Acórdão nº 5001/07.5TBALM.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LEITÃO LEAL
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 26.9.2007 A intentou no Tribunal Judicial de Almada, contra Município de …/Câmara Municipal de …, ação declarativa com regime processual experimental, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 108/2006, de 8.6.

O A. alegou, em síntese, que há mais de quarenta anos é rendeiro/enfiteuta/cultivador direto das “T…” sitas na freguesia da … da …. O R. comprou, por escrituras de 16.11.71 e 17.3.72, a chamada “…”, vulgo “…”. O A. aí trabalha a terra e fez benfeitorias, nomeadamente construindo edificações, de que é proprietário e pagando renda. O A. adquiriu a propriedade das ditas parcelas de terreno por usucapião e acessão industrial, devendo o R. reconhecer-lhe tal direito.

O A. terminou pedindo que a ação fosse julgada procedente por provada e em consequência: a) Se declarasse ser o A. a legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos; b) Se condenasse o R. a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer atos turbadores do seu exercício; Mais pediu que, “em consequência”: 1. Se declarasse ser o A. legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador possuidor dos seus invocados direitos e 2. Se condenasse o R. a reconhecer ao A. os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o A. na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição.

O R. contestou, negando os factos alegados pelo A. e concluindo pela improcedência da ação, por não provada e consequente absolvição do pedido.

Em 09.6.2008 foi proferido despacho em se absolveu o R. da instância, por ilegimidade processual passiva.

O A. agravou desse despacho e em 05.3.2009 o Tribunal da Relação revogou-o, determinando que os autos prosseguissem a sua normal tramitação.

Foi proferido saneador tabelar e procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e controvertida.

Por despacho de 09.10.2009 foi rejeitado o rol de testemunhas entretanto apresentado pelo R., por ser extemporâneo face ao disposto no art.º 8.º n.º 5 do Dec.-Lei n.º 108/06, de 08.6.

O R. agravou deste despacho, o qual foi recebido com subida diferida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e em 13.06.2011 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente por provada e, em consequência, julgou-se procedente o pedido formulado e declarou-se o direito de propriedade da A. sobre a parcela “acima identificada”, condenando-se o R. a reconhecer esse direito.

Em 01.07.2011 a R. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:(…) Não houve contra-alegações.

Por despacho do relator o tribunal a quo pronunciou-se acerca das nulidades imputadas à sentença, pugnando pela sua não ocorrência.

A convite do relator o apelante afirmou manter interesse no recurso de agravo interposto.

Foram colhidos os vistos legais.

Primeiramente há que apreciar o agravo interposto, o qual provém do apelante (n.º 1 do art.º 710.º do CPC de 1961, na redação anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007 - artigos 11.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 303/2007 e 7.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26.6).

Na alegação do agravo o agravante terminou com as seguintes conclusões:(…) Não houve contra-alegações.

FUNDAMENTAÇÃO A questão objeto deste recurso é se o tribunal a quo deveria ter admitido o rol de testemunhas apresentado pelo R..

Na apreciação do recurso há que levar em consideração o seguinte Factualismo Contrariamente à A., que arrolou testemunhas juntamente com a petição inicial, o R. não indicou testemunhas aquando da apresentação da contestação.

O Direito A presente acção foi instaurada ao abrigo do Dec.-Lei nº 108/2006, de 8 de Julho, o qual instituiu um regime processual experimental (RPE) aplicável a ações declarativas cíveis a que não corresponda processo especial, a vigorar transitoriamente em apenas alguns tribunais, entre os quais os Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal da Comarca de Almada (art.º 21º nº 1 do Dec.-Lei nº 108/2006 e Portaria nº 955/2006, de 13.9).

Subsidiariamente aplicam-se ao aludido regime as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil e, naquilo que aí não vier regulado, o estabelecido para o processo ordinário no referido Código (seja por via do disposto no art.º 463.º n.º 1 do CPC, por se qualificar o RPE como um processo especial – neste sentido, Mariana França Gouveia, “Regime processual experimental anotado”, Almedina, 2006, pág. 25; Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, Almedina, 6ª edição, pág. 41; Luís Filipe Brites Lameiras, “Comentário ao regime processual experimental”, Almedina, 2007, pág. 39; Sónia Alexandra Sousa de Moura, “Breve excurso sobre o regime processual experimental”, Boletim Informação & Debate, V série, nº 5 (Dezembro 2007), Associação Sindical dos Juízes Portugueses, pág. 136; seja por se entender que tal processo, embora comum, deve ser integrado, nas suas lacunas, na falta de disposições do Código de Processo Civil sobre a ação em geral, pelo processo ordinário, por este ser o padrão da ação declarativa – neste sentido, Luís Carvalho Ricardo, “Regime Processual Civil Experimental anotado e comentado”, Cejur, Julho 2007, páginas 7 a 9; António José Fialho, “Simplificação e gestão processual”, in “Regime Processual Civil Experimental”, Conferência na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 16 de Outubro de 2007, Cejur, pág. 68).

Na falta de normas específicas no regime processual experimental, deve procurar-se, pois, no Código de Processo Civil as regras que preencham as lacunas ali existentes.

Ora, no que concerne ao momento da apresentação da prova existem no regime processual experimental normas específicas, as quais, aliás, constituem uma das inovações que o legislador entende serem basilares e que, assim, assumirão natureza imperativa. Falamos do disposto no art.º 8.º, n.º 5, do Dec.-Lei n.º 108/2006, que tem a seguinte redação: “Com os articulados, devem as partes requerer a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo, apresentar o rol de testemunhas e requerer outras provas, indicando de forma discriminada os factos sobre os quais recaem a inquirição de cada uma das testemunhas e a restante produção de prova, podendo a parte a quem é oposto o último articulado admissível alterar, nos 10 dias subsequentes à respectiva notificação, o requerimento probatório anteriormente apresentado.

” O relevo dado pelo legislador a esta inovação face ao regime geral então contido no CPC (cfr. art.º 512.º do CPC de 1961) está evidenciado no Preâmbulo do diploma: “Com ganhos evidentes para a celeridade do processo, impõe-se a apresentação do requerimento probatório com os articulados, garantindo à parte a quem for oposto o último articulado admissível um prazo suplementar de 10 dias para alterar o seu requerimento probatório, sem prejuízo da faculdade, que permanece intocada, de adicionar ou alterar o rol de testemunhas até 20 dias antes do início da audiência final.

” O ónus supra referido só faz sentido se o seu não cumprimento implicar a sanção respetiva, que é a não admissão da prova testemunhal apresentada em momento posterior ao articulado a que respeita.

De resto, conforme consta da nota de citação junta a fls 105, o R. foi citado com a expressa advertência de que, com a contestação, deveria “apresentar o rol de testemunhas e requerer outras provas, de acordo com o n.º 5 do art.º 8.º do DL 108/2006.” O facto de, conforme alega o agravante, eventualmente terem sido praticados no processo atos com formalidade distinta da prevista no regime experimental (sem recurso aos meios eletrónicos previstos no art.º 3.º) poderá acarretar a irregularidade desses atos, a ser arguida no momento oportuno, mas não faz transmudar a forma processual devida e fixada numa outra que não a imposta pelo legislador.

Face ao exposto, já esmiuçadamente analisado por esta Relação e secção em processo idêntico (acórdão de 14.01.2014, processo 4583/07.6TBALM.L2-2, consultável in www.dgsi.pt), entende-se que o agravo não merece provimento, devendo manter-se o despacho recorrido.

Apelação FUNDAMENTAÇÃO As questões suscitadas neste recurso são as seguintes: nulidades da sentença recorrida; impugnação da matéria de facto; aquisição da propriedade do imóvel por via da enfiteuse.

Primeira questão (nulidades da sentença) Como se disse supra, uma vez que o presente processo teve o seu início em 2007 e a sentença recorrida foi proferida em 2011, aplica-se-lhe o CPC de 1961, com a redação anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8 (artigos 11.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 303/2007 e 7.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26.6).

O apelante começa por defender que a sentença recorrida incorre na nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, porquanto teria condenado o apelante em algo diverso do que fora peticionado pelo A.. Norma esta que se articula com o previsto no art.º 661.º n.º 1 do CPC: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.” O tribunal apenas atua a pedido das partes, resolvendo litígios que por elas lhe sejam apresentados (art.º 3.º n.º 1 do CPC), pronunciando-se sobre o concreto pedido que lhe for dirigido (cfr. artigos 467.º n.º 1, alínea e), 193.º n.º 2, 268.º, 272.º, 273.º do CPC).

In casu, o A. pediu que se declarasse que ele, A., era o legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos e se condenasse o R. a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer atos turbadores do seu...

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