Acórdão nº 250/06.6PCLRS.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelRUI GONÇALVES
Data da Resolução13 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA * Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de Instrução nº 250/06.6PCLRS dos Juízos Criminais e de Pequena Instância Criminal de Loures, 2.º Juízo Criminal, por decisão instrutória de 21DEZ2010, foi decidido, no que ao caso releva: “[…] julgo verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, não pronuncio o arguido H […] pela prática, em autoria material, de doze crimes de falsificação, p. e p., à data dos factos, pelo art. 256.º, n.º 1 als. b) e c) e n.º 3 do Código Penal e actualmente, pelo art. 256.º, n.º 1, als. d), e) e f) e n.º 2 do Código Penal e, em consequência, determino o arquivamento dos autos.”.

* 1.2. Inconformado com a referida decisão instrutória proferida pela Senhora Juíza de Instrução Criminal, dela recorreu em 24JAN2011 o Ministério Público, remata a sua motivação recursória com as seguintes conclusões (transcrição): “1) O arguido requereu a abertura da instrução nos presentes autos porquanto entende ter já sido julgado pela prática dos mesmos factos, mormente no processo que correu termos no 6.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Lisboa sob o n.º 8776/04.0TDSLSB.

2) Alega que as diversas condutas por si empreendidas, objecto destes autos e dos mencionados em 1), constituem uma única resolução criminosa, pois que a actuação do arguido, embora se consubstancie em várias actuações, é determinada por um só desígnio criminoso pré-orientado para a consecução de um mesmo objectivo: "não ser localizado pela justiça brasileira e autoridades judiciais portuguesas".

3) Concluindo que há que afastar tanto a realização plúrima como o crime continuado, pois em causa está um só crime, decorrente de uma só intenção criminosa, pelo qual o arguido já foi julgado, logo não poderá ser julgado novamente sem violação do princípio "ne bis in idem" previsto constitucionalmente no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

4) Compulsadas as diversas condutas constantes da acusação deduzida no processo que correu termos no 6.º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca de Lisboa sob o n.º 8776/04.0TDSLSB e as constantes da acusação deduzidas nos presentes autos, logo se verifica que há apenas identidade histórica no que respeita à emissão em 17 de Dezembro de 1999, mediante apresentação de documentação forjada em nome de J[…] perante a Direcção-Geral de Viação, da carta de condução da República Portuguesa com o número L – 1591964 2, havendo apenas nesta parte caso julgado.

5) Quanto aos demais factos elencados em ambas as peças acusatórias, não só aquela identidade histórica não ocorre como os períodos que medeiam entre as diversas comissões criminosas são de tal forma alargados que não permitem concluir pela unidade criminosa.

6) O Direito Penal encarna um conjunto de normas que visa obstar os indivíduos a formular resoluções criminosas: estes têm que vencer as contra-motivações éticas subjacentes à prática do ilícito, violar a função de determinação do tipo, para praticar um determinado crime.

7) Refere Eduardo Correia que “pode suceder, e sucede com frequência, que o momento psicológico, correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal, se estruture de tal forma que esse concreto juízo de reprovação tenha de ser formulado várias vezes”, resultando que “o todo formado por tais actividades se fragmenta agora, na medida em que algumas das suas partes são objecto de um juízo autónomo de censura (…)”.

8) É o caso destes autos, em que o arguido por diversas vezes, decorridos diversos períodos de tempo nunca inferiores a um mês, tomou a resolução de violar o tipo de ilícito previsto actualmente pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d), e) e f) e n.º 2 do Código Penal, actualizando repetidamente a sua vontade criminosa, obstando assim à eficácia determinadora das normas infringidas.

9) Acresce que o decurso do tempo entre cada uma das condutas - in casu, nunca inferior a um mês e chegando a ser de quase oito anos - é de tal modo significativo que, de acordo com as regras da experiência comum, não pode deixar de se afirmar que a cada nova conduta o agente se determinou a preencher o ilícito típico em causa.

10) Tal conclusão é, em concreto, suportada pela heterogeneidade de documentos que o agente falsificou.

11) Fica por isso afastada a unidade criminosa, tendo-se por estabelecida a diversidade histórica e a pluralidade de resoluções criminosas que presidiu à comissão de cada um dos crimes pelos quais o arguido vem acusado nos presentes autos.

12) Não estamos, assim, perante o mesmo crime, não havendo, consequentemente, violação do caso julgado pela submissão do arguido a julgamento pelos factos – descontada a emissão da carta de condução – constantes da acusação deduzida nestes autos.

13) A decisão de que se recorre aventou, para ter como verificada a excepção de caso julgado e decidir pela não pronúncia do arguido, a existência, in casu, de uma continuação criminosa.

14) Contudo, não há homogeneidade na forma de execução do crime, pois, para lá da circunstância de preencherem o mesmo ilícito típico, não há semelhança fáctica, revelada no plano comissivo, entre celebrar matrimónio, requerer licença de uso e porte de arma, a emissão de cartões de crédito, de documentos de identificação civil, como o passaporte e o Bilhete de Identidade, proceder ao registo da paternidade de quatro filhos, requerer a emissão do cartão de contribuinte, de cartões de crédito, de cartão de utente, outorgar escritura de contrato de sociedade comercial por quotas e obter livrete de manifesto de armas e diversos cheques.

15) O “telos” da figura do crime continuado é, como se sabe, a diminuição considerável do grau da culpa do agente.

16) Só ocorre diminuição sensível da culpa do agente, tradutora de uma menor exigibilidade para que o agente actue de forma conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta, nas palavras impressivas de Eduardo Correia, de fora, não sendo o agente o veículo através do qual a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê.

17) E isto porque se na base da continuação criminosa está a diminuição da culpa, operar-se-ia um absoluto entorse da figura se se entendesse actuar com culpa diminuída o agente que se depara com uma circunstância facilitadora do crime que, afinal, houvera sido ele a criar.

18) No caso dos autos, como a própria sentença reconhece, foi o arguido quem obteve o registo de nascimento falso no Brasil e o Bilhete de Identidade de cidadão estrangeiro, também falso, em Portugal e foi ainda ele quem solicitou a emissão de todos os outros documentos, mediante a apresentação daquele registo de nascimento de daquele BI falsificados.

19) Em suma, foi o arguido quem, activamente, as provocou, violando consecutivamente, maugrado os lapsos temporais decorridos e que lhe permitiam mover a sua consciência crítica para os actos que empreendia, as normas jurídico-penais que lhe exigiam comportamento diverso. Não há circunstância exterior, nem culpa diminuída.

20) Concluindo-se pela inexistência, in casu, do crime continuado, violando a decisão recorrida a norma ínsita no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal.

21) E tal conclusão é ainda reforçada quando se atenta na longevidade espácio-temporal das plúrimas violações, todas elas distantes umas das outras mais de um mês o que permitiria ao agente mobilizar os factores críticos da sua personalidade para avaliar a sua anterior conduta de acordo com o Direito e distanciar-se da mesma. Não o fazendo, já não se depara com uma culpa sensivelmente diminuída mas com um dolo empedernido.

22) Não há, como [se] demonstrou, entre os factos constantes de ambos os processos, unidade criminosa ou crime continuado, pelo que o tribunal da primeira decisão jamais poderia ter conhecido dos factos objecto dos presentes autos.

23) Assim, haverá que concluir ter violado a decisão recorrida o disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP, e no artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, uma vez que não estamos na presença, nos dois processos, nem do mesmo crime nem de um crime continuado.

24) Acresce que, ainda que assim se não entenda, uma vez que nos autos com o n.º 8776/04.0TDLSB o arguido foi absolvido, entender, como o faz a decisão recorrida, que as condutas objecto destes autos estão em continuação criminosa com aqueloutras é, isso sim, violação do caso julgado, pois contraria frontalmente uma decisão judicial já transitada, violando assim frontalmente o disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.

25) Pelo que deve a decisão instrutória recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida nestes autos, descontando a emissão, em 17.12.1999, de carta de condução da República Portuguesa com o número L-1591964.

Porém, Vossas Excelências, apreciando, farão a costumada JUSTIÇA!” * 1.3. Na 1.ª instância, não foi apresentada qualquer resposta pelo arguido.

* 1.4. Foi cumprido na oportunidade o disposto no art. 416.º do Código de Processo Penal, tendo em 06ABR2011 a Ex.ma Magistrada do Ministério Público (P.G.A.) junto deste Tribunal aposto o seu “Visto”.

* 1.5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.

* 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DA QUESTÃO DE FACTO Comecemos por nos deter sobre as ocorrências relevantes para decisão do presente recurso: 2.1.1. O arguido H[…] foi nos Autos de Inquérito n.º 250/06.6PCLRS, em 08JUN2009, acusado pelo Ministério Público, da prática dos factos descritos a fls. 155 a 160, dos presentes autos, e consequentemente, da prática em autoria material e em concurso real, de 12 (doze) crimes de falsificação de documento, previsto e punível, à data dos factos, pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 3 do Código Penal e, actualmente, pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas d), e) e f) e n.º 2 do...

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