Acórdão nº 13535/14.9T8PRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANA LUCINDA CABRAL
Data da Resolução06 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 13535/14.9T8PRT-A Comarca do Porto Porto - Inst. Central - 1ª Secção de Execução - J1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto No presente processo executivo, na sequência de dedução de embargos de executado, foi proferido o seguinte despacho: “Da inexequibilidade do título executivo Apreciando e decidindo.

Toda a execução tem por base um título executivo, pelo qual se determina o seu fim e limites – artigo 45.º, n.º 1, do Antigo Código de Processo Civil (artigo 10.º, n.º 5, do Novo Código de Processo Civil).

O título executivo cumpre uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.

O título executivo é, assim, pressuposto ou condição geral de qualquer execução, sua condição necessária. Não há acção executiva sem título.

Numa outra formulação, o título executivo há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda; trata-se do documento capaz de, por si só, revelar, com um grau de razoável segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo, isto sem prejuízo da possibilidade do executado fazer prova de que, apesar do título, a dívida não existe - ou porque a obrigação, apesar da aparência, nunca se chegou a constituir, ou porque se extinguiu ou modificou -, assim contrariando a aparência do direito que resulta do título.

Os títulos executivos são os indicados na lei como tal (artigo 46.º do Antigo Código de Processo Civil, aplicável à situação dos autos em face do disposto do ac. do TC n.º 408/2015), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade.

O princípio da tipicidade implica que só podem servir como título executivo os elencados na lei. Mas implica redobrado cuidado na interpretação, já que através desta não se pode estender o que não resulta da letra da lei. Tratando-se da execução uma “porta aberta” para agredir direitos patrimoniais dos executados o princípio da tipicidade funciona como uma especial garantia de defesa e segurança jurídica, evitando a “movimentação” de instrumentos lesivos de direitos fundamentais em casos que não têm uma cobertura legal clara.

In casu, a exequente sustenta o pedido executivo contra os fiadores com base no título extrajudicial previsto no art.14º-A do NRAU, apresentando como título a cópia do contrato de arrendamento acompanhado dos comprovativos de comunicação do montante em dívida a alguns executados.

Ora, essa norma não inclui os fiadores na sua previsão. A argumentação para não ser título executivo é sumariada pelo Autor citado pelos embargantes: Rui Pinto Duarte, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, aqui se reproduzindo novamente pela clareza da exposição: - «a norma não o prevê e por força do princípio da taxatividade dos títulos executivos e da natureza restritiva das normas que os prevêem não é possível fazer interpretações extensivas da norma; - o título executivo é complexo e pressupõe a reunião conjunta de dois documentos, pelo que se o fiador não consta de um deles não existe título executivo contra ele; - a alteração do NRAU pela Lei nº31/2012, de 14/08, deixou intocável o texto quando a questão já se discutia num sinal de que o legislador não pretendeu tornar claro que o fiador também pode ser executado; - o DL nº1/2013, de 07/01, denuncia essa intenção legislativa ao consagrar expressamente que só o arrendatário pode ser objecto do procedimento especial de despejo quando nele está compreendido a execução das rendas em dívida.» Pensamos que em termos de hermenêutica jurídica, os elementos histórico, sistemático, racional e lógico elencados pelo Autor demonstram de forma cabal que os fiadores não se incluem no leque que o legislador considerou abrangido pela norma.

Ressalte-se que o legislador, presumindo-se que sabe distinguir os conceitos de arrendatário e fiador, apenas assinala “comunicação ao arrendatário”, o que no âmbito de um título executivo complexo, entenda-se, um “somatório” do contrato de arredamento “mais” comunicação dos montantes em dívida, apenas pode ter como significância a intenção de que a responsabilidade do fiador seja discutida numa prévia acção declarativa. Ir mais além é criar lei, consagrando, ao arrepio do princípio da tipicidade, um novo título executivo.

Poderemos também aqui citar um estudioso nestas matérias, o Professor Miguel Teixeira de Sousa, que explica que a comunicação é realizada ao arrendatário, por ser este que está “em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir eventual oposição” e é por isso que “o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida” (Autor citado in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, pág. 406, Almedina 2014).

Não desconhecemos que na jurisprudência dos tribunais superiores, da pesquisa que fizemos, denota-se uma inclinação para considerar abrangidos os fiadores. Mas salvo devido respeito, afigura-se-nos que a maioria dos argumentos se prendem com aquilo que se entende que a lei deveria consagrar, mas não o que efectivamente o legislador acabou por normativizar. Na melhor interpretação, na nossa perspectiva jurídica, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 869/13.9YYPRT.P1, 24/04/2014, consultado em www.dgsi.pt: “I - O título executivo previsto no artigo 14.º-A do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia.” Todos os elementos de interpretação conduzem a tal conclusão. O elemento literal: a lei não menciona fiadores, não sendo possível estender a definição de arrendatário. Note-se que toda a interpretação tem que ter o mínimo apoio na lei e que se presume que o legislador se soube exprimir. Ora, caso pretendesse contemplar os fiadores, sabendo que se trata de título executivo que impõe uma comunicação, deveria ter inserido na letra da lei “fiadores”. O elemento histórico: apesar da discussão que já se fazia na redacção anterior o legislador manteve a letra da lei imutável. Certamente não se pode extrair desta inacção uma vontade de alargar a norma aos fiadores. Pelo contrário, se assim fosse teria o escrito.

Elemento sistemático: a norma insere-se numa atribuição de títulos executivos contra o arrendatário (pagamento de rendas e despejo). Elemento teleológico: como ressalta o Professor Miguel Teixeira de Sousa o título só se forma quanto ao arrendatário, porque é este que consegue controlar pessoalmente a veracidade da declaração. Elemento lógico: se a norma apenas menciona comunicação ao arrendatário, à contrario...

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