Acórdão nº 3039/16.0T9VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução21 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 3039/16.0T9VNG.P1 2ª Secção Criminal CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1.

No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 3039/16.0T9VNF, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia-J4, da Comarca do Porto, por sentença proferida a 20 de Setembro de 2017, foi o arguido B...

, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 143º n.º 1, 145º n.º 1, al. a) e 132º, n.º 2, al. h), do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período mediante regime de prova.

  1. No decurso da audiência de julgamento, mais precisamente na sessão do dia 13 de Setembro de 2017, o demandante C...

    , com os demais sinais dos autos, e o arguido/demandado B...

    realizaram transacção relativamente ao pedido de indemnização civil que o primeiro formulara contra este, a qual foi logo devidamente homologada.

  2. Inconformados com a sentença condenatória, interpuseram recurso o Ministério Público – fazendo uso dos 3 dias úteis seguintes ao do termo do prazo legal - e o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) Ministério Público 1 - O Tribunal Recorrido condenou o arguido B... como autor de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada dos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 132.º, n.º 2, al. h), do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão e lhe suspendeu a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 anos, sujeita a regime de prova.

    3[1] - O Tribunal recorrido afirmou serem elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a frequência deste tipo actos de violência exercida contra a integridade física das pessoas, que vem provocando grande alarme social e fortes sentimentos de insegurança na comunidade.

    4 - E serem extremamente elevadas as exigências de prevenção especial, consubstanciadas na circunstância de o arguido já ter sido sofrido uma condenação pela prática do mesmo crime, condenação essa transitada em julgado em Março de 2016, apenas dois meses antes da prática destes factos, e que não foi suficiente para o levar a não praticar o presente crime, que só dele dependia praticar ou não, com o que revela uma menor sensibilidade à pena que lhe venha a ser aplicada.

    5 - No entanto, considerando que o arguido (i) se encontra inserido social e familiarmente; (ii) que celebrou transacção quanto ao pedido cível formulado, assim demonstrando uma clara pretensão de reparação dos danos causados (iii); que já teve uma condenação anterior pela prática do mesmo crime de ofensa à integridade física qualificada, uma condenação em pena de prisão suspensa da sua execução, com sujeição a regime de prova, entendeu adequado suspender-lhe a execução da pena por 2 nos com regime de prova.

    6 - Decisão que, entente o Ministério Público, está em contradição com a pronúncia inicial do Tribunal recorrido sobre a pena, e constitui uma hipostasiação da conduta recente do arguido, enquanto motivador da confiança do Tribunal de que a mera ameaça da pena bastará para satisfazer os fins das penas.

    7 - Na base da decisão de suspensão da execução da pena está uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir, o que significa que o tribunal deverá correr um risco prudente, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.

    8 - Nessa prognose devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornem possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo às razões da prevenção especial, postulando-se no caso sujeito, todas as razões para afastar a prognose social favorável, por serem seríssimas as dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreende a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida.

    9 - Com efeito, não vemos, como o Tribunal recorrido conseguiu ultrapassar a conduta pregressa do arguido e o seu próprio julgamento de que o arguido era menos sensível à pena que já fora aplicada a suspensão de execução da pena com regime de prova, dois meses antes dos factos, sem resultado como se viu.

    10 - O Sistema Penal tem, segundo cremos firmemente, de agir coerentemente. Se um Tribunal avisa o arguido, através da ameaça que constitui uma pena de prisão suspensa na sua execução, de que se voltar a praticar os mesmos factos, irá ver ser-lhe revogada a suspensão e cumprir aquela pena de prisão, não poderá outro tribunal perante o reiterado e injustificado desrespeito daquele aviso, que demonstra a total ineficácia e inoperância da correspondente ameaça, censurar esta nova conduta aplicando-lhe uma nova pena de prisão suspensa na sua execução, mas sim uma pena de prisão efetiva.

    Arguido B...

    1. Não pode o recorrente concordar com a condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada por ter considerado o Tribunal a quo que foi utilizado meio particularmente perigoso.

    2. O recorrente esclareceu o Tribunal a quo que o objeto utilizado terá sido uma faca de cozinha.

    3. O Tribunal a quo não atribuiu credibilidade às suas declarações e deu como provado a utilização de uma faca de caraterísticas não apuradas.

    4. Considerou ainda como não provado que o arguido recorrente tenha surpreendido o ofendido pelas costas.

    5. A este propósito o Prof. Figueiredo Dias (em comentário ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h do Código Penal) discorreu assim: «(...) Utilizar meio particularmente perigoso é ..servir-se para matar, de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de um crime de perigo comum) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes. (...) deve sobretudo ponderar-se que a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio utilizado revele uma perigosidade superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo-padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado - e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma - aqui, sim! -, de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso».

    6. Também a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2011 /Dez./07, CJ (S) III/227, Cons. Santos Carvalho e disponível on line em www.dgsi.pt): "Postas as coisas com esta clareza, verifica-se que a arma utilizada pelo arguido não pode ser qualificada como meio particularmente perigoso e, portanto, é insusceptível de integrar o exemplo-padrão sob apreciação." VII. Ora o arguido que veio a ser condenado no Acórdão supra referenciado perpetrou o crime munido de uma faca da marca Boker Jim Wagner, modelo Reality Based Blade, de cor preta, com lâmina articulada e cabo em material polimérico com o comprimento total de 22,5 cm, sendo o comprimento da lâmina de 9,5 cm e a largura máxima da mesma de 2,5 cm.

    7. Do mesmo modo foi também considerado que não existiria um meio particularmente perigoso se este se tratasse de uma pistola de calibre 6,35 mm no Ac. STJ 2000/Dez./13 CJ (S) III, Cons. Mariano Pereira; 2003/Out./15, Cons. Henriques Gaspar) ou então de uma arma caçadeira (Ac. STJ 2002/Mai./17, Cons. Flores Ribeiro), ainda que a mesma seja municiada com cartuchos carregados de zagalotes, próprios para a caça ao javali (Ac. STJ 2002/Dez./18, Cons. Carmona da Mota).

    8. Entende o recorrente que face aos factos concretos dados...

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