Acórdão nº 105/06.4GATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução24 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 105/06.4GATND do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, mediante acusação pública, foi o arguido A...

, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de: a. um crime de ofensa à integridade física por negligência agravada (relativamente ao ofendido C...), p. e p. pelos artigos 148.º, nºs 1 e 2 e 144.º, als. a) e c), do Código Penal por referência às contra-ordenações p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 11.º, n.ºs 2 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.ºs 2 e 3, 24.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código da Estrada; b. um crime de ofensa à integridade física por negligência agravada (relativamente ao ofendido B...), p. e p. pelos artigos 148.º, n.ºs 1 e 2 e 144.º, als. a), b), c) e d), do Código Penal, por referência às contra-ordenações p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 11.º, n.ºs 2 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.ºs 2 e 3, 24.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código da Estrada; c. dois crimes de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; d. um crime de condução perigosa de veículo, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, por referência às contra-ordenações p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 11.º, n.ºs 2 e 3, 18.º, n.ºs 2 e 3, 24.º, n.ºs 1 e 3, 31.º, n.ºs 1, al. c) e 2, 35.º, n.ºs 1 e 2, 38.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 3 e 4, todos do Código da Estrada, e ainda dos artigos 8.º al. a), 21.º e 23.º, 60.º, n.º 1, 64.º e 65.º, al. b), 27.º e 61.º, todos do R.S.T., aprovado pelo Decreto – Regulamentar n.º 22- A/98, de 01.10, incorrendo ainda na pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 16.07.2012, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor: «Por tudo o exposto o tribunal julga procedente porque provada a acusação pública, e em disso: a) Condena o arguido A... pela prática como autor de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, nº 1 do Código Penal, na pessoa de B... numa pena de 6 meses de prisão; b) Condena o arguido A... pela prática como autor de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, nº 1 do Código Penal, na pessoa de C..., numa pena de 6 meses de prisão; c) Condena o arguido A... pela omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º, nº 2 do Código Penal, na pessoa de B... numa pena de 6 meses de prisão; d) Condena o arguido A... pela omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º, nº 2 do Código Penal, na pessoa de C... numa pena de 6 meses de prisão; e) Condena o arguido A... numa pena de 1 ano de prisão pela prática como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, nº 1, al b), do Código Penal; f) Em cúmulo jurídico condena o arguido A... na pena única de 2 anos de prisão suspensa na execução por igual período; g) Condena o arguido A... na pena complementar de proibição de conduzir veículos a motor por 12 meses; h) Condena o demandado A... a pagar aos demandantes B...e C... a quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais; i) Condena o arguido A... nas custas penais fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigo 513º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal); j) Custas cíveis na proporção do decaimento.

    …».

  2. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido/demandado, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: - Quanto à matéria de facto – artigo 412º nº 3 do CPP I. A sentença foi omissa quanto à pronúncia de factos essenciais sobre os quais se deveria debruçar e dar como provados.

    Tais factos são os enumerados na dissertação atrás feita enumerados no seguimento dos relatados na sentença: a) – 68º - o arguido A... tinha segurado o seu veículo ...IT na D...

    , S.A, com sede na ... Lisboa, para a qual havia transferido a sua responsabilidade pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiro até ao capital de 600.000,00€ através da apólice nº 204084722.

    1. – 69º - A Vitima B...declarou ter recebido em consequência do acidente descrito nos autos a quantia de 225.000,00€, e com o recebimento dessa quantia liquida, considerou-se ressarcido de todos os danos presentes e futuros decorrentes do acidente de viação em causa, nada mais tendo a reclamar da seguradora.

    2. – 70º - Pago em 24/05/10, assinou o respectivo recibo perante a seguradora.

    3. – 71º - Em idênticos termos declarou a vítima C..., declarando ter recebido 90.000,00€.

    4. – 72º - Pago em 12.10.2009, assinou o recibo perante a mesma seguradora.

    5. – 73º - A vítima C... após o acidente ficou consciente, lembrou-se que tinha o telemóvel consigo, conseguindo ligar para os bombeiros e para o seu colega, E...

      .

    6. – 74º - O C...disse ao E...que tinha sofrido conjuntamente com seu pai um acidente grave de viação e pediu-lhe para vir ao local que identificou.

      1. O nº 68 tem como provas a participação subscrita pelo militar da GNR a Fls. 9, a carta verde a fls. 71 e os documentos de fls. 531, 533, 534, 535, 536 e 537.

      Os números 69º, 70º, 71º e 72º fundam-se nesta última série de documentos. Os números 73º e 74º fundam-se nos respectivos depoimentos da vítima C... e testemunha E....

      III – Pois mais censurável ou chocante que seja o abandono, os crimes de omissão de auxilio previstos e declarados puníveis pelo artigo 200º nº 1 e nº 2 do CP, só são puníveis desde que haja grave necessidade desse mesmo auxilio.

      IV – Daí decorre que tendo a vítima obtido o auxílio necessário por seus próprios meios, nomeadamente através de uma chamada de telemóvel feita por si, não existe o crime de omissão de auxílio.

      V – O Tribunal a quo, interpretando o artigo 200º nº 1 do CP, sem cuidar de examinar um dos seus elementos típicos – a grave necessidade – violou esse mesmo preceito e em consequência o nº 2 sucedâneo daquele; VI – O mesmo tribunal a quo interpretou a omissão de auxílio ou abandono da vítima como não indemnizável pela seguradora do seguro automóvel obrigatório entendendo-a como autónoma do acidente.

      VII – Quando a omissão de auxílio ou abandono é feita na sequência do acidente de viação, e o auxílio decorre das consequências deste, todas as indemnizações até ao limite do capital obrigatoriamente seguro, por danos patrimoniais e não patrimoniais resultante de lesões corporais materiais, cabem em primeira mão à companhia de seguros.

      É este o sentido do artigo 1º nº 1, 19º al. c) e 29º nº 1 al. a) do D.L. 522/85 de 31.12, que o Tribunal a quo violou.

      VIII – Decidindo-se pela absolvição dos crimes de omissão de auxílio e pela absolvição dos pedidos de indemnização civil, se fará JUSTIÇA! 4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: I – Atento os documentos juntos aos autos, bem como, das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo ofendido C... e pela testemunha E..., deveriam ter sido dados como provados os factos que o recorrente/arguido alude no ponto I das conclusões que apresentou e que deveriam corresponder aos pontos 68 a 74, dos factos provados.

      II – Defende o recorrente/arguido que tendo a vítima obtido auxílio pelos próprios meios, nomeadamente, através de uma chamada de telemóvel feita por si, não existe crime de omissão de auxílio, uma vez que estes crimes só são puníveis desde que haja grave necessidade desse mesmo meio.

      III – Atento os factos provados, nomeadamente nos pontos 26 a 31, competia ao recorrente/arguido naturalmente, na medida das suas possibilidades, providenciar por socorro.

      IV – Contudo, abandonou o local e não cuidou de saber do estado de saúde dos ofendidos ocupantes do ciclomotor, deixando-os entregues às contingências da sorte.

      V – Houve, pois, abandono dos ofendidos por parte do recorrente/arguido, ruindo por completo toda a construção argumentativa aduzida.

      VI – Foram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de omissão de auxílio, pelo que, deverá improceder o recurso, nesta parte.

      VI – Afigura-se-nos que no momento em que o condutor voluntariamente decide omitir o auxílio às vítimas e afastar-se sem as socorrer já os danos resultantes do acidente, cobertos pelo seguro, estão, efectiva ou potencialmente, provocados, existindo já, relativamente a eles (ainda que futuros), responsabilidade civil da seguradora.

      VII – Conforme consta dos autos, nomeadamente, da carta verde de fls. 71 e dos documentos de fls. 531, 533, 534, 535, 536 e 537, o recorrente/arguido havia transferido para a seguradora “ D..., S.A.”, através da apólice nº 204084722, a responsabilidade pela responsabilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros até ao capital de 600.000,00€.

      VIII – Tendo os ofendidos recebido as quantias acima mencionadas e terem declarado encontrarem-se ressarcidos dos danos presentes e futuros, em sequência do acidente, deverá o recorrente/arguido ser absolvido da indemnização civil em que foi condenado.

      IX – Em consequência, verifica-se violação do disposto no artigo 1º, 19º, alínea c) e 29º, nº 1, alínea a), do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12.

      X – Pelo que, deverá o recurso, nesta parte proceder, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente absolvição do recorrente/arguido da indemnização civil a que foi condenado.

  3. Também os demandantes responderam ao recurso, concluindo: 1. O recorrente pretende a revogação da douta sentença proferida na parte em que foi condenado como autor pela prática de dois crimes de omissão de auxílio, na pena de 6 meses cada e ainda na parte em que o condenou a pagar a cada um dos demandados/recorridos a quantia de 3.500,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da prática de tal crime.

  4. Para tanto, recorre...

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