identificada nos autos de instrução acima referenciados, inconformada com a decisão instrutória de não pronúncia, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, por entender que a prova indiciária resultante dos autos deveria ter levado à pronúncia dos arguidos.

1.2. Em suma, entende que cabia à “C… SA” e seus administradores, na qualidade de cabeça do consórcio, receber o preço dos serviços realizados e entregar à recorrente (assistente) aquilo que era a sua quota de obras e serviços. Ora, apesar de aquela empresa ter recebido o preço desses serviços, não o entregou à assistente, tendo-se apropriado, assim, ilegitimamente do mesmo.

1.3. O MP pugna pela improcedência do recurso, por entender que os factos em causa nos autos não indiciam a prática de um crime de abuso de confiança, por não ter havido inversão do título da posse.

1.4. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

1.5. Deu-se cumprimento ao disposto no art 417º, 2 do CPP.

1.6. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência2. Fundamentação 2.1 Matéria de factoA decisão recorrida é do seguinte teor (transcrição).

“Declaro encerrada a instrução Relatório: A Digna Magistrada do Ministério Público, findo o inquérito, proferiu despacho de arquivamento dos autos por considerar não existirem indícios suficientes da prática de ilícito criminal, nomeadamente de crime de abuso de confiança qualificada, pº e pº, pelo artigo 205º, n.º1 e 4 do Código Penal, tal como decorre de fls. 897 a 902 dos autos.

A assistente, B…, Ldª, inconformado com o despacho de arquivamento dos autos, requereu a abertura da instrução considerando existirem indícios suficientes da prática pelo arguido de um crime de abuso de confiança, pº e pº, pelo artigo 205º, n.º1 e 4 do Código Penal, nos termos plasmados a fls. 930 a 940 dos autos.

Declarada aberta a instrução, procedeu-se à inquirição do representante legal da assistente, D…, à inquirição das testemunhas E… e F…, seguido da realização do correspondente debate instrutório, cumprindo os formalismos legais, tal como a ata o demonstra.

Saneador: O Tribunal é o competente.

O processo é o próprio e não são conhecidas nulidades Os sujeitos processuais encontram-se dotados de capacidade e legitimidade.

Nada obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa.

Finalidade da instrução: A instrução que tem carácter facultativo visa, in casu, a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídicos factuais do arquivamento e, assim, da decisão processual do Ministério Púbico proferir deduzir despacho de arquivamento - artigo 286º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Constitui, portanto, uma fase preparatória e instrumental em relação ao julgamento.

Assim, a prova produzida em sede de instrução tem carácter meramente indiciário, no sentido em que não se pretende através dela a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção, para a decisão de pronúncia, de que existe uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. artigos 308º, nºs 1 e 2; 283º, nº 2 e 301º, nº 3 do Código de Processo Penal), visando-se assim apurar se, em face das diligências probatórias realizadas, foram ou não recolhidos indícios suficientes da prática pelo arguido de factos que constituam crime [cfr. Germano Marques da Silva, in “Curso de Direito Processual Penal”, Editorial Verbo, 1994, páginas 182/183].

O que sejam indícios suficientes procurou o legislador definir no artigo 283°, nº 2 do Código de Processo Penal, quando estatui “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Não basta assim a existência de meros indícios para submeter um arguido a julgamento, mas é também necessário que esses indícios permitam um juízo de prognose póstuma, no sentido de haver probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança. Por outras palavras, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1/3/2005 (Processo nº 1481/04-1, acessível em www.dgsi.pt/jtre): «Para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório é necessário que sejam precisos, graves e concordantes».

Assim, «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime de que o não tenha cometido, havendo por isso uma probabilidade mais forte de condenação do que absolvição» (cfr. Acórdão de 05/06/1996 do Tribunal da Relação do Porto, disponível em www.dgsi.pt) Constitui assim, a existência de indícios suficientes, que para terem valor probatório, terão de ser precisos, graves e concordantes (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01/03/2005 acessível em www.dgsi.pt), um verdadeiro pressuposto para a prolação do despacho de pronúncia.

Conforme referido, a suficiência dos indícios está intimamente ligada com um juízo de prognose sobre a aplicação, em sede de julgamento, de uma pena ou de uma medida de segurança ao arguido, sendo que na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2002 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt/acórdãos) temos por certo que o princípio da presunção de inocência não pode ser visto como uma «presunção meramente teórica da inocência, que na prática não redunda em qualquer posição processual vantajosa para o arguido, mas o coloca ilimitadamente à disposição da acusação, a qual pouco terá de demonstrar para que o julgamento se realize».

Não é plausível que, num Estado de Direito fundado sobre o princípio da presunção de inocência, havendo dúvidas sobre a culpabilidade de uma pessoa se opte por submeter a mesma a um julgamento e, assim, quer se queira quer não, à censura pública. Por isso, entendemos que, mesmo nesta fase da instrução, há que aplicar o princípio in dubio pro reo.

Em suma, há que fazer um juízo de prognose, apreciando criticamente as provas existentes nos autos, sempre com pleno respeito pelo princípio da presunção de inocência.

Contudo, além de avaliar da existência de indícios suficientes, o Juiz de Instrução deve também aferir da verificação dos pressupostos de punibilidade no caso concreto, sendo que, como bem refere o Professor Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, pág. 170) «os mesmos fundamentos que determinam o arquivamento do inquérito, nos termos do art. 277.º, serão também causa de decisão instrutória de não pronúncia.» Enquadramento factual e jurídico: Vejamos.

O assistente imputa aos arguidos a seguinte factualidade: “G…, com os sinais melhor identificados nos autos; H…, com os sinais melhor identificados nos autos, I…, com os sinais melhor identificados nos autos, 1. A assistente dá por reproduzidos e seus, por verdadeiros, todos os factos assentes na participação criminal que deu e de onde irradiou o presente processo.

Sem prejuízo, 2. A assistente é uma sociedade comercial que tem por objecto social, sobretudo, a indústria de carpintaria, razão porque celebrou em Março de 2009 com a sociedade comercial C…, S.A., melhor identificada nos autos, um contrato de consórcio pelo qual ambas as sociedades, em empreendimento comum, se obrigaram a executar uma subempreitada numa obra para a sociedade J…, S.A.

  1. Os denunciados assumiam naquela sociedade, a C…, S.A., a qualidade de legais representantes.

  2. No âmbito do consórcio acordado, a assistente assumiu o mero lugar de consorte, cabendo à outra parte o lugar de Chefe do Consórcio, definindo-se os pagamentos a que cada um tinha direito pelo seguinte: a empreiteira geral J… S.A. pagaria à chefe do consórcio o valor a dever contra as facturas que esta emitiria contra aquela empresa, sendo que a assistente, para receber a sua quota parte, facturaria à chefe do consórcio os trabalhos realizados por si.

  3. Numa palavra, à C… S.A. e aos seus administradores cabia receber o preço dos serviços realizados e distribuir daí à assistente aquilo que era a sua quota de obras e serviços.

  4. Nesse seguimento, a assistente emitiu àquela sociedade as facturas representativas dos seus serviços, reclamando-lhe o pagamento de um valor total em dívida ascendente a 61.179,26 Euros (Factura ../2009, de 29.6.2009; Factura ../2009, de 29.6.2009; Factura ../2009, de 29.6.2009; Factura ../2009, de 29.8.2009; Factura ../2009, de 29.8.2009; Factura ../2009, de 29.11.2009; Factura ../2009, de 1.3.2011; Factura ../2009,de1.3.2011;Factura ../2009, de 1.3.2011;Factura ../2009, de 1.3.2011; Factura ../2009, de1.3.2011) 7. Em conformidade, a empresa J… S.A., no ínterim incorporada no grupo Construções K… S.A., pagou à chefe do consórcio todos os pecúnios devidos, agindo com o intuito de por isso pagar o que era a quota-parte do seu serviço, mas com isso confiando também o pagamento dos serviços realizados pela consorte B… Lda. 8. Sendo certo que a empreiteira geral pagou à chefe do consórcio a totalidade do que era devido, mais certo é que a chefe do consórcio, através dos seus legais representantes, não cumpriu, como era devido, com a obrigação de lhe entregar a parte do que era devido, e que se cifrava em 61.179,26 Euros.

  5. Esse incumprimento, se é certo que funda um inarredável direito à demanda contratual, consubstancia contudo um ilícito de jaez criminal, revestido pela lei no art.º 204.º.1 e 4 do CP: abuso de confiança.

  6. Com efeito, a sociedade C… S.A., com os seus administradores legais, retiveram na sua esfera uma quantia que não lhes pertencia e que sabiam ter de entregar à assistente.

  7. Por conseguinte, apropriaram-se ilegitimamente de uma coisa móvel, no aso dinheiro ou...

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