Acórdão nº 280/15.7EAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr 280/15.7EAPRT.P1 Acordam os juízes, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Felgueiras do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que o condenou, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, g), e 108.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na pena de dois meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, e cem dias de multa, à taxa diária de seis euros.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina em causa nos autos, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

B. Uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, sendo patente e muito relevante em jogos socialmente aceites como rifas ou, essencialmente, nas vulgarmente denominadas “raspadinhas”, nas quais em troca de €1,00 (um euro) os jogadores se habilitam a prémios de pelo menos €10.000,00 (Dez Mil Euros), consoante o jogo/cartaz em causa.

C. Por outro lado, nesse jogo das “raspadinhas” só existe a certeza da emissão de determinado capital de prémios, mas já não existe a certeza de que todos os prémios se encontrem em jogo a cada momento em que alguém pretende adquirir o respectivo “talão”, o que, as mais das vezes, induz os seus jogadores em erro pensando estar a habilitar-se a prémios que já poderão ter saído e sem que nada lhes tenha sido comunicado, D. O que torna muito mais “honesta” a utilização da máquina dos autos, pois que em cada momento, estão sempre em jogo os prémios ali anunciados, os quais vão sendo aleatoriamente atribuídos pela própria máquina, com base em cálculos e fórmulas matemáticas, conforme resulta do Relatório Pericial.

E. Ademais, a máquina em causa autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolve um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que, a única diferença substancial para a máquina objecto de fixação jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, prende-se com o modo de funcionamento, eléctrico ou mecânico, sendo os jogos substancialmente idênticos e em nada dependendo da perícia ou destreza, podendo os prémios a final serem eventualmente convertíveis em dinheiro.

F. A jurisprudência fixada pelo STJ tem aplicação ao caso concreto nestes autos, porquanto, o que está em causa não é uma qualquer imposição de jurisprudência, por serem então iguais as máquinas em apreço (porque efectivamente não o são), mas sim, o espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência, e o facto de tal permitir então a qualificação de máquinas como as dos autos como não sendo máquinas destinadas à prática de jogos de fortuna ou azar.

G. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, H. Ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento directo de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património.

I. Além do que, o mesmo não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas, J. Na medida em que, mesmo que fosse possível utilizar uns quaisquer pontos ganhos (o que se desconhece, por inexistir factualidade provada quanto a tal matéria), tal utilização sempre seria limitada a 1 (um) ponto de cada vez, o qual concederia então o direito a 2 (duas) jogadas, inexistindo, por isso, a compulsividade dos denominados “jogos de casino” e a possibilidade de “tudo ganhar” ou “tudo perder”, pois que não é de todo possível arriscar de uma só vez todos os pontos eventualmente acumulados.

K. Sendo que, o valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas um “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

L. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.2485/08 e publicado na 1.ª Série, Nº 46, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico? M. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.SFDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.

N. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadrem num mecanismo em que os prémios se encontrem previamente definidos» O. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contraordenação, conforme preceituado no art. 163º, P. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República.».

Q. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, doutos Acórdãos desta Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, está em crer modestamente o Recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

R. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” ter concluído pela subsunção da conduta do Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.

S. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”, T. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos “jogos de casino” - Cfr. arts. 1.º e 4º, n.º 1, als. f) e g) - sendo que, no caso concreto, este requisito se encontra totalmente afastado.

U. Isto sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (arts. 1 º e 4º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art. 4º), donde...

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