Acórdão nº 228/08.5TYVNG-K.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANA LUCINDA CABRAL
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 228/08.5TYVNG-K.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 Acordam no Tribunal da Relação do PortoB… – a quem sucederam, mediante habilitação de herdeiros (apenso M), o autor cônjuge e C… – e marido D…, com residência na Travessa …, nº …, habitação …, …, Vila Nova de Gaia, vieram propor acção de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de E…, Lda., os credores e a devedora, nos termos do artigo 146.º do CIRE, peticionando o reconhecimento do seu direito de crédito à celebração do contrato prometido mediante contrato-promessa celebrado em 30.11.2006, relativo à fracção autónoma “H” do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº366, devendo a Sra. Administradora da Insolvência ser notificada para diligenciar por essa celebração.

Subsidiariamente, os AA. peticionam que o crédito reclamado, no montante global de 101.343,27€, seja reconhecido e graduado no lugar que lhe competir.

Os AA. alegam, para o efeito e em síntese, que a ré devedora, no exercício da sua actividade imobiliária, mediante contrato-promessa com eficácia real, celebrado em 30.11.2006, prometeu vender à Autora, pelo preço de 80.000€, a fracção autónoma “H” que é parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº366.

Os AA. mais invocam que o indicado preço foi pago à ora Insolvente e que a mencionada fracção já está na sua posse, porquanto a habitam.

Referem, igualmente, que, contrariamente ao acordado na data da celebração do sobredito contrato-promessa, o contrato prometido não foi outorgado, por culpa da promitente-vendedora, pois esta, apesar de solicitado pelos promitentes-compradores, nunca lhes disponibilizou a licença de habitabilidade referente ao dito imóvel.

Deste modo, os AA. sustentam que têm direito à celebração do contrato prometido e tal pretensão não pode ser recusada, como resulta do disposto no artigo 106.º, nº1, do CIRE, porquanto o contrato-promessa tem eficácia real e houve tradição da coisa, encontrando-se esse direito garantido pelo direito de retenção sobre a aludida fracção autónoma, nos termos do artigo 755.º, nº1, al. f), do Código Civil.

Por outro lado, os AA. alegam que, no caso de se entender que os mesmos não têm direito a exigir a celebração do contrato prometido, têm direito a reclamar da massa insolvente o valor de 80.000€, correspondente à prestação que efectuaram à ora Insolvente, a título de pagamento da totalidade do preço do dito imóvel, aquando da celebração do contrato-promessa, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data dessa celebração (30.11.2006) até à data da prolação da sentença de declaração de insolvência da devedora (28.05.2009), os quais se cifravam, então, em 21.343,27€. Este direito de crédito encontra-se garantido pelo direito de retenção sobre a fracção autónoma em apreço, nos termos do artigo 755.º, nº1, al. f), do Código Civil.

A ré Massa Insolvente contestou, alegando desconhecer se o preço foi efectivamente o declarado no invocado contrato-promessa, se os AA. constituíram a sua habitação própria e permanente na fracção autónoma em causa e se ocorreu efectivamente a tradição da coisa. Mais sustenta que os AA. não alegam quaisquer factos integradores da culpa imputada à promitente-vendedora, nem no que respeita à não disponibilização da licença de habitabilidade.

Por outro lado, esta Ré alega que a Sra. Administradora da Insolvência ainda não se pronunciou pela execução ou recusa do cumprimento do referido contrato-promessa, sendo certo que, atendendo ao princípio de tratamento igualitário dos credores e demais princípios a que deve obedecer, a mesma pronunciar-se-á pela recusa de tal cumprimento.

Contudo, a Ré contestante reconhece o direito de crédito dos AA. correspondente ao preço declarado na escritura pública do contrato-promessa em apreço, assim como o direito de retenção.

A mesma Ré não aceita os juros de mora peticionados, porquanto os mesmos não podem ser contabilizados até à data da sentença declaratória da insolvência, pois não foram alegados factos dos quais resulte ser o dia 30.11.2006 a data do incumprimento, sendo certo que o facto de que dependia a celebração da escritura de compra e venda constitui facto a praticar por terceiro (licença de habitabilidade), pelo que a data de 31.12.2006 é meramente indicativa. Aliás, de acordo com os termos do contrato-promessa, incumbia aos AA. a marcação da data da escritura de compra e venda, estando os mesmos obrigados a avisar a ora Insolvente com 5 dias de antecedência, pelo que está por determinar se até existe mora imputável à Insolvente, na medida em que os AA. não referem terem-na interpelado para a outorga do contrato prometido.

A Ré contestante impugna o demais alegado.

Os AA. vieram, a fls. 61-77, requerer a ampliação do pedido (subsidiário), peticionando que, no caso de a ré Massa Insolvente não ser condenada na celebração do contrato prometido de compra e venda, seja a mesma condenada a pagar-lhes a indemnização consagrada no artigo 442.º, nº2, do Código Civil, ou seja, o montante de 160.000€, correspondente ao valor do sinal em dobro, porquanto, tendo sido paga a totalidade do preço, presume-se que tal antecipação do preço tem carácter de sinal, como decorre do artigo 441.º do Código Civil Foi lavrado o respectivo termo de protesto a fls. 437 dos autos principais.

Foi proferido o despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto controvertida (fls.90).

Na sequência do despacho de fls. 136, os AA. vieram alegar, a fls. 144-146, que entraram na posse da mencionada fracção autónoma em 14.07.2004, data em que a Insolvente lhes entregou as respectivas chaves e os mesmos passaram a dar-lhe o destino que entenderam, realizando obras, destinadas à sua residência permanente. Os AA. mais alegam que são consumidores, pois utilizam o imóvel em questão para uso próprio e não com o escopo de revenda, sendo que não são comerciantes ou profissionais do ramo imobiliário. Os AA. concluem, assim, que o direito de crédito reclamado, no montante de 160.000€, goza do direito de retenção sobre a dita fracção autónoma, devendo ser graduado antes dos restantes créditos sobre a insolvência, incluindo os créditos hipotecários.

A ré Massa Insolvente pronunciou-se a fls. 153-154, sustentando que o requerimento dos AA. carece de prova documental, sendo que, sem a mesma, a mera alegação de que são consumidores finais não é suficiente para efeitos de eventual enquadramento da situação nos termos dos artigos 755.º, nº1, al. f), e 759.º do Código Civil.

Foi proferido novo despacho saneador, no qual se admitiu a ampliação do pedido (cf. fls. 155). Foi igualmente proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova (cf. fls. 155-155 v.º).

Aberta a audiência final e frustrada a tentativa de conciliação das partes, procedeu-se à realização do julgamento, com observância das formalidades legais (cf. acta de fls. 163-164).

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: condeno a ré Massa Insolvente de E…, Lda., representada pela Sra. Administradora da Insolvência, a celebrar com os AA. o contrato de compra e venda prometido mediante contrato promessa celebrado entre B… e E…, Lda., em 30.11.2006 e tendo por objecto a fracção autónoma “H” do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº366, emitindo a declaração negocial correspondente à da promitente-vendedora; e b) absolvo os RR. do demais peticionado.” Os autores, D… e C…, interpuseram recurso, concluindo: A - O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou a ação intentada pelos Autores, ora Recorrentes, parcialmente procedente, condenando a Ré a celebrar o contrato prometido sem a expurgação da hipoteca que incide sobre o imóvel objeto do referido contrato, não tendo sido reconhecido o direito de retenção dos Autores e tendo a Ré sido absolvida do demais peticionado.

B - Resumidamente, através da presente ação os Recorrentes pretendem o reconhecimento do seu direito de crédito à celebração do contrato promessa celebrado em 30.11.2006, relativo à fração autónoma “H” do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 366, devendo a propriedade do mesmo ser transmitida, através da celebração do contrato de compra e venda, livre de quaisquer ónus ou encargos.

C - Subsidiariamente, caso não seja a Ré condenada a celebrar o contrato nas supra referidas condições, pretendem os Autores, ora Recorrentes, que a Ré seja condenada a pagar-lhes o valor do sinal em dobro (€160.000,00), devendo o seu crédito ser graduado com prevalência sobre os demais, atendento ao Direito de Retenção dos Autores.

D - A Ré, no exercício da sua atividade imobiliária, mediante contrato promessa com eficácia real, celebrado em 30.11.2006, prometeu vender a B… e marido D…, pelo preço de €80.000,00 (oitenta mil euros) a fração autónoma “H” que é parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 366.

E - O indicado preço foi pago, pelos Autores à Ré, na íntegra, e a mencionada fração está na sua posse desde 14.07.2004, data em que a Insolvente, aqui Recorrida, entregou as chaves do referido imóvel aos Autores.

F - Os Autores, ora Apelantes, desde a data supra indicada, deram à fração supra aludida o destino que lhes aprouve, tendo realizado obras com vista à residência permanente dos promitentes-compradores.

G – E não podem os Autores deixar de ser considerados consumidores, uma vez que adquiriram o imóvel em questão para uso próprio e não com o escopo de revenda, sendo que não são comerciantes ou profissionais do ramo.

H - Pelo...

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