Acórdão nº 5615/15.0T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5615/15.0T8VNG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1 Relatora: Judite Pires 1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida 2ª Adjunta: Des. Inês Moura Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO.

  1. “B..., S.A.”, sociedade comercial anónima com sede na Av. ..., n.º .., r/c esquerdo, em Lisboa, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C..., residente na ..., n.º ...., ..., em Vila Nova de Gaia, “D..., Lda.”, sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., ..., Lojas .. a .., em Vila Nova de Gaia, e “E..., Lda.”, sociedade comercial por quotas com sede na ..., n.º ...., ...., em Vila Nova de Gaia, pedindo que seja(m): “a) Condenadas as 1ª e 3ª R.R. a proceder à imediata restituição à A. do prédio urbano sito na ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 00267/281088, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5969, livre e devoluto de quaisquer pessoas e bens; b) Declarada a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a 1ª R. e a 2ª R., por escrito datado de 30.09.2005, por simulação, e, em consequência, condenada a 2ª R. a proceder à imediata restituição à A. do prédio indicado em a); c) Em alternativa, declarada a caducidade do arrendamento celebrado entre a 1ª R e a 2ª R, por escrito datado de 30.09.2005, em virtude da venda realizada no âmbito do processo executivo e, em consequência, condenada a 2ª R. a proceder à imediata restituição à A. do prédio indicado em a); d) Ou, ainda, em alternativa, declarada validamente efectuada e eficaz a oposição à renovação do arrendamento, comunicada pela A., sendo a 2ª R. condenada a entregar o prédio à A em 30.12.2015, data da cessação de efeitos do contrato; e) Em qualquer caso, solidariamente condenadas 1ª, 2ª e 3ª R.R. a indemnizar a A. pelos prejuízos decorrentes da ocupação ilícita e não consentida do prédio referido em a), fixando-se, para esse efeito, o montante mínimo de € 167,00 (cento e sessenta e sete euros) por cada dia de ocupação do mesmo, calculado desde o dia 17.04.2015 e até à entrega do prédio livre e devoluto de quaisquer pessoas e bens, sendo o valor de indemnização calculado até ao dia 05.06.2015 de € 8.350,00”.

    Alegou, para tanto e em síntese, que em 23/09/2014 adquiriu o prédio em questão nos autos, que lhe foi adjudicado na qualidade de exequente em processo executivo instaurado contra a aqui Ré C... (o qual corre termos sob o n.º 5648/12.8TBVNG pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia), sendo que as Rés, que o vêm ocupando, se recusam a entregar-lho invocando a existência de um contrato de arrendamento alegadamente celebrado entre a Ré C... e a Ré “D..., Lda.” e, bem assim, a existência de um contrato de cessão de exploração alegadamente celebrado entre a Ré “D..., Lda.” e a Ré “E..., Lda.” relativos ao prédio em questão nos autos.

    Invocou ser o alegado contrato de arrendamento nulo por simulação absoluta, já que nenhuma das outorgantes pretendeu celebrar contrato de arrendamento (ou qualquer outro), antes visando as Rés, de forma concertada, impossibilitar a ora Autora de fruir de tal imóvel.

    Sustentou ainda que, a ter existido contrato de arrendamento válido, sempre o mesmo se deverá considerar extinto, quer por caducidade decorrente da venda judicial do prédio, quer por oposição à renovação do arrendamento que validamente operou através de carta enviada às Rés, carecendo assim as Rés de qualquer título válido que legitime a detenção do prédio.

    Refere, por último, que a ocupação que as Rés vêm fazendo do aludido imóvel lhe tem causado diversos prejuízos, decorrentes da impossibilidade de o alienar ou arrendar, computando tal prejuízo em quantia não inferior a € 167,00 diários.

    Contestaram apenas as co-Rés C... e “E..., Lda.”, alegando que o imóvel em questão nos autos se encontra arrendado à co-Ré “D..., Lda.” através de contrato celebrado entre esta e a Ré C..., sendo que, entretanto, em 25 de Março de 2013, as co-Rés “D...” e “E...” celebraram entre si um contrato de cessão de exploração comercial, passando esta última a utilizar tal imóvel com o conhecimento da Autora.

    Defendem também que, existindo contrato de cessão de exploração comercial celebrado entres as co-Rés “D...” e “E...” e tendo esta passado a pagar as rendas pela ocupação do imóvel, dever-se-á considerar esta última como arrendatária directa do imóvel por aplicação analógica da norma do artigo 1090.º, n.º 2 do Código Civil.

    Invocaram ainda o abuso de direito por parte da Autora e impugnaram, no mais, a factualidade vertida na petição inicial.

    A Autora respondeu, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

    Foi realizada a audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, indicado o objecto do litígio e os temas da prova e admitida a prova oferecida.

    A fls. 345 e seguintes foi junta certidão judicial da sentença declaratória da insolvência da co-Ré “D..., Lda.”, já transitada em julgado, bem como do teor do requerimento apresentado pelo administrador da insolvência no âmbito daquele processo de insolvência.

    Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: a) Declarou extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado em 30 de Setembro de 2005 entre as co-Rés C... e “D..., Lda.” relativo ao prédio urbano sito na ..., n.º ...., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 00267/281088 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5969º; b) Condenou as Rés C..., “D..., Lda.” e “E..., Lda.” a procederem à imediata restituição à Autora “B..., S.A.” do prédio urbano descrito em a), livre e devoluto de pessoas e bens; c) Condenou as Rés C..., “D..., Lda.” e “E..., Lda.” a, solidariamente, pagarem à Autora “B..., S.A.” a quantia de € 39.583,50 (trinta e nove mil quinhentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos), bem como a quantia de € 66,66 (sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) por cada dia de ocupação do imóvel, desde a presente data e até à efectiva entrega do prédio descrito em a), livre e devoluto de pessoas e bens; d) Absolveu as Rés do demais peticionado pela Autora.

  2. Não se resignou a Ré C... com tal sentença, pelo que dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: I- Nos presentes autos resultou provado que: 1- Em 08.09.1997 foi constituída uma hipoteca a favor de F..., S.A. para garantia das responsabilidades assumidas ou a assumir pela G...; 2- Em 24.09.2001 a 1ª Ré adquiriu por compra aquele prédio; 3- Em 11.03.2005 crédito garantido por hipoteca foi transmitido a um terceiro - a H...; 4- Em 30.09.2005 a 1ª Ré arrendou á 2ª Ré o prédio hipotecado.

    
 5- Em 22.04.2014 aquele terceiro (H...) cedeu a outro terceiro (a Autora aqui Recorrida) o crédito detido sobre a 1ª Ré.

    6- Em 05.06.2014, a 2ª Ré comunicou ao agente de execução a sua qualidade de arrendatária do prédio hipotecado juntando o contrato de arrendamento datado de 30.09.2005 ao processo de execução.

    7- Em 23.09.2014 a Autora (aqui Recorrida), terceira adquirente que adquiriu também de um terceiro (H...) que adquirira o crédito ao credor hipotecário (F...), sabendo ou devendo saber que o imóvel estava onerado por um contrato de arrendamento, que já se encontrava junto aos autos, adquiriu o prédio na execução onde se habilitou como cessionária.

    8- E adquiriu-o já com esse ónus.

    9- Em 30.09.2014 a Autora (Recorrida) notificou a Arrendatária (2ª Ré) para proceder ao pagamento das rendas; 10- A Arrendatária (2ª Ré) pagou as rendas á Autora e esta (Recorrida) recebeu- as desde Outubro de 2014 até pelo menos Agosto de 2015.

    1. Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é ou deve ser-lhe oponível, por vários motivos: a) o arrendamento ser anterior ao momento da sua aquisição do crédito; b) conhecimento de que o imóvel se encontrava onerado por este contrato de arrendamento quando adquiriu o crédito ( o que seguramente terá influenciado o valor de cessão do crédito - provavelmente mais baixo do que o valor real pelo facto do imóvel estar onerado com um arrendamento); c) o arrendamento ser também anterior á aquisição do imóvel; d) conhecimento de que o imóvel se encontrava onerado por este contrato de arrendamento quando adquiriu o imóvel - ou seja quando comprou o imóvel sabia que ele se encontrava onerado por este contrato de arrendamento o que também terá influenciado o valor que ofereceu pela sua aquisição.

    2. Não podemos dizer que o imóvel estava livre, e que a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, veio piorar a situação do credor hipotecário, nem que a Recorrida razoavelmente não podia contar com esta situação, pois o arrendamento (30.09.2005) é anterior à sua aquisição do crédito (que só ocorreu em 22.04.2014) e à sua aquisição do imóvel (que só ocorreu em 23.09.2014).

    3. E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os segundos, pois o credor hipotecário fez apenas um negócio conhecendo todas as condicionantes e conhecendo a existência do arrendamento mas o arrendatário é a parte mais fraca, com interesses habitacionais superiores, titular de um contrato com mais de 12 anos.

    4. A Recorrida ao apresentar a proposta de compra aceitou implicitamente a existência daquele contrato, conformando-se com tal facto. Isto porque o exequente (credor hipotecário) conhecia, pelo menos devia conhecer a existência de contrato de arrendamento validamente celebrado quando comprou o crédito e também mais tarde quando comprou o imóvel.

    5. DO ABUSO DE DIREITO: Para obviar a situações que se nos deparam como clamorosamente injustas, o artigo 334.º do Código Civil consagra...

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