Acórdão nº 35337/17.0YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 35.337/17.0YIPRT.P1 Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J2 Apelação Recorrente: “B…, S.A.” Recorrida: “C…, Lda.” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIOA autora “B…, S.A.” intentou contra a ré “C…, Lda.” requerimento de injunção com vista ao pagamento da quantia global de 40.922,00€.

Nesse sentido, alegou que a requerente e a requerida celebraram um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ………., anualmente renovável e com início de produção de efeitos em 1.4.2009 e que veio a terminar em 17.9.2015.

Durante o período de tempo em que a apólice esteve em vigor, a requerida retirou dela os seus efeitos, tendo participado diversos sinistros, sem que, porém, tenha procedido atempadamente ao pagamento da totalidade dos prémios devidos, designadamente os concernentes aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015.

Encontra-se, pois, em dívida a quantia de 35.838,36€ a que acrescem os respetivos juros de mora vencidos e vincendos.

A ré deduziu oposição, alegando que o contrato de seguro, por falta de pagamento do prémio, foi automática e imediatamente resolvido em Junho de 2015, pelo que a seguradora estava impedida de emitir recibos relativamente aos meses de Julho, Agosto e Setembro.

Se a autora, já após a resolução do contrato, aceitou erradamente participações de sinistros, liquidando indemnizações, só ela deve ser responsabilizada por essa conduta, uma vez que o contrato estava resolvido.

Mais alegou que pagou já depois da resolução do contrato de seguro o prémio respeitante ao mês de Junho de 2015, aceitando assim ser devedora tão-só dos juros de mora contados desde a data de vencimento de tal prémio até à data em que o liquidou, de tal modo que a ação deve ser julgada procedente apenas neste segmento.

Procedeu-se depois à distribuição do processo como ação declarativa comum.

A autora apresentou articulado de resposta no tocante à matéria de exceção deduzida pela ré e simultaneamente sustentou que a ré litiga em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, porquanto pretende retirar um efeito preclusivo do não pagamento atempado do prémio, mas impôs à autora – e dessa imposição beneficiou – a transferência do risco coberto pelo contrato de seguro em causa.

Foi depois proferida decisão em que se considerou que, por a relação entre a autora e a ré se consubstanciar em obrigação natural que não é judicialmente exigível, se absolveu a ré do pedido que contra si foi formulado.

Inconformada com o decidido, interpôs recurso a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: I) O Tribunal a quo não podia ter dispensado a produção de prova testemunhal, pelo que deve ser ordenada a baixa do processo à primeira instância com vista à realização do julgamento.

II) Sem prejuízo, sempre se deverá entender que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que conclua pela condenação da Ré/Recorrida no pedido formulado no requerimento de injunção.

III) Não pode ser aceite o entendimento do tribunal a quo de que a obrigação da Ré/Recorrida seria uma obrigação natural e que, nessa medida, o pagamento dos prémios de seguro se encontraria na sua livre disponibilidade, isto é, pagá-los-ia apenas se quisesse.

IV) Isto porque a obrigação invocada pela Autora/Recorrente (credora) é obrigação civil da Ré/Recorrida (devedora) que pode e deve ser exigida através dos tribunais.

  1. A situação sub judice é, paradigmaticamente, um caso de manifesto abuso de direito atenta a conduta de uma das partes, concretamente, da aqui Ré/Recorrida.

    VI) Entre a Autora/Recorrente e a Ré/Recorrida foi celebrado um contrato de seguro de acidentes do ramo automóvel-frota, titulado pela apólice n.º ……… em 01/04/2009, ao abrigo do qual esta última remeteu aos serviços daquela todas as participações de sinistros constantes dos documentos n.º 3 a n.º 14 juntos com o requerimento com a referência 26236316.

    VII) Pese embora resulte provado que a Ré/Recorrida não procedeu ao pagamento dos prémios referentes aos meses de Julho a Setembro de 2015 – note-se, contudo que já depois da data da “resolução”, a ré até chegou a pagar o mês de junho/2015, como a própria confessou na sua oposição - tal inadimplemento não implica, em consonância com o disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do artigo 61.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro a «resolução automática do contrato, na data do vencimento».

    VIII) A conduta da Ré/Recorrida, ao invocar a resolução automática do contrato, apesar das reclamações de sinistros em que intervieram veículos segurados pela Autora Recorrente ocorridos durante aquele período de tempo, configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (art. 334.º do Código Civil).

    IX) Encontram-se verificados cumulativamente os três requisitos de que depende o abuso de direito: 1.º) uma situação objectiva de confiança (a ré recorrida cliente da autora recorrente, que se dedica à actividade de transporte de pessoas, por isso e nessa medida, necessita(va) de ter as apólices de seguro para poder circular); 2.º) investimento na confiança (a autora confiou na ré e permitiu que a mesma continuasse a cumprir as suas obrigações legais de circular com contrato de seguro do ramo automóvel válido e eficaz, exibindo as cartas verdes sempre que necessário perante as autoridades e terceiros); 3.º) boa fé da contraparte que confiou (a autora recorrente agiu com o cuidado e com as usuais precauções, pois, por interesse da própria ré recorrida - sua cliente - manteve válido um contrato de seguro para que esta pudesse continuar a exercer a sua actividade comercial, entenda-se, para que pudesse continuar a circular e a transportar pessoas).

  2. Se a Ré/Recorrida continuou, dentro da boa relação comercial que mantinha com a Autora/Recorrente, a fazer uso da apólice de seguro, isto é, a circular nas ruas com aquela apólice e a participar sinistros sempre que os mesmos ocorriam, é evidente que criou na Autora/Recorrente a convicção de que queria que o contrato de seguro se mantivesse válido.

    XI) A conduta da...

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