Acórdão nº 956/10.5TBSTS-E.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 956/10.5TBSTS-E.P1 Sumário do acórdão: ......................................................

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Em 1.03.2010, B... intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso[1], ação de investigação de paternidade contra C... e mulher, D..., E... e F....

Alegou em síntese, a autora: nasceu no dia 24 de abril de 1924, tendo sido registada sem menção de pai; porém é filha de G..., já falecido, que era pai dos réus, visto ter nascido das relações de cópula completa entre aquele e a sua mãe, tendo-lhe prometido casamento e seduzido, passando a manter relações de sexo com regularidade, nomeadamente nos primeiros 180 dias dos 300 que precederam o nascimento da autora, em resultado das quais veio a nascer a autora; durante aquele lapso de tempo, a mãe da autora não teve relações sexuais com mais nenhum homem; aquele relacionamento era assumido por G... que dela não fazia segredo e pretendia casar com a mãe da autora; durante a gravidez da mãe e após o seu nascimento tratava a autora por filha, fazendo-o nomeadamente em cartas dirigidas à sua falecida mãe, que ela guardou e que vieram a ser descobertas, casualmente há alguns meses e nas quais se refere o relacionamento amoroso e à gravidez daquela; cada um dos seus progenitores seguiu a sua vida com independência, tendo ambos casado com outras pessoas e tido filhos, mas sempre o investigado designava a autora por sua filha e das pessoas que com ele privavam; G... veio a falecer em 23/08/1958 sem ter reconhecido formalmente a paternidade da autora; a requerente está em tempo de investigar, pois, desde logo, existem “escritos do seu pai”, ou seja, cartas nas quais reconhece expressamente a sua paternidade que foram descobertas pela autora, há menos de seis meses, ao remexer velhos papéis que se encontravam entre os pertences da sua mãe, pelo que está em tempo de investigar a sua paternidade nos termos do disposto no art.º 1817º, n.º do Cód. Civil, aplicável ex vi do art. 1873º do mesmo diploma.

Citados, os réus contestaram, impugnando a factualidade alegada pela autora e deduzindo a exceção perentória de caducidade do direito que a autora invoca. Alegam que porque por força do disposto no art.º 1817.º, n.º 1 do Código Civil, a ação de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. Mais defendem que o pedido aqui formulado consubstancia um verdadeiro abuso de direito. Questionam ainda algumas das diligências requeridas pela autora, nomeadamente o pedido de exumação do cadáver do pai dos réus.

Terminam pedindo que seja conhecida e julgada procedente a caducidade do direito de propor a ação e ainda que seja a ação julgada improcedente por não provada com a necessária absolvição dos pedidos que contra si foram formulados.

Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferido despacho que entre o mais, saneou o processo e julgou não verificada a exceção da caducidade invocada pelos réus.

Não se conformaram os réus e interpuseram recurso de apelação, tendo o mesmo subido a este Tribunal, onde foi proferido acórdão, em 9.10.2014, cuja fundamentação se transcreve parcialmente: «Ora como aqui já vimos e contrariamente ao defendido pelos Réus, o Tribunal “a quo” julgou não verificada a excepção de caducidade invocada por estes e relativamente ao prazo fixado pelo nº1 do art.º1817º do Código Civil.

Num primeiro momento e ainda que com argumentos diversos, foi entendido que tal decisão merecia ser confirmada.

Assim no acórdão então proferido a fls.78 e seguintes, foi decidido que a norma art.º1817º, nº1 do Código Civil padece de inconstitucionalidade, razão pela qual a Autora não estaria vinculada ao prazo de caducidade aí previsto.

No entanto, tal decisão foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo Digno Magistrado do Público junto deste Tribunal da Relação.

Na sequência do mesmo recurso, veio então aquele Venerando Tribunal a emitir decisão na qual determinou que o acórdão aqui proferido fosse reformado no sentido da constitucionalidade da norma em apreço (cf. fls.104 e seguintes).

Impõe-se-nos pois proferir nova decisão que aprecie tal norma de acordo com o entendimento superiormente emitido.

Assim sendo, voltamos a recordar que tendo a presente acção sido instaurada no dia 1.03.2010, à situação em apreço não pode deixar de ser aplicada a redacção dada ao art.º1817º pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, com entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art.2º) e que é aplicável aos processos pendentes (art.3º), e que é a seguinte: “1. A acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

  1. Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.

  2. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.

    1. (…).

  3. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.” Para além de outras, do conteúdo desta norma resulta a tese desde há muito aceite segundo a qual na acção de investigação de paternidade a causa de pedir é o facto jurídico da procriação, a relação biológica existente entre investigante e investigado (neste sentido por exemplo o recente Acórdão deste Relação de 20.05.2014, no processo nº4293/10.7TBSTS.P1, em dgsi.Net.).

    Assim, devemos ter como certo que tal facto jurídico pode lograr prova directamente, enquanto prova da procriação ou filiação biológica (assumindo aqui o maior relevo a hoje em dia comum prova científica) ou indirectamente (aqui através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em regras de experiência - a demonstração de que houve relações de sexo entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção (cf. o art.º1798º do Código Civil), e que tais relações foram exclusivas.

    No entanto, tal facto pode ainda ser provado, ainda que por forma indirecta, através do uso de alguma das presunções legais previstas no nº1 do art.º 1871º.

    Deste modo provado que sejam os factos integradores destas presunções, sem que seja posta em dúvida a paternidade biológica, ou então provados os factos relativos à filiação biológica, mesmo que se não verifique qualquer daquelas presunções, a paternidade deve ser reconhecida.

    De qualquer forma nada obsta a que a paternidade seja verificada pelas duas vias cumuladas – seja pela via directa, seja pela via indirecta (cf. entre outros o Acórdão do STJ de 27.05.2010, no processo nº 1657/03.6TBFAF.G1.S1, em dgsi.Net). Ora como resulta dos autos, tal cumulação de fundamentos também ocorre nos presentes autos, onde a Autora trouxe a juízo a alegação directa dos factos necessários a que se fixe o facto jurídico da procriação, bem como a alegação indirecta do tratamento e reputação como filha, aliada à existência de escritos nos quais o investigado pai reconhece a sua paternidade – conforme a presunção de paternidade a que alude o disposto no art.º 1871º nº1 alíneas a) e b) do Código Civil, segundo as quais onde se lê que a paternidade se presume “quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público” e/ou “quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade”.

    Perante o acabado de expor e resumindo as questões relativas aos prazos de caducidade, impõe-se salientar que com evidente relevância para as questões em análise, assumem importância três prazos distintos e que são os que constam do já antes citado art.º1817º do código Civil: -a acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (segundo o nº1 do art.º 1817º); -se não for admissível estabelecer a paternidade pela necessidade de afastar aquela que conste do registo de nascimento (art.º 1815º), a acção pode ser proposta nos três anos posteriores ao cancelamento do registo inibitório (nº2 do art.º 1817º); -a acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai (cf. a alínea b) do nº3 do art.º 1817º do Código Civil); Não se questiona que estamos em face de prazos diferentes, correspondentes a previsões fácticas diferentes – um prazo regra (o do nº1) e outros prazos previstos para a verificação de factos excepcionais que a lei enumera nos nºs 2 e 3 da mesma norma.

    Ora no que toca ao prazo previsto no nº1 do art.º1817º, muitos têm defendo a tese segundo a qual o mesmo não consubstancia um verdadeiro prazo de caducidade (até pela sua excepcional duração – 10 anos – muito superior à usual, em matéria de caducidade de direitos), antes traduzindo um período de tempo onde a referida norma não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos nº 2 e 3 do mesmo artigo (neste sentido o Acórdão desta Relação de 26.11.2012, no processo nº1906/11.7T2AVR.P1, em dgsi.Net).

    De todo o modo, na situação dos autos e sendo de respeitar a orientação que foi proposta pelo Tribunal Constitucional, cabe concluir pela caducidade do direito à investigação de paternidade por parte da autora B… à luz do disposto na mesma norma (cf. o nº1 do art.º.1817º).

    No entanto e como resulta dos autos, a mesma...

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