Acórdão nº 10239/16.1T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA S
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 10.239/16.1T8VNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V. N. Gaia - Juiz 1 Recorrente: B… Recorrido: Centro Hospitalar C… E.P.E.

Acordam na secção social desta Relação 1. Relatório: B… intentou contra o Centro Hospitalar C…, ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que esta seja julgada procedente e provada, o Réu condenado a reconhecer-lhe o direito ao subsídio de turno enquanto se mantiver nos horários de serviço de urgência, a pagar o subsídio de turno retirado depois de Janeiro de 2016, no valor de €8.000,00 e os que se venham a vencer e a pagar os juros de mora, desde a data em que deviam ter sido pagos os subsídios até integral pagamento.

Para tanto, em síntese, alega que foi contratada pelo Réu, em 15/10/2007, para lhe prestar funções como médica, 40 horas semanais no serviço de urgência do mesmo, tendo-se comprometido a cumprir, sempre que necessário, trabalho nocturno e por turnos e o Ré, em contrapartida, a pagar-lhe o salário ilíquido mensal de €2.469,60, a que acrescia um prémio de assiduidade de €500,00 mensais e um subsídio de turno de €800,00 mensais, ambos apenas em 11 meses do ano.

Mais alega que desde meados de 2011, esteve impossibilitada de prestar trabalho nocturno, por motivos de saúde, mas continuou a trabalhar em regime de turnos e a receber o subsídio de turno pois mau grado essa limitação, nunca tendo o Réu deixado de lhe pagar o subsídio de turno. Em Outubro de 2015, comprovou a manutenção da impossibilidade de prestar trabalho nocturno, mas viu ser-lhe atribuído um horário onde era escalada para realizar trabalho nocturno, não lhe adiantando reafirmar, que há cinco anos que não realizava serviço de urgência nocturno, viu-se obrigada a requerer a dispensa de prestação de trabalho nocturno, dado que tinha 62 anos de idade, tendo o Réu determinado que depois de Janeiro de 2016 deixaria de prestar serviço nocturno, mantendo-lhe o demais sistema de horário, integrada numa equipa de urgência, que sempre prestou desde Junho de 2011, sem nenhuma diferença.

Por fim, alega que em Fevereiro, deixou de receber o subsídio de turno, apesar de continuar a trabalhar por turnos, tendo a ele direito.

Realizada a audiência de partes e não se logrou obter acordo entre elas.

O Réu contestou, impugnando parcialmente o alegado pela Autora, com o argumento de que o serviço de urgência – único para o qual a Autora foi contratada – pressupõe necessariamente a existência de escala/turnos, tanto diurnos como nocturnos, em períodos de 12 horas, incluído em sábados, domingos e feriados.

Alega que, pese embora, o subsídio em causa ter sido denominado apenas de turno, visava compensar essa especificidade de os médicos tanto terem de trabalhar em turnos como em períodos nocturnos, sendo esse o desiderato da cláusula 9ª, nº 3, do contrato.

Por fim, alega que a Autora, desde 1 de Janeiro de 2016, deixou de prestar serviço no horário completo do serviço de urgência, para passar a prestar, no mesmo serviço, exclusivamente no período diurno e em horário desfasado e, conclui, porque a Autora deixou de prestar trabalho por turnos que, necessariamente, no serviço de urgência inclui o trabalho nocturno, o Réu deixou de lhe pagar o subsídio contratado, invocando que atribui-lo a ela significaria uma discriminação relativamente aos colegas do mesmo serviço, que cumprem o horário rotativo de períodos de doze horas.

Termina referindo que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido.

Foi proferido despacho saneador tabelar, fixado à causa o valor de €8.000,00 e dispensada a seleção da matéria de facto, realizou-se a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 139 e, em 04.07.2017, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente ação que a Autora B… intentou contra o Réu Centro Hospitalar C…, E.P.E., absolvendo-se este do(s) pedido(s) formulado(s) por aquela.

Custas pela A.”.

Inconformada a Autora interpôs recurso que terminou com as seguintes conclusões: 1 - A Autora não se pode conformar com a Douta Sentença que decidiu, pese embora considerar que a Autora desenvolve o seu trabalho em regime de turnos, que a declaração negocial – contrato de trabalho – “devem valer com um significado diverso”, mais afirmando que esse sentido era conhecido do declaratário e correspondia à vontade real das partes, determinando a licitude da retirada do subsídio de turno e, nessa ordem, decidindo pela improcedência da ação.

2 - Termos em que não pode a Autora deixar de recorrer de Direito mantendo-se a decisão quanto à sua fundamentação violadora da lei e interpretada num sentido perfeitamente contrário à prova produzida.

3 - Refere a clª. 5.ª do Contrato individual de trabalho da Autora que “à retribuição (…) acrescem os montantes de €800,00 (oitocentos euros) por subsídio de turno…” 4 - A cláusla 9.ª respeitante à duração do tempo de trabalho refere no n.º 3 que “não obstante, o segundo outorgante obriga-se a cumprir, sempre que necessário, trabalho nocturno e por turnos”.

5 - Quer declarante, quer declaratário estão perfeitamente conscientes do declarado.

6 - Outros conceitos se encontram equivocadas na douta Sentença e está neste caso a retribuição por trabalho nocturno e o próprio trabalho nocturno.

7 - O esquema dos turnos postula horários de trabalho não uniformes ou de tal modo articulados que o termo do período de um trabalhador coincide com o início do período de outro trabalhador.

8 - A Autora não passou a ter um horário fixo, de Segunda a Sexta-feira, 8 horas por dia, 40 horas por semana, conforme determina o DL 176/2009.

9 - A carga usual de um serviço de urgência é de 12 horas. Os horários são ajustados de forma a serem prestados os 7 dias por semana, nos quais se incluem o sábado, o domingo e feriados.

10 - O subsídio de turno destina-se a compensar a maior penosidade decorrente da sujeição do trabalho aos turnos e respectivas repercussões fisiológicas, familiares e sociais, o que acontece com a inexistência de fins-de-semana e jornadas de 12 horas.

11 - O subsídio de turno é atribuído tendo em consideração o modo da prestação e exercício funcional e está intrinsecamente ligado à penosidade desse tipo de trabalho.

12 - A situação que serve de fundamento à atribuição do subsídio de turno nunca deixou de existir. A Autora nunca deixou de trabalhar por turnos. A Autora esteve sempre integrada numa equipa de urgência, prestando cadenciadamente trabalho durante os dias úteis da semana, assim como aos sábados ou aos domingos e feriados.

13 - A Autora encontra-se desde meados de 2011 impossibilitada de prestar trabalho nocturno por motivos de saúde e goza do direito enquanto médica de solicitar a dispensa de trabalho nocturno após 50 anos sem qualquer perda de retribuição.

14 - A Ré não dispensou a Autora da prestação de serviço nocturno, mau grado o seu estado de saúde e ao contrário do que a Autora já fazia há 5 anos.

15 - A Autora viu-se obrigada a lançar mão do n.º 5 da cláusula 42.ª do ACT, nos termos do qual qualquer médico que ultrapasse os 50 anos de idade pode requerer a dispensa de prestação de trabalho nocturno.

16 - A Autora é sindicalizada no SMN (Sindicato dos Médicos do Norte).

17 - A decisão “a quo” viola claramente o ACT e normas legais previstas em matéria de segurança e saúde no trabalho.

18 - A Ré tem o dever de assegurar a trabalhador que sofra de problema de saúde relacionado com a prestação de trabalho nocturno a afectação a trabalho diurno que esteja apto a desempenhar, nos termos do n.º 5 do artigo 225.º do Código do Trabalho.

19 - A Sentença de que se recorre viola assim o dever de pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 127.º, do Código do Trabalho.

20 - Retribuição que deve ser adequada ao modo da prestação e exercício funcional do trabalho por turnos e à penosidade desse tipo de trabalho.

21 - O Tribunal a quo interpretou incorrectamente a cl.ª 9.ª do Contrato de Trabalho da A./Apelante, violando o disposto nos artigos 236.º, 237.° e 238.º do Código Civil.

22 - O artigo 236.º do Código Civil visa homenagear os princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico.

23 - No caso sub-judice, quando muito a retribuição acordada teria implícita a prestação de trabalho nocturno, que nada tem a ver com o trabalho por turnos.

24 - A Sentença de que se recorre viola claramente o artigo 237.º do Código Civil.

26 - Nos termos do artigo 237.º do Código Civil, em caso de dúvida sobre o sentido das declarações, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Em remate pede a revogação da sentença.

O Réu contra-alegou, sem formular conclusões, defendendo que deve ser recusado provimento ao recurso da Autora, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.

O recurso foi admitido.

Recebidos os autos neste tribunal, apresentados os mesmos ao Ministério Público, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida por ter efectuado correta análise dos factos e aplicação do direito, na consideração, de que: “a matéria dos factos provados 2.°, 3.°, 4.°, 12.° e 13.° integra um conjunto de circunstâncias susceptível de determinar - do ponto de vista do declaratário normal a interpretação, perfilhada na decisão recorrida, de que a vontade real das partes era a de que o subsídio de turno se destinava a remunerar o trabalho nocturno e por turnos, conjuntamente.

O próprio facto 13.° estabelece expressamente essa conexão ao fixar que, "por isso (por o serviço na urgência ser prestado em escalas cadenciadas - facto 11- e em períodos das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia - facto 12.°), e também para compensar o facto de, por vezes, serem escalados para serviço em sábados, domingos e feriados, é que...

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