Acórdão nº 440/16.3T8FLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelAUGUSTO DE CARVALHO
Data da Resolução07 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 440/16.3T8FLG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do PortoB… intentou a presente ação com processo comum de declaração contra C… – Sucursal em Portugal, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €22.387,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

A fundamentar aquele pedido, alega que, no dia 22 de janeiro de 2014, pelas 15,00h, na …, …, freguesia e concelho de …, ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes o autor e D…, tripulando o trator agrícola com a matrícula OG-..-.., e cuja responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação com aquele estava transferida para a ré seguradora, mediante a Apólice nº ………, propriedade da empresa E…, Lda., sita em Vila Nova de Gaia, cujo objeto social é o corte de árvores e madeireira.

Na data do sinistro, o veículo estava operar na …, na …, com a ajuda de um guincho para coadjuvar ao abate e queda de árvores, acoplado ao trator, estando o autor junto à parte traseira do trator a manobrar o referido guincho enquanto procediam ao corte de um eucalipto.

A certa altura, com o guincho a funcionar e quando este puxava um tronco de madeira, o trator cedeu, deslizou e virou, ficando na vertical e com as rodas do lado direito no ar.

Quando se virou, o trator atingiu o autor com um dos seus componentes de natureza contundente, na perna direita, causando-lhe ferimentos que descreve, internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas.

O acidente em apreço deu origem ao processo de Acidente de Trabalho com nº 277/14.4T8PNF, que correu termos na 5.ª Secção de Trabalho, J1, da Instância Central de Vila Nova de Gaia, comarca do Porto, tendo sido parcialmente indemnizado pela ré seguradora de acidentes de trabalho.

Pese embora os tratamentos a que foi sujeito, resultaram para si variados danos, nomeadamente, cicatriz extensa e distrófica ao nível da face interna da coxa direita, perda da sensibilidade e parestesia em zona mal definida na região gemelar e lesão sensitiva do ramo do nervo peroneal, que lhe determinam 4% de incapacidade de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e incapacidades temporárias absolutas.

O acidente transformou-o enquanto pessoa, pelas dores que lhe causou e pelas sequelas que lhe deixou, tornando-o uma pessoa triste.

Contabiliza os danos sofridos, e ainda não indemnizados pela seguradora dos acidentes do trabalho, pedindo a condenação da ré no seu ressarcimento.

A ré contestou, referindo que o proprietário do trator agrícola de matrícula OG-..-.. transferiu para a ora contestante C… a respectiva responsabilidade civil decorrente da circulação desse veículo, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… e que consiste num seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ou seja, de um seguro de responsabilidade civil individual, pela culpa e pelo risco da circulação automóvel.

O seguro contratado não cobre o acidente dos autos, porquanto não se tratou de um acidente de circulação automóvel, mas sim de um acidente de laboração do trator agrícola.

O trator não estava em circulação na data do sinistro, que não houve qualquer violação de norma estradal e que tal sinistro ocorreu num terreno particular.

Conclui pela improcedência da ação.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a acção foi julgada totalmente improcedente e, em consequência a ré C… – Sucursal em Portugal absolvida do pedido.

Inconformado, o autor recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1. A questão fundamental prende-se com a subsunção do sinistro em causa como acidente de viação e consequente obrigatoriedade da ré liquidar os danos decorrentes do mesmo. Importa, por isso, atender à Diretiva 72/166/CEE de 24-4-1972 que se reporta à obrigatoriedade do seguro automóvel.

  1. Ora, como prescreve o artigo 267º, al. a) e b), do Tratado da União Europeia, o juiz nacional está obrigado a reenviar ao Tribunal de Justiça da União Europeia qualquer questão pertinente de interpretação/validade de normas do Direito da União desde que, de acordo com as regras processuais aplicáveis, a sua decisão seja insusceptível de recurso, ou seja, decida em última instância.

  2. Sendo que o reenvio será obrigatório também nos casos em que a jurisprudência europeia anteriormente proferida não seja totalmente clara ou não traduza uma total identidade nas situações de facto em litígio; o que se verifica no caso em análise se se atender às diversas interpretações da Diretiva preconizadas pela União Europeia.

  3. No caso concreto, o tribunal de 1ª instância absolveu a ré seguradora, por ter entendido que o sinistro não se enquadrava nos riscos de circulação do trator, pois este apenas estava com o motor ligado para fornecer energia ao guincho, cumprindo uma função de força motriz; enquadrando-se num sinistro de laboração e não de circulação ou utilização do veículo.

  4. Como no caso em apreço, o Tribunal da Relação poderá constituir a última instância (atendendo à dupla conforme); o dever de reenvio deste Tribunal é obrigatório, além de necessário para a decisão e enquadramento da questão em apreço. Devendo, por isso, suscitar-se a intervenção do TJUE.

  5. Tanto mais que a Comissão sustentou, a propósito do artigo 3.º, nº 1, da Diretiva que este se aplica à utilização de veículos, seja como meio de transporte, ou como máquina, em qualquer lugar, público ou privado, onde possam ter lugar riscos inerentes à utilização de veículos quer estes últimos se encontrem, ou não, em movimento.

  6. Sendo que o TJ já decidiu no Acórdão Vnuk que a circulação de veículos abrange qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo. Pode ser assim abrangida pelo referido conceito a manobra de um trator com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro.

  7. Decisão que parece dar razão à dinâmica do acidente considerada provada nos autos assente no ponto 7 da sentença parece decorrer que o veículo estava a ser utilizado na sua função habitual de atividade agrícola e ou florestal.

  8. No entanto, caso Vs. Exas. assim não entendam e consideram que o Acórdão citado não é totalmente esclarecedor, pois centrou-se na questão da função habitual implicar movimento; tratando-se no caso concreto, de um veículo de natureza mista, usado como meio de transporte e como máquina, designadamente na atividade agrícola florestal, suscetível de causar danos a terceiros, decorrente dessa utilização, quando circulam, mas também estando imobilizados, impõe-se solicitar ao TJUE a interpretação do conceito de “circulação de veículos”, previsto no artigo 3º, nº 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho de 24 de Abril de 1972, nos casos em que um veículo de natureza mista, é utilizado na sua função habitual de máquina, causando danos a terceiros, ainda que se encontre imobilizado.

  9. Suspendendo-se, assim, a instância ao abrigo dos artigos 269º, nº 1, al. c), 1ª parte e 272º, n.º 1, do C.P.C., a fim de submeter ao TJUE a aludida questão de interpretação.

  10. Por outro lado, a sentença recorrida deu como provado que o trator agrícola seguro encontrava-se imobilizado, o guincho acoplado ao trator deslocava os troncos de madeira, era manobrado sem que fosse necessário mover o trator do local onde o mesmo se encontrava e ainda que aquando do sinistro o trator encontrava-se imobilizado de modo permanente (pontos 38 a 41 da matéria de facto).

  11. Sobre esta factualidade, D… explicou que na altura do acidente o trator estaria momentaneamente parado no local, com o motor a trabalhar e que se encontrava a puxar o eucalipto para virar. Afirmou ser o condutor o trator, mudando-o de lugar e estabilizando-o. Explicitando ainda que a função do guincho acoplado ao trator constituído por um cabo de aço destinava-se a puxar as árvores, daí que fosse necessário posicionar o trator no local em que as árvores iam sendo sucessivamente cortadas.

  12. Do depoimento da testemunha infere-se que este considerou vários factores que poderiam ter contribuído para o sinistro, tais como a operação de virar a árvore, o deslize do trator, o deixar a alavanca, o capotamento do mesmo (“virar para o lado”), a possível insistência do autor em colocar o cabo de aço, referindo claramente que o trator tem de estar estabilizado para permitir a concretização do trabalho.

  13. No que concerne à testemunha F…, esta esclareceu que consultou a participação policial lavrada pela GNR, onde consta como causa do acidente o deslizamento do trator.

  14. Atentando, então, às declarações destas testemunhas verifica-se que a factualidade descrita nos pontos 38 a 41 da decisão foi incorrectamente apreciada pela Meritíssima Juiz a quo.

  15. A factualidade constante do ponto 38 é parcialmente contrariada pelo ponto 41. É que na altura do sinistro o trator ou se encontrava imobilizado – ponto 38 –, o que dá a entender que era naquele momento, ou encontrava-se imobilizado, de modo permanente – ponto 41.

  16. Sendo que o guincho acoplado ao trator ajudava a puxar as árvores, entretanto cortadas, não deslocando os troncos de madeira, como menos corretamente ficou provado em 39 da sentença já que o trator ia sendo movimentado de modo a posicionar-se junto das árvores que iam sendo cortadas; nunca estando imobilizado de modo permanente como incorretamente consta do ponto 41.

  17. Deste modo, as declarações prestadas pelas testemunhas e as regras de experiência comum que nos permitem concluir qual o modo de funcionamento de um trator agrícola com um guincho acoplado, impõem a alteração da matéria fáctica dos pontos 38 a 41, como se passa a explanar: Na altura do sinistro, o tractor agrícola seguro encontrava-se momentaneamente...

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