Acórdão nº 1091/15.5T8PVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1091/15.5T8PVZ.P1(apelação) Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B..., casado, residente no ..., nº .. – 1º Direito, ....-... Maia, instaurou ação declarativa comum, por acidente de viação, contra C..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede na Rua ..., .., ....-... Porto, alegando essencialmente que, no dia 23.8.2012, foi embatido por um veículo seguro na R. quando, na qualidade de peão, transitava pela passadeira e com o sinal luminoso verde para os peões e vermelho para os veículos automóveis que circulavam na faixa de rodagem, designadamente para o veículo seguro que então violou o dever de permanecer parado no semáforo e respeitar a travessia do A.

Tendo resultado dali várias lesões corporais para o A., com internamentos hospitalares, cirurgias, tratamentos e consultas, dores e incapacidades, estima em € 60.000,00 os danos não patrimoniais e em € 235.400,00 os danos patrimoniais sofridos.

Termina o seu articulado como seguinte pedido: «(…) ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia global de 295.240,00 €, sendo os montantes de 60.000,00 € e de 235.240,00 €, respetivamente, a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais, quantia global essa acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais se condenando a R. nas custas do processo e em procuradoria condigna.

» (sic) Citada, a R. contestou a ação impugnando parcialmente os factos alegados no petitório, designadamente os relativos às circunstâncias do acidente, alegando que o veículo seguro, parado ao sinal vermelho luminoso, reiniciou a sua marcha quando tal sinal passou a verde para si, tendo ocorrido o embate quando passava por cima da passadeira existente junto ao semáforo, por o A. ter efetuado a sua travessia, da direita para a esquerda, atento o sentido do veículo, no momento em que o semáforo acionava a luz vermelha para os peões, para além de que o A. não ia apeado com a bicicleta pela mão, ia montado nela.

Mais impugnou a R. a matéria dos danos que, a serem verdadeiros, entende que sempre seriam exagerados.

Defendeu a seguradora a improcedência da ação.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido da identificação do objeto do litígio e dos temas de prova, para além dos elementos relativos à prova.

Realizada a audiência final, em duas sessões, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Atento o exposto, decide-se julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver a Ré do pedido contra ela formulado.

Custas pelo Autor.

»*Inconformado, recorreu o A. de apelação, em matéria de facto e de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1 – No entender do ora Recorrente, houve erro notório na apreciação da prova, mormente no que concerne às declarações de parte do autor e à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.

2 – O Recorrente não se conforma com as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) e com as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença sob as alíneas A), B), C) e D).

3 – Do depoimento da testemunha D..., arrolada pelo A. e inquirida no decurso da audiência de julgamento e das declarações de parte do mesmo A., prestadas nessa mesma audiência, resulta evidente e à saciedade que as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) deveriam ter sido dadas como não provadas e as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença, sob as alíneas A), B), C) e D), deveriam ter sido dadas como não provadas.

4 – Da análise do depoimento da testemunha D..., resulta - inequivocamente e à saciedade - que o mesmo foi espontâneo e coerente, tal como o depoimento de parte do A..

5 – Portanto, tais depoimentos, conjugados com toda a documentação carreada para os autos, deveriam ter conduzido a que o Tribunal a quo tivesse dado como não provadas as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) e como provadas as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença, sob as alíneas A), B), C) e D).

6 – Das alterações a efetuar às matérias de facto dadas como não provadas resultará que deverão ser dadas como assentes as matérias constantes das mencionadas alíneas A), B), C) e D) e como não provadas as matérias constantes dos referidos itens 18) e 19).

7 – Assim, decorrerá, forçosamente, dessas alterações e no que concerne à responsabilidade civil decorrente da ocorrência do acidente em apreço nos presentes autos, que a ação deverá ser julgada procedente e, consequentemente, ser a Ré condenada no correspondente pedido indemnizatório, uma vez que o Autor logrou provar todos os factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade civil – art.º 342.º do Cód. Civil.

8 – No caso em apreço, estamos perante uma situação de responsabilidade a título de culpa efetiva por parte da condutora do veículo ..-..-XZ, verificando-se a violação culposa de uma norma legal relativa à condução rodoviária (art. 483.º, n.º 1, do Código Civil), 9 – Mas mesmo que assim não fosse, o que apenas como mera hipótese académica se admite, mas não se concede, sempre haveria lugar, ao caso em apreço, à aplicação do instituto da responsabilidade pelo risco, até porque o A. estruturou a sua causa de pedir “quer com fundamento em responsabilidade derivada da culpa da condutora do veículo ..-..-XZ, quer com base na responsabilidade fundada no risco, a qual subsidiariamente se invoca para a hipótese, que não se concede, daquela não se provar…” (art. 9º da P.I.).

10 – Ora, no caso em apreço, a condutora do veículo ..-..-XZ circulava por conta do respetivo proprietário desse veículo e terceiro, pelo q ue estamos perante a situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.º 3 do art. 503.º do Código Civil, que se aplica aos casos, incluindo a colisão de veículos (cfr. Assento do STJ n.º 3/94, no D.R. I Série, de 19-03-94), em que intervém no acidente condutor de veículo por conta de outrem no exercício das suas funções e não consiga ilidir a presunção de culpa que a lei faz recair sobre ele, provando que não houve culpa da sua parte (v. ainda os arts. 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 2, do Código Civil).

11 – Mas mesmo que, ainda, assim não fosse, o que apenas como mera hipótese académica se admite, mas não se concede e estivéssemos perante a situação de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos, a que aludem os arts. 503.º, n.º 1, e 506.º, n.º 1, do Código Civil, nos casos em que não se consegue provar a culpa efetiva de algum dos intervenientes e em que nenhum deles está onerado pela situação de culpa presumida a que alude o n.º 3 do art. 503.º do Código Civil e não se provar qualquer das situações previstas no art. 505.º do Código Civil, independentemente da causa que está na origem dos danos sofridos pelo A., a Ré sempre estaria obrigada a pagar até metade do respetivo valor.

12 – Isto, uma vez que jamais se admite a conclusão, a que se chegou na sentença recorrida, de que a produção do acidente ficou a dever-se em exclusivo à culpa do ora Autor, facto que constituiria circunstância excludente da responsabilidade da Ré pela reparação dos danos por aquele sofridos.» (sic) Nesta base, o apelante defendeu a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a presente ação total ou parcialmente provada e procedente, consoante a adoção de uma das soluções jurídicas supra --- e subsidiariamente ---apontadas, condenando-se a Ré a indemnizar o A. pelos danos por si sofridos e que venham a ser dados como provados, com todas as legais consequências daí resultantes.

Em contra-alegações, a R. defendeu a confirmação do julgado, sugerindo a consideração dos depoimentos das testemunhas E... e da condutora do veículo interveniente no acidente (este prestado por escrito).

Em matéria de Direito, argumenta que provada a culpa efetiva do A., está afastada a culpa presumida e a responsabilidade pelo risco.

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação do A., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir as seguintes questões: 1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto; 2. As consequências jurídicas da (eventual) modificação da decisão em matéria de facto; 3. A culpa presumida da condutora do veículo; 4. A responsabilidade pelo risco.

*III.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância: 1) No passado dia 23 de Agosto de 2012, pelas 13h00, a das 16 horas e 30 minutos, na E.N. .., concelho da Maia, no denominado “cruzamento ...”, em frente ao número de polícia ..., o Autor foi atropelado pelo veículo de passageiros de marca Citroen ..., com a matrícula a matrícula ..-..-XZ, conduzido por F... e pertencente a G...; 2) No dia e hora supra referidos, no local indicado no item antecedente, que se encontra dotado de semáforos, o ora Autor iniciou a travessia daquela E.N. .., no sentido nascente - poente, utilizando a passadeira de peões ali existente; 3) O autor foi colhido sobre o seu lado esquerdo pela frente do veículo de matrícula ..-..-XZ quando efectuava tal travessia; 4) O veículo de matrícula ..-..-XZ, que circulava na referida E.N. .., no sentido Porto/Braga, ou seja sul/norte, parou no mencionado semáforo, uma vez que este se encontrava vermelho para os veículos automóveis; 5) Aquele veículo ..-..-XZ, à data do acidente, encontrava-se...

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