Acórdão nº 1573/17.4T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelALEXANDRA PELAYO
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 1573/17.4T8PRT.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-JL Criminal-J5 Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:I – RELATÓRIONo processo de contra-ordenação nº GJ 56/2016-CO/RTD da competência do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) foi aplicada á sociedade arguida, “B…, Lda.

“, em cúmulo jurídico, a coima única de €3.000,00, dado que a empresa não possuía alvará para o transporte de doentes (coima de €2.000,00) e o veículo em causa não possuía certificado de vistoria para o transporte de doentes (coima de €2.000,00), o que constitui a prática de duas contra-ordenações previstas e punidas, respectivamente, nas alíneas a) e c), do nº 1, do artigo 46º, da Portaria nº 260/2014, de 15/12, que aprovou o Regulamento de Transporte de Doentes (RTD), com coima entre €1.000,00 e €25.000,00, cada infracção.

Inconformada com a decisão proferida, a arguida impugnou judicialmente essa decisão.

Veio então a ser proferida sentença que julgou o recurso de contra-ordenação totalmente improcedente e manteve a decisão recorrida, que lhe aplicou a coima em cúmulo jurídico, a coima única de €3.000,00, pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas, respectivamente, nas alíneas a) e c), do nº 1, do artigo 46º, da Portaria nº 260/2014, de 15/12, que aprovou o Regulamento de Transporte de Doentes (RTD), com coima entre €1.000,00 e €25.000,00, cada infracção.

Novamente inconformada veio a arguida interpor o presente RECURSO, cujos fundamentos sintetizou através das seguintes conclusões, que passamos a transcrever: “I - Resulta da deliberação do Conselho Directivo Do INEM que a arguida impugnou judicialmente “que se consideram provados os seguintes factos:” - “que no dia 16/01/2015 pelas 11h30m, na Rua …, Porto, a arguida tinha em circulação o veículo com a matrícula .. – MO - ..

.” -“ que o referido veículo, por conta a interesse da arguida, era conduzido por C…, que procedia ao transporte do doente D…, da habitação deste para o Hospital E…, no Porto.” -“ O transporte de doentes era realizado pela arguida sem que esta possuísse alvará, emitido pelo INEM, I.P., para prestação da actividade de transporte de doentes.” - “ e o mesmo transporte do doente era realizado sem que o referido veículo possuísse licença do IMTT, I.P. ( Instituto de mobilidade e dos transportes) , para o transporte de doentes.” -“ A arguida agiu com consciência da sua conduta ilícita, sabendo que lhe era vedado o transporte de doentes sem alvará para exercer tal actividade e com veículo sem licença do IMTT, I.P., para o transporte de doentes.” II - Mais refere a deliberação do Conselho Directivo do INEM que tais factos “constituem contra-ordenação prevista e sancionável pelos artigos 11º, nº1, e 46º, nº1 alínea a) do RTD (Regulamento de Transporte de Doentes) criado pela Portaria nº260/2014 de 15 de Dezembro,… e contra-ordenação prevista e sancionável pelos artigos 31º, nº1, e 46º nº1 alínea c) do mesmo regulamento,” III - E que tais contra-ordenações, nos termos do disposto no artº 46º nº1 alíneas a) e c) da Portaria nº260/2014 de 15 de Dezembro , que criou o RTD, “são puníveis com coimas de mil a três mil euros para pessoas singulares e até ao limite de vinte e cinco mil euros para as pessoas colectivas .” IV - A douta decisão em crise veio considerar totalmente improcedente a impugnação da arguida, mantendo, na íntegra, a deliberação recorrida.

V - A decisão proferida pelo tribunal a quo que a confirmou, encontram-se feridas de nulidade.

VI - É que a legislação invocada, designadamente os artigos 46º e ss do Regulamento do Transporte de Doentes, se encontram feridos de inconstitucionalidade.

VII - Ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 do artº 165 da Constituição da República Portuguesa, que determina as matérias que constituem reserva relativa de competência da Assembleia da República, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, salvo autorização ao Governo.

VIII - E dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 198º da Constituição da República Portuguesa, que determina as matérias que constituem competência legislativa do Governo, que compete ao Governo fazer decretos-lei em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta.

IX - O Direito Contra-Ordenacional é matéria de reserva relativa da Assembleia da República, podendo no entanto o Governo, mediante autorização concedida para o efeito e nos limites dessas autorização, fazer decretos-lei sobre esta matéria.

X - Assim, para o Governo legislar sobre Direito Contra-Ordenacional terá que ter autorização da Assembleia da República, sendo a forma que o acto legislativo do Governo toma, o Decreto-Lei.

XI - As leis de autorização legislativa estabelecem os parâmetros ou limites da competência do Governo para a regulação da matéria que constitua reserva relativa da Assembleia da República, e se tais limites forem ultrapassados logo ocorrerá inconstitucionalidade orgânica pois se trata de invasão, pelo Governo, de área da competência legislativa reservada da Assembleia da República Acontece que, XII - O Governo, através da Portaria nº260/2014 de 15 de Dezembro, criou o Regulamento de Transporte de Doentes (RTD) que veio nos seus artigos 46º e ss dispor precisamente sobre ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo, determinado, designadamente, quais os factos que constituem Contra Ordenações e as respectivas sanções, e com a fixação dos limites das coimas e a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções.

XIII - Porém o Governo, no uso da devida autorização legislativa concedida para o efeito, através do DL 433/82 de 27 de Outubro, criou o Regime Geral das conta ordenações (RGCO).

XIV - E o RGCO relativamente ao montante da coima dispõe no nº 1 do artigo 17º que “Se o contrário não resultar de lei, o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares é de (euro) 3,74 e o máximo de (euro) 3740,98.” XV - Assim, apenas a Lei da Assembleia da República ou Decreto-lei emanado pelo Governo com autorização da Assembleia da República, com as respectivas limitações em matéria e tempo, poderão alterar o disposto neste preceito, sob pena de inconstitucionalidade.

XVI - No entanto o RTD no seu nº1 do artº 46 dispõe “ Para os efeitos previstos no presente diploma, constituem contra ordenações puníveis com coimas de mil a três mil euros, para pessoas singulares, e até ao limite de vinte e cinco mil euros, para pessoas coletivas:” XVII - Assim, o artº 46 o RTD no seu nº1 veio, nomeadamente, alterar os limites da coima previstos no RGCO, no seu artº17º, designadamente o montante mínimo de (euro) 3,74 para os 1.000,00€ (mil euros) pelo que padece, desde logo por este motivo, de inconstitucionalidade.

XVIII - Neste sentido no acórdão TC nº 447/91 se decidiu que a moldura sancionatória fixada no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82 “tem de ser considerada como não derrogável por qualquer diploma posterior emanado do Governo sem competente autorização legislativa, na parte respeitante aos valores mínimo e máximo das coimas que nele se prevêem.

XIX - Conforme disposto alínea b) do nº 1 do artigo 198º da Constituição da República Portuguesa, o Governo tem competência para legislar, fazendo decretos-lei, em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, nas quais se inclui conforme já exposto ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo, ou seja, o Direito Contra Ordenacional, mas apenas mediante autorização desta.

XX - Porém no caso em apreço não existe Lei de Autorização concedida para o efeito, nem existe Decreto-Lei ao abrigo de autorização legislativa, XXI - Temos antes uma Portaria, que constitui emanação do poder administrativo e não legislativo, a, designadamente, alterar os limites mínimos e os limites máximos das coimas estabelecido pelo RGCO.

XXII - Ao dispor sobre matéria da competência da Assembleia da República, através de uma Portaria, e não por Decreto Lei ao abrigo de autorização legislativa concedida para o efeito, o Governo violou a Constituição da República Portuguesa, designadamente o disposto na alínea d) do nº 1 do artº165º, alíneas c) e d) do artº 161º, alínea b) do nº1 e nº 3 do artº 198.

XXIII - Pelo que a Portaria nº260/2014 de 15 de Dezembro, designadamente o disposto nos artigos 46º e ss, se encontra ferida de inconstitucionalidade orgânica, formal e material, sendo por esse motivo nula e de nenhum efeito na parte em que dispôs sobre matéria de ilícito de mera ordenação social nomeadamente alterando o disposto no Regime Geral de contra Ordenações pois que emanou do Governo e dos seus poderes executivos, sem autorização legislativa da Assembleia da República, sendo que a Constituição atribui a este Órgão de Soberania a competência para legislar nas matérias sobre as quais incidem os preceitos em causa.

XXIV - Por esse motivo é nulo também o Auto de Notícia, a impugnada deliberação do Conselho Directivo do INEM, bem como a sentença do tribunal a quo que a confirmou.

XXV - Acresce que nos termos do art. 58º, nº 1 do RGCO, a deliberação do Conselho Directivo do INEM que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter, a) a identificação dos arguidos, b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, d) a coima e as sanções acessórias.

XXVI -A deliberação do Conselho Directivo do INEM proferida no quadro de um procedimento contra - ordenacional deve ser devidamente fundamentada, mediante a enunciação concreta de factos susceptíveis de integrar os normativos (alegadamente) violados, alegando razões de facto e fundamentos de direito seguindo, basicamente, a estrutura da sentença penal, conforme o disposto na supra mencionada...

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