Acórdão nº 3937/16.1T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelDOMINGOS MORAIS
Data da Resolução19 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 3937/2016.1T8PRT.P1 Origem: Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho-J3 Relator - Domingos Morais - registo 714 Adjuntos - Paula Leal Carvalho Rui Penha Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I – Relatório1. – B… intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Aveiro-Aveiro-Inst. Central-1.ª S. Trabalho-J1, contra C…, Lda, ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que: “O A. foi admitido pela R. por «contrato de trabalho por tempo indeterminado» escrito em 5.9.2007, para lhe prestar serviço sob a sua autoridade, direção e fiscalização, com a categoria de diretor de mercado, 37,5 horas por semana.

Ao serviço da R. o A. auferia a remuneração mensal de base de 3.000,00€, acrescida de 6,05€ de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho.

Nos termos da cláusula VII do contrato (doc. 1), o A. tinha direito a uma gratificação extraordinária anual, denominada de gratificação de desempenho, cuja forma de cálculo era determinada pela R., devendo a R. comunicar ao A. até de 15 de fevereiro de cada ano a quantia que tinha direito a receber e pagar a gratificação devida em cada ano civil no mês de fevereiro subsequente, tendo ficado acordado que essa gratificação era adiantada em determinados montantes no final de cada trimestre (março, junho, setembro e dezembro) do ano a que respeitava, podendo a R. alterar os critérios de atribuição dessa gratificação, nos termos que tivesse por convenientes.

Por documento de 5.9.2007 (data de admissão) - doc. 2, a R. comunicou ao A. que a forma de cálculo da gratificação extraordinária anual a vigorar no ano de 2008 era determinada pelo maior de 2 valores: Ou 12.000,00€ ou o valor de 2% sobre o aumento de vendas líquidas, nos termos aí estipulados.

A R. nunca pagou ao A. o valor mínimo de 12.000,00€ da gratificação de desempenho de 2008.

A R. nunca fixou qualquer outro valor de gratificação anual de desempenho do A. nem alterou o critério de determinação da gratificação que definiu no doc. 2, nos anos seguintes (de 2009 em diante).

Neste cenário, por carta de 25.1.2016 (doc. 3), recebida no dia 27, o A. resolveu o contrato de trabalho com alegação de justa causa.

Terminou, concluindo: “O A. reclama da R. o pagamento das seguintes quantias: - montante de 6.000,00€, relativo ao subsídio de férias vencido em 1.1.2014 e ao subsídio de natal de 2015 (3.000,00€ x 2) - montante de 2.500,00€ referente à retribuição dos 25 dias de Janeiro de 2016 e de 96,80€ de subsídio de alimentação - o montante de 6.000,00€, relativo às férias e ao subsídio de férias vencidos em 1.1.2016 (3.000,00€ x 2) e de 616,44€ relativo às férias, subsídio de férias e de natal proporcionais a 2016 - o montante de 96.000,00€, relativo aos prémios de 2008 a 2015, pelo valor de 12.000,00€, em cada ano (12.000,00€ x 8) - montante de 1.938,46€ a título de crédito de horas de formação e formação não proporcionada; - montante de 25.125,00€ correspondente à indemnização de antiguidade; - montante de 6.000,00€ a título de não danos patrimoniais; O que tudo perfaz a quantia global de 144.276,70€.

”.

  1. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando os factos essenciais da causa de pedir, e reconveio, concluindo: “deve: a) a presente acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, o que desde já se requer a V. Ex.ª para todos os efeitos legais; b) a presente reconvenção ser julgada totalmente procedente por provada e o Autor condenado no pagamento da quantia de €6.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 27/01/16, até efetivo e integral pagamento.”.

  2. – O autor respondeu, concluindo: “Devem as exceções e a reconvenção ser julgadas improcedentes, concluindo-se como na p.i..

    Deve a R. ser condenada como litigante de má fé, em multa e em indemnização ao a., incluindo os honorários do seu advogado, a liquidar.

    Pede a retificação do artº 29º da p.i. : em termos de passar a constar, no artº 29º, 1º parágrafo, da p.i., o subsídio de férias vencido em 1.1.2015 (e não o vencido em 1.1.2014).

    ”.

  3. - Proferido o despacho saneador; fixado o valor da acção em €150.276,70; e realizada a audiência de julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

    1. Condeno a R., C…, Ld.ª, a pagar ao A., B…, a quantia global de €17.215,14 (dezassete mil duzentos e quinze euros e catorze cêntimos), à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a R. dos restante peticionado; b) Absolvo o A. do pedido reconvencional; c) Absolvo a R. do pedido de condenação como litigante de má-fé contra a mesma formulado; d) Condeno o A. e a R. nas custas da ação, na proporção do respetivo decaimento.

    ”.

  4. – O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo:“I - Impugnação da matéria de facto1ª A fixação do facto 23, por hermenêutica contratual, como resulta da decisão de facto, é incorreta, no sentido de que atribuição da gratificação extraordinária anual «estivesse dependente» dos três aspectos essenciais que refere, devendo pelo contrário manter-se apenas o facto 5 ou fixar-se no facto 23, apenas, o que consta desse doc. 2 da p.i. – fls. 12 vº e 13, de onde decorre que a gratificação não estava dependente dos três critérios essenciais referidos (crescimento das vendas; diminuição do risco de incobrabilidade dos créditos sobre clientes e eficiência na gestão das devoluções de mercadorias), mas apenas que a eles devia atender, e cujo montante, a determinar nos termos seguintes, se fixou a seguinte forma : O cálculo da Gratificação de Desempenho será determinado pelo maior dos seguintes valores: O valor de 12.000€ ou o que resultasse da forma ou fator de cálculo do nº II.

    II - De direito

    1. Gratificação extraordinária anual 2ª A gratificação anual integrava o contrato de trabalho do A. (facto 2) e nele foi prevista pelas partes como sendo um direito do A. e até se estipulou a forma de pagamento, nos termos da cláusula VII do contrato.

      1. Veio, depois, a R., em comunicação do mesmo dia do contrato de trabalho celebrado (facto 5), declarar o valor e forma de cálculo da gratificação, que se manteve inalterado ao longo dos anos (facto 7).

      2. Segundo essa comunicação, a gratificação anual tinha um valor mínimo de 12.000€, em cada ano: É essa a única interpretação possível do facto de no Cálculo da Gratificação de Desempenho se atender ao maior dos seguintes valores dos pontos I e II : Sendo o valor do ponto II superior ao do ponto I, seria esse o valor a atender; sendo inferior, o valor seria o do ponto I, de 12.000€.

      3. O critério de atribuição da gratificação manteve-se de 2009 em diante (facto 7), pelo que a R. devia ao A. o montante de 96.000,00€, relativo às gratificações de 2008 a 2015, pelo valor de 12.000,00€, em cada ano (12.000,00€ x 8), como peticionava.

      4. O contrato de trabalho (facto 2), conjugado com a carta de 5.9.2007 (facto 5), não deixa margem para dúvidas de que o pagamento da gratificação anual era uma obrigação contratual (artº 406º, nº 1, do CC) e um direito do A. e não uma mera possibilidade, como defendeu a R. na contestação, constituindo a alegação da contestação uma distorção intencional da verdade cuja falta de fundamento não pode deixar de conhecer, com o objetivo de se eximir a qualquer custo da pesada responsabilidade que tem para com o A., o que integra o conceito de má fé processual do artº 542º do CPC.

    2. Justa causa de resolução 7ª Por carta de 25.1.2016 (doc. 3 da p.i., facto 19) o A. resolveu o contrato de trabalho com alegação de justa causa, invocando, além da falta de pagamento pontual de remunerações contratuais, outras circunstâncias que entendeu tornavam inexigível e insustentável a subsistência do contrato de trabalho, nos termos dos artºs 394º, nºs 2, a) e b), e 5, e 395º, nº 2, do CT, como se discrimina nas conclusões seguintes.

      1. Em primeiro lugar, o A. invocou a falta de pagamento dos subsídios de férias e de natal e do mês de dezembro de 2016, no momento próprio: O subsídio de férias deveria ter sido pago em julho, como se defendeu fosse dado como provado no requerimento de 14.12.2016 (ou pelo menos proporcionalmente quando o A. gozou férias – facto 25), o subsídio de natal até 15.12.2015 e o mês de dezembro até ao final desse mês.

      2. Em segundo lugar, louvou-se na falta de pagamento da gratificação anual, de valores avultados, desde o início do contrato.

      3. Em situações de efeitos duradouros, suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, o prazo para resolução do contrato de trabalho inicia-se não no momento da materialidade dos factos, mas quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que tornem impossível a relação laboral, não sendo exigível ao A. assistir ao avolumar da dívida da R. para consigo, nomeadamente da gratificação anual, de valores elevados e com que contava desde o início do contrato, quando a R. já demonstrava claudicar no pagamento das remunerações salariais e do trabalho vencidas.

      4. A falta de pagamento da gratificação é um facto continuado e renovado todos os trimestres, pois que a R. se obrigou a fazer adiantamentos ao A., nos meses de março, junho, setembro e dezembro, do valor devido, nesse ano, de gratificação anual – cláusula VII, nº 2, do contrato de trabalho (doc. 1 da p.i., facto 2), e não pode escamotear-se a dívida acumulada, que a R. não regularizou, sendo isso (a manutenção do incumprimento e da obrigação de regularizar o pagamento) que determina a contagem do prazo do nº 1 do artº 395º do CT.

      5. Não colhe a fundamentação da sentença recorrida da falta de culpa da R. (ou da ilisão da presunção de culpa do artº 799º, nº 1, do CC) na existência de dificuldades económico-financeiras, desde logo porque não se sabe se essas dificuldades provieram/procederam ou não de culpa sua, depois porque não foram alegadas nem provadas medidas para tentar remediar a situação...

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