Acórdão nº 137/14.9IDAVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 137/14.9IDAVR-A.P1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito dos autos de Instrução supra identificados que correm termos na 3ª Secção de Instrução Criminal - J2 da Instância Central de Santa Maria da Feira, Comarca de Aveiro, os arguidos B...

e C...

arguiram a irregularidade da alteração não substancial de factos comunicada pela Exmª. Juíza de Instrução em diligência prévia à leitura da decisão instrutória, ou, se assim se não entendesse, fosse julgada não verificada a alteração de factos, por inexistência legal dos seus pressupostos.

Por despacho proferido a fls. 260 a 266 foi indeferida a irregularidade bem como o pedido de não verificação da alteração.

Inconformado, o arguido B...

interpôs recurso, quer do despacho que comunicou a alteração não substancial de factos, quer do despacho que indeferiu a arguição da respetiva irregularidade, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões (transcrição): «1. Da leitura do nº 4 do artº 105º do RGIT resulta que o prazo de pagamento da prestação tributária em falta é elemento do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do disposto no nº 1 desse mesmo artigo, pois que, se assim não fosse não faria sentido ter duas condições de punibilidade sujeitas a prazo também.

  1. Assim, a mera enunciação de que os arguidos “não entregaram no prazo estabelecido para os períodos a que respeitam, nem nos noventa dias seguintes ou em momento ulterior” não basta para que se considere preenchido o tipo legal de crime.

  2. De facto, para que a conduta dos arguidos seja punível criminalmente, necessário se torna que da acusação resulte, objetivamente, a indicação da concreta data em que a obrigação deveria ser cumprida (neste sentido Susana Aires de Sousa, “Os crimes fiscais”, Coimbra Editora, 2006, pág. 123 e Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, pág. 242).

  3. Assim, a falta de alegação do prazo no qual os arguidos deveriam ter entregue a prestação tributária, prescindindo a norma do elemento típico apropriação, constitui a falta de alegação de um elemento típico do crime que deve levar ao arquivamento.

  4. O arguido não tem que fazer (ou não deve ter que fazer) cálculos aritméticos para compreender a acusação.

  5. A partir do momento em que se deixa de presumir o conhecimento da lei incriminadora, considerando irrelevante para efeitos de punição o seu desconhecimento e passa a exigir a consciência da ilicitude como elemento essencial da culpabilidade é, de todo, imprescindível a indicação da lei aplicável na acusação e no despacho de pronúncia, quando este tenha lugar.

  6. A existência desta consciência tem de ser objeto de acusação e prova enquanto pressuposto da punição e como tal faz parte do objeto do processo (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal III, pág. 370).

  7. E a falta das disposições legais aplicáveis na acusação tanto pode levar ao decretamento da nulidade desta, como à sua rejeição por acusação manifestamente infundada (artº 311º do Código de Processo Penal que dispõe que tal ocorre quando aquela não contenha a identificação do arguido, não contenha a narração dos factos, se os factos não constituírem crime e se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam).

  8. Acresce que, se deve considerar a norma do artº 105º nº 1 do RGIT é uma norma penal em branco que tem a “particularidade de descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora ) . cfr. Teresa Beleza e Frederico da Costa Pinto in “O regime legal do erro e as normas penais em branco”, Almedina 2001, pág. 31 e Paulo Marques, in Crime de abuso de confiança fiscal, Coimbra Editora, 2011, pág. 92 e Nuno Lumbrales sura transcritos.

  9. Ora, assim sendo, é essencial a descrição na acusação das disposições legais aplicáveis, essencialidade essa que ganha outros e mais importantes contornos quando a norma em causa se refere a “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, pelo que ao arguido lhe devem ser dadas a conhecer as disposições legais aplicáveis.

  10. Dizer-se, assim, que o prazo de entrega da prestação tributária decorre da lei, cuja ignorância não justifica o seu incumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (artº 6º do Código Civil), como se faz na decisão recorrida, pelo que desnecessária se torna a descrição das disposições legais aplicáveis, é fazer uma interpretação revogatória do disposto no artº 283º nº 3 als. b) e c) do Código de Processo Penal, o que não é permitido ao intérprete.

  11. A notificação do arguido para uma alteração dos factos ou da qualificação jurídica tem como pressuposto que tal alteração dos factos ou da qualificação jurídica decorram dos atos de instrução ou do debate instrutório – artº 303º nº 1 e 5 do Código de Processo Penal.

  12. De facto, a alteração da qualificação jurídica não pode derivar de prova ou factos pré-existentes na acusação ou que decorram do inquérito, sob pena de se subverter o princípio do acusatório e do exercício da ação penal pelo Ministério Público.

  13. Por outro lado, devendo a alteração de factos derivar de prova produzida nos atos de instrução ou no debate instrutório, no despacho em que esta se desenha ou se anuncia, deve constar, do mesmo passo, de que meio de prova se socorreu o Tribunal para aventar tal possibilidade, sob ena de se caucionar um despacho sem fundamentação, o que determina a sua irregularidade, nos termos dos artºs. 97º nº 1 al. b) e 5 e 123º do Código de Processo Penal.

  14. Da mera leitura dos despachos recorridos conclui-se que não só tal alteração factual não decorreu do debate instrutório, como, da mesma forma, não decorreu da inquirição de testemunhas.

  15. Com efeito, nem no debate instrutório alguém disse qual a data de pagamento das prestações alegadamente em dívida, nem as testemunhas o disseram.

  16. Acresce que, justifica-se que a alteração dos factos ou da qualificação jurídica tenha que decorrer da prova produzida nos atos de instrução ou do debate instrutório, porquanto se os factos em causa decorrem já do inquérito, o juiz estaria a substituir o Ministério Público na sua competência de promoção processual.

  17. Ora, os factos constantes do despacho que anuncia a alteração da qualificação jurídica, decorreriam eventualmente do inquérito, mas por eles o Ministério Público não quis ou soube acusar.

  18. O princípio da acusação não tolera despachos de complementação ou correção da acusação proferidos pelo Juiz e Instrução tendo o MP por destinatário tácito ou explícito porque o objetivo do princípio da legalidade da ação penal não é o de constituir fundamento de uma sindicância oficiosa do âmbito do objeto do processo, afirma Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 762.

  19. Da mesma forma, não pode o JIC, aperfeiçoar ou corrigir a acusação – nas suas palavras -, por forma a colocar factos ou uma qualificação jurídica que aí não constavam e que decorressem do inquérito.

  20. Quer isto dizer que a interpretação que se extraia das disposições dos artºs. 123º nº 1 e 303º nº 1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal pode determinar uma alteração da qualificação jurídica, sem que no despacho que a anuncia descreva quais os meios de prova produzidos na qual se baseia e sem que a mesma alteração decorra apenas dos atos de instrução ou do debate instrutório, é inconstitucional por violação do princípio da estrutura acusatória do processo, do princípio do monopólio do exercício da ação penal pelo Ministério Público e da fundamentação das decisões judiciais, com assento nos artºs. 32º nº 5, 205º nº 1 e 219º nº 1 da Constituição.

  21. Por outro lado, a instrução é uma fase facultativa do processo e, tendo sido requerida pelos arguidos, desta não pode resultar uma agravação ou um acrescento ao número de infrações ou penas aplicáveis ou dos factos que lhe vêm imputados, porque esse não é o objeto da instrução.

  22. Ora, tendo sido requerida a instrução pelos arguidos apenas em seu benefício pode resultar (tal como a interposição de recurso pelo arguido da sentença condenatória e a consequente proibição de reformatio in pejus), pois que não faria qualquer sentido que o legislador, ao prever a alteração dos factos e da qualificação jurídica em sede de instrução, quisesse que, sendo o arguido a requerê-la, este pudesse vir a ser penalizado por o fazer, saindo da fase de instrução por si requerida a responder por crimes mais graves, por outros crimes ou por factos que não constavam da acusação.

  23. Do mesmo passo, para que se cumpra o ritualismo constante desta norma, para além do que se disse, do despacho que determina a alteração da qualificação jurídica devem constar quais os meios de prova que levaram a tal alteração dos factos.

  24. De facto, não se dizendo em tal despacho em que prova se fundou o Tribunal para ponderar a alteração da qualificação jurídica, o arguido não pode, eventualmente e por exemplo, requerer a reinquirição da testemunha cujo depoimento determinou a alteração ou pronunciar-se sobre o seu depoimento, porque não sabe quem foi.

  25. Os despachos recorrido violaram ou fizeram errada aplicação das normas jurídicas constantes da motivação e conclusões que aqui se dão por integralmente reproduzidas, não podendo, pois, os despachos recorridos manterem-se.» *Tendo sido, entretanto, proferida decisão instrutória de pronúncia, dela veio o arguido B...

    interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. Da leitura do nº 4 do artº 105º do RGIT resulta que o prazo de pagamento da prestação tributária em falta é elemento do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do disposto no nº1 desse mesmo artigo, pois que, se assim não fosse não faria sentido ter duas condições de punibilidade sujeitas a prazo também.

  26. Assim, a mera enunciação de que os arguidos “não entregaram no prazo estabelecido para os...

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