Acórdão nº 1119/13.3TTPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução05 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 1119/13.3TTPRT.P2 Autora: B...

Ré: C..., S.A.

_______ Relator: Nélson Fernandes 1º Adjunto: Des. Rita Romeira 2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1.

B... apresentou formulário de oposição ao despedimento promovido por C..., S.A., ao abrigo do disposto no artigo 387.º do Código do Trabalho e de acordo com o previsto no artigo 98.º-C do Código do Processo de Trabalho.

1.1.

Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, no qual alegou os factos que estiveram na base de tal decisão, designadamente o facto de a Autora, enquanto exercia as suas funções de empregada de balcão bancário da Ré, se ter apropriado ilicitamente do valor em numerário de €1.460,00, de um total de €3.000,00, em notas de €10,00 e €20,00, que recebeu das mãos de uma cliente que essas pretendia trocar por notas de €500,00, violando assim os deveres jurídicos que lhe eram impostos pelos artigos 128.º, n.º 1, al. s a), c), e), f) e h) do Código do Trabalho, assim como os constantes das alíneas b), d) e g) do n.º 1 da cláusula 34.º do ACT em vigor para o setor bancário, o que justificaria o seu despedimento com junta causa, nos termos do disposto no art.º 351.º, n.º 1, n.º 2, al.s d) e e), e n.º 3, do Código do Trabalho (CT), quebrando a relação de confiança subjacente à relação laboral, de modo grave e apto a tornar impossível a subsistência do vínculo laboral.

Concluiu, pedindo que seja declarada lícita e regular a sanção de despedimento aplicada à Autora.

1.2 A Trabalhadora apresentou contestação, impugnando a factualidade trazida pela Entidade empregadora, negando, em suma, a prática da conduta que lhe vem atribuída por aquela, refutando ainda o uso como prova das imagens colhidas através do sistema de videovigilância, que teria sustentado a decisão em crise, invocando o disposto no art.º 20.º do CT, a necessidade de salvaguarda do sigilo bancário e a inexistência de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para o uso das imagens recolhidas para o fim aqui em causa: a prossecução de responsabilização disciplinar em sede laboral, acrescentando ainda que não tinha ela conhecimento dessa recolha de imagens. Mais, invocou a idoneidade do seu percurso profissional nos serviços da Ré, a sua dedicação e zelo, e a inadequação da sanção aplicada à gravidade do facto em causa para, a final, pugnando pela declaração de nulidade do visionamento e utilização das imagens, com apreciação da inconstitucionalidade das normas cuja interpretação permitiria o uso dessas imagens como veículo probatório.

Por fim, afirmando ainda a sua pretensão de reintegrar o seu posto de trabalho, tal pede em reconvenção, pedindo ainda, na hipótese de negação dessa possibilidade, a condenação da Entidade empregadora ao pagamento de uma indemnização pelo despedimento ilícito, considerando a sua antiguidade, de 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração.

1.3 Respondeu a Entidade empregadora, alegando em síntese a licitude da utilização das imagens, impugnando depois a versão factual apresentada e os montantes pedidos a título indemnizatório.

1.4 Foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se consignou o seguinte: “Não existem nulidades ou excepções, que cumpra por ora conhecer, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa (sendo certo que se relega o conhecimento da matéria vertida nos art.s 7º da contestação da autora e 9º da resposta da ré, para momento próprio, em sede de sentença, com todas as implicações legais daí decorrentes).” Depois de selecionada a matéria assente e aquela a apurar em sede de julgamento, foi ainda proferido despacho, notificado no ato às partes, com o teor seguinte: “Admito os róis de testemunhas apresentados por ambas as partes.

Admito a prova documental apresentada pelas partes, bem como o visionamento das imagens de videovigilância indicadas no ponto b) de fls. 89. (…)” 1.5 Designada data para a realização da audiência de julgamento, da ata da sessão de 15 de Fevereiro de 2017, consta designadamente o seguinte: “(…) Nesta altura, pelo Mm.º Juiz foi proferido o DESPACHO que se encontra registado digitalmente, no qual em súmula: -- (…) b) Dado prever-se não ser possível a inquirição de todos os presentes no dia de hoje e, a fim de evitar estarem presentes por muitas horas e não serem ouvidas, o Mm.º Juiz determinou ainda que, no dia de hoje sejam apenas visualizadas as imagens juntas pelo Empregador e ouvidas as testemunhas D... e E..., ambas arroladas pelo Empregador; (…)” Nesta altura, pelos meio existentes no Tribunal, foi tentada a visualização das imagens captadas pelas câmaras de vídeo vigilância juntas aos autos, mas tal não se revelou possível, tendo sido então tentada a visualização no computador do Ilustre Mandatário da Trabalhadora, não tendo sido igualmente possível a sua visualização, tendo então sido determinado que procederá à sua visualização após a obtenção dos meio necessários e na data anteriormente designada.” 1.6 Por sua vez, da ata da sessão se julgamento ocorrida em 10 de Maio de 2017 consta designadamente o seguinte: “(…) Aberta a audiência, pelas 09:30 horas, o Mmo Juiz ordenou que fossem disponibilizadas as condições para a visualização as imagens da câmara de videovigilância, o que foi feito do seguinte modo: Do CD nº 1 foram visualizados os trechos correspondentes às filmagens compreendidas entre as 11:22h e 11:39h; 11:45h e 11:48h; 14:02h e 14:05h e do CD nº 2 as compreendidas entre as 14:07h e 14:08h; 14:18h e 14:19h e 14:23h e 14:25h.

*De seguida, pelo ilustre mandatário da Autora foi pedida a palavra e, tendo-lhe esta sido concedida, no seu uso, disse: Destarte a visualização das imagens de videovigilância e não pretendendo manifestar-se quanto ao conteúdo dessas mesmas imagens que foram agora visualizadas neste Tribunal, vem a Autora esclarecer e deixar assente que considera nula a prova produzida, por violação quer da Lei Geral do Trabalho, quer do artº 35 da Constituição, sendo portanto uma prova que constitui uma inconstitucionalidade. (…)” 1.7 Foi, por fim, proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Pelos fundamentos expostos, declara-se lícito o despedimento da autora B... pela entidade empregadora C..., S.A., e decide-se julgar o pedido reconvencional integralmente improcedente e, em consequência, dele absolver a empregadora: Fixo o valor da ação conforme previsto no art.º 98.º-P, n.º 1, do CPT.

Custas pela autora.

Notifique e registe.” 2.

Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso e arguindo ainda a nulidade da sentença, que justifica seguidamente, apresentando depois as suas alegações, nas quais formula a final as conclusões seguintes (transcrição): “1. É nula a sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

  1. É nula porquanto a douta sentença: i) fundamenta a decisão com base em Acórdãos vários que consideram ilícita a utilização de videovigilância em processos de natureza laboral (cf. v.g. Acórdãos citados i), iii), v), que acima se transcrevem e aqui se deixam reproduzidos para os devidos efeitos legais); e ii) fundamenta a decisão com base em jurisprudência que admite a utilização da videovigilância desde que exista e seja cumprida a autorização da CNPD, o que manifestamente não ocorre, como se verifica pelo facto provado 18, do qual decorre a legalidade da utilização das imagens de videovigilância unicamente “nos termos da lei penal”, o que, claramente, não sucede.

  2. E do exposto resulta claro que nunca poderia ter o Mmo. Juiz a quo decidido como fez, e que foi com base e alicerçado em fundamentação que em tudo se conclui pela procedência da impugnação do despedimento; bem como assentando-se como provado que a CNPD autorizou a videovigilância “nos termos da lei penal”, quando ao contrário admite tal prova em sede de processo laboral.

  3. Ou seja, o despedimento deveria, por maioria de razão, ter sido considerado ilícito com as demais consequências legais.

  4. Foi também ilícito o despedimento promovido à Recorrente pelos motivos que adiante se aduzem.

  5. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos todos os factos que foram incorrectamente julgados, e que se transcreveram em A das alegações, para cujo conteúdo expressamente se remete.

  6. Todos os factos provados e erradamente julgados (24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93) teriam que ter sido elencados como não provados (como se observa supra em B), pelos motivos amplamente abordados ao longo das alegações, para cujo conteúdo se remete.

  7. O Tribunal a quo deu como provados os factos enunciados em 7, tendo por base, na sua essencialidade, as imagens recolhidas pela videovigilância.

  8. A videovigilância como meio de obtenção de prova em processo laboral é ilícita, atenta também a autorização da CNPD.

  9. A autorização da CNPD para a recolha de imagens por meio de videovigilância no balcão onde prestava serviço a Recorrente “não pode ser utilizado para o controle dos trabalhadores”, sendo que “os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal” (vd. Facto provado 18).

  10. É ilícito o uso pelo Tribunal a quo das imagens referidas, em sede de fundamentação da decisão, já que as mesmas surgem num contexto jus-laboral de controlo da actividade do trabalhador, e fora do raio de incidência da lei penal – o que levaria como consequência imediata a que os factos provados 24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93 tivessem sido, isso sim, considerados como não provados.

  11. E isso mesmo resulta de jurisprudência trazida à colação pela sentença, para fundamentação da decisão.

  12. A convicção formada pelo Tribunal do testemunho de D... nunca pode ser suficiente para considerar como provados os factos da sentença 24, 27, 40 a 54, 56 a 77 e 85, uma vez que esta testemunha nunca enunciou com o rigor plasmado em tais quesitos, a hora, minutos e segundos das alegadas ocorrências – e, em bom...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT