Acórdão nº 387/15.0PFPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 387/15.0PFPRT.P1 Comarca do Porto – Instância Local – Secção Criminal – J1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No processo comum singular supra referenciado em que é arguido B...

(devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): «Pelo exposto, julgo não e provada e improcedente, a douta acusação pública e em conformidade: Absolvo o arguido, B..., do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22/01, por referência ao art. 21.º do mesmo diploma e à Tabela anexa-I-C, de que vinha acusado. (…)» Inconformado com a decisão proferida, dela recorreu o Ministério Público nos termos que constam a fls. 176 a 182, finalizando a sua motivação do seguinte modo (transcrição): «1ª Nos presentes autos foi o arguido absolvido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, alª a) do Dec Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência a Tabela I C anexa aquele diploma, de que fora acusado; 2ª A sentença que absolveu o arguido considerou como provado que este detinha droga e que a destinava ao seu consumo pessoal durante um período de cerca de 3-4 dias; 3ª Ao considerar tal factualidade a Senhora Juiz entendeu não haver qualquer responsabilidade criminal do arguido e ordenou a extracção de certidão para apuramento da sua responsabilidade contra-ordenacional nos termos do estipulado na Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro; 4ª Contudo, salvo melhor opinião, entendemos que a factualidade dada por provada é passível de enquadrar a prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

  1. E tal deve-se ao facto de a quantidade de droga apreendida ao arguido exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

  2. Com efeito, existindo nos autos um exame às drogas detidas pelo arguido, exame efectuado pelo LPC, e do qual consta expressamente o respectivo princípio activo e o grau de pureza das referidas drogas, impõe-se que seja aplicado ao caso o plasmado na Portaria 94/96, de 26 de Março.

  3. Assim, dado por provado que o arguido detinha para seu consumo exclusivo 1,138 gramas (peso líquido) de canábis, vulgarmente designada por liamba, com uma THC de 10,6% e de 9,582 gramas (peso líquido) de canábis (resina), vulgarmente designado por haxixe, com uma THC de 33,1%, há que concluir que o arguido detinha produto estupefaciente que excedia, largamente, a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

  4. Na verdade, de acordo com a alínea a) na nota nº 3 à Tabela anexa à Portaria 94/96, de 26 de Março, o valor diário de 0,5 de cannabis corresponde a uma concentração média de 10%; 9ª Pelo que, tendo sido dado por provado que o arguido detinha canábis com o peso líquido de 9,582 grs., que corresponde um grau de pureza de 33,1%, então a conclusão lógica a extrair é a de que o arguido detinha produto estupefaciente em quantidade suficiente para o consumo médio individual durante o período de 57 dias.

  5. Assim, não pode ser aplicado ao caso o disposto no artº 2º da Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, porquanto tal normativo só tem aplicação às situações em que a droga detida não excede o suficiente para o o consumo médio individual durante 10 dias.

  6. Do exposto, há que concluir que o arguido deveria ter sido condenado pelo crime de consumo de estupefacientes, p. e p, pelo artº 40º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, conforme o determinado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2008, de 25 de Junho.

  7. Ao absolver o arguido de todo e qualquer crime e concretamente do crime do artº 40º, nº 2 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o normativo previsto no pelo artº 40º, nº 2, do Dec Lei nº 15/93, e na Portaria nº 94/96 de 26 de Março e bem assim o previsto no artº 2º da Lei nº 30/2000 de 29 de Novembro, devendo ser revogada e substituída por outra que contemple a condenação do arguido pela prática de tal ilícito. » Admitido o recurso, respondeu ao mesmo o arguido (fls 197/198), sustentando a sua improcedência.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 207 a 210) no qual, invocando o vício de erro notório na apreciação da prova, pugna pela procedência do recurso e, na sequência, pela condenação do arguido.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

***II – Fundamentação Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

Atentas as conclusões apresentadas a questão que importa decidir atem-se a saber se, face à factualidade provada em conjugação com o exame pericial existente, se impõe a condenação do arguido pela prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p, pelo artigo 40º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01.

Cumpre apreciar e decidir: Vejamos, antes de mais, o que da sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, respetiva motivação e enquadramento jurídico-penal (transcrição parcial): «1) Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 10 de Junho de 2015, pelas 04h47m, no ..., nesta cidade o arguido foi encontrado na posse de 1,138 gramas (peso liquido) de canábis (fls/sumidades), vulgarmente designado por liamba, com uma (THC) de 10,6% e de 9,582 gramas (peso liquido) de canábis (resina), vulgarmente designado por "haxixe", com uma (THC) de 33,1 %.

  1. O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos das substâncias estupefacientes que detinha e destinava ao seu consumo e sabia que a posse, detenção e consumo das mesmas, para a qual não estava autorizado, era proibida e punida por lei.

    Mais se provou: 3. O arguido tinha adquirido o estupefaciente referido em 1), nesse dia, pouco tempo antes da hora referida em 1), pelo preço de €50,00, a indivíduos de identidade desconhecida.

  2. O arguido destinava o referido estupefaciente -referido em 1)-, ao seu próprio consumo, durante um período de cerca de 3-4 dias.

  3. O arguido é consumidor de estupefacientes desde há cerca de 15 anos e na data referida em 1) vivia no Porto.

  4. Encontra-se em tratamento no CRI de Viana do Castelo, desde 22/12/15 e é seguido em psiquiatria desde 18/03/16; comparece às consultas marcadas (sempre acompanhado pelo pai), cumprindo os esquemas terapêuticos instituídos 7. Desde que iniciou o referido tratamento só consome esporadicamente haxixe.

  5. O arguido: a) é solteiro e tem 39 anos de idade; b) é licenciado em História mas nunca exerceu essa profissão; c) trabalhou como comercial numa empresa de consumíveis informáticos, a “C...” e encontra-se desempregado desde 2014; d) vive com a irmã e os pais, ambos reformados, em casa destes; e) confessou parcialmente os factos de que vinha acusado, com relevância para a descoberta dos mesmos e mostrou-se arrependido; f) não tem antecedentes criminais.

    2) Factos não provados: Não se provou que: a) o arguido destinasse o estupefaciente referido em 1) à venda ou à cedência, ainda que gratuita, a indivíduos que o procurassem com tal fim; b) a "liamba" referida em 1), depois de devidamente doseada converter-se-ia em 2 doses individuais; o "haxixe", referido em 1), depois de devidamente doseado converter-se-ia em 63 doses individuais; c) que o arguido destinasse o estupefaciente referido em 1), ao seu consumo por um período superior a 10 dias; d) que o arguido agiu livre, consciente e voluntariamente e sabia quais as características, natureza e efeitos do produto estupefaciente que detinha e destinava à venda, com intenção de obter contrapartida económica; e) não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos dados como provados, com interesse para a boa decisão da causa.

    2.3 - Motivação da matéria de facto A convicção do Tribunal fundou-se, quanto aos factos provados, no conjunto da prova produzida em audiência, apreciada nos termos do art. 127.º, do C.P.P., mais concretamente: a) nas declarações do arguido, que confessou parcialmente os factos de que vinha acusado (detenção de estupefacientes, na data, hora e local referidos na acusação) mas negou de forma credível que destinasse a droga apreendida à venda ou cedência a terceiros, afirmando que a mesma era para seu consumo exclusivo, durante cerca de 3-4 dias.

    Referiu que tinha acabado de comprar o estupefaciente que lhe foi apreendido, perto do local da apreensão e pagou €50,00.

    Referiu que ia para casa dos pais, em Valença, por isso comprou “a mais”; na altura morava no Porto e consumia 6-7 doses por dia.

    Nunca vendeu, nunca traficou.

    Está arrependido.

    Consome canabis há mais de 15 anos.

    Actualmente está a fazer tratamento no CRI de Viana do Castelo e só consome esporadicamente haxixe.

    Depôs quanto à sua situação pessoal.

    ***Tiveram-se ainda em conta os documentos juntos aos autos: auto de apreensão de fls. 5, teste de fls. 6.

    *Os exames toxicológicos de fls. 39 e41, foram apreciados nos termos do art. 163.º, do C.P.P..

    *Quanto à situação pessoal do arguido tiveram-se em conta as suas declarações, o teor de fls. 127-128 e o C.R.C do arguido de fls. 126.

    ***Os factos dados como não provados...

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