Acórdão nº 452/08.0TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 96 - FLS 25.

Área Temática: .

Sumário: I - Encontrando-se o recurso de agravo expressamente previsto no Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo DL 480/99, de 9/11 (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13/10), e não tendo o referido Código sido alterado pelo DL 303/2007, de 27/4 (que reformou o regime de recursos em processo civil), o agravo manteve-se, continuando a existir.

II - O agravo que tenha por objecto apreciar da inadmissibilidade, invocada pelo autor/trabalhador, de produção de prova sobre o conteúdo de mensagens abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (na redacção da lei 99/2003, de 27/8), sobe imediatamente (art. 84º, n.º 2 do CPT), uma vez que a sua retenção, implicando a produção de prova, o tornaria absolutamente inútil já que produziria o efeito (divulgação do que é confidencial) que a lei pretendeu preservar ao consagrar tal direito.

III - O conteúdo das mensagens, de natureza pessoal, enviadas ou recebidas pelo trabalhador, ainda que em computador da empresa, estão abrangidas pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no art. 21º do Código do Trabalho (2003) não podendo, em consequência e sem o consentimento do trabalhador, ser utilizado para fins disciplinares, nem produzida prova, designadamente testemunhal, sobre tal conteúdo.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Procº nº 452/08.0TTVFR.P1 Agravo Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 280) Adjuntos: Des. André da Silva Des. Machado da Silva (Reg. nº 1355) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B………. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C………., Ldª, pedindo, no que importa ao recurso, que seja declarada a ilicitude do despedimento e a ré condenada nas consequências legais dai decorrentes.

Para tanto, alegou, em síntese, que os factos imputados na nota de culpa e decisão de despedimento assentaram, como a própria ré diz em tais peças, no conteúdo das mensagens pessoais trocadas, por correio electrónico, entre o A. e uma colega (D……….), o que constitui violação da confidencialidade de tais mensagens e do disposto no art. 21º, nº 1, do Código do Trabalho e nos arts. 18º, 26º, nº 1 e 34º, nºs 1 e 4 da CRP e que as transcrições das mesmas feitas no processo disciplinar assentam em prova ilegal e nula.

A Ré contestou, concluindo no sentido da improcedência da acção e alegando, para além do mais que não importa ao recurso, que o A. foi despedido com justa causa face ao conteúdo injuriosos, difamatório e conspirativo das mensagens trocadas entre o A. e a referida colega por correio electrónico e utilizando o computador da empresa e que “a leitura do e-mail é um meio de prova como qualquer outro”, nada impedindo que seja pela ré utilizado para fins disciplinares.

Juntou ainda a ré o processo disciplinar, de onde consta a transcrição do conteúdo das referidas mensagens.

O A. respondeu à contestação, a qual foi tida por não escrita por inadmissibilidade legal e, notificado da junção do processo disciplinar, impugnou as “transcrições quanto à sua genuinidade” e invocou a violação do direito à reserva e confidencialidade das comunicações pessoais.

Proferido despacho saneador com dispensa da selecção da matéria de facto e iniciada a audiência de discussão e julgamento, no seu decurso (aquando do início da inquirição da testemunha E………., arrolada pela ré e indicada também à matéria dos artºs 5 e 6 da contestação), o A. requereu “que não seja admitida prova testemunhal sobre o teor dessas comunicações e que não sejam atendidos quaisquer outros meios de prova que visem a mesma finalidade”. Para tanto referiu que, como a ré reconhece, se tratam de comunicações electrónicas de natureza pessoal e invocou os arts. 34º e 32º, nº 8, da CRP, 21º, nº 1, do CT e 192º e 194º do Cód. Penal e a nulidade das provas obtidas através de abusiva intromissão da correspondência e telecomunicações.

Após resposta da Ré, no sentido do indeferimento do requerido, a Mmª Juíza proferiu o seguinte despacho: “ Como os ilustres Mandatários tem já conhecimento uma vez que o teor das exposições que antecedem mais não são do que elementos já alegados nos articulados, a questão de fundo deste julgamento prende-se com a matéria que é objecto de posições doutrinais e jurisprudenciais divergentes. Assim e como também é do conhecimento dos mesmos, o julgamento deve ter a amplitude necessária às diversas soluções plausíveis de direito. Por outro lado o carácter ou natureza pessoal ou não das mensagens em causa dependem de apreciação e prova pelo Tribunal que tem que fazer uma análise dos mesmos.

Tendo no entanto em conta que o próprio teor dos documentos se encontra impugna o Tribunal terá antes de mais de apurar se as afirmações imputadas ao Autor foram pelo mesmo proferidas e posteriormente analisar do seu carácter pessoal.

Pelo exposto e mais uma vez e atentas as diversas soluções plausíveis de direito não pode o Tribunal coarctar os meios de prova das partes, pelo que se indefere o requerido.”.

Inconformado, veio o A. interpor recurso de agravo do mencionado despacho, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: 1ª – A R. alega como justa causa de despedimento do A. a troca de mensagens pessoais entre este e a ex-colega de trabalho D………. através de correio electrónico e de endereços de domínio privado, com recurso a computador da empresa, mensagens essas a que a R. acedeu, leu, usou e divulgou na ausência e sem o conhecimento e autorização do A. e ou da referida ex-colega de trabalho.

  1. - A R. imputou ao A. o teor das mensagens pessoais referidas na conclusão anterior reproduzindo na nota de culpa e na decisão de despedimento mensagens pessoais que diz serem reprodução fiel das mensagens trocadas pelo A. e pela ex-colega de trabalho através de correio electrónico.

  2. – A R. pretende produzir em julgamento prova, designadamente, testemunhal, sobre o teor dessas mensagens pessoais a que acedeu pela forma já descrita, prova que foi admitida com o fundamento de que só desse modo o Tribunal poderá ter em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito e como provada a matéria de facto que lhe permita aquilatar da licitude ou ilicitude dessa devassa e divulgação das referidas mensagens.

  3. – Contrariamente ao que parece suposto no douto despacho recorrido, o Tribunal, ainda antes da produção de qualquer prova, sabe que o "thema probandum" da R. é a justa causa tal como a R. a configurou sucessivamente na nota de culpa e na decisão de despedimento, que se dão aqui por reproduzidas.

  4. – O douto despacho recorrido incorre, salvo o devido respeito, num erro lógico, pois o que a R. pretende provar o Tribunal já sabe o que é e a R. não poderá provar mais que o que alegou, isto é, no final da prova, na melhor das hipóteses para a R. o Tribunal poderá concluir que é sua convicção que corresponde à verdade o que a R. alegou, mas, embora correspondendo à verdade, não poderá ser dado como provado, pois foi tal quadro fáctico seria obtido com recurso a prova nula.

  5. – A questão colocada pelo A. no seu requerimento impõe uma decisão imediata sobre se a R. pode ou não produzir prova sobre os factos que invoca e aos quais acedeu pelos meios e nas circunstâncias que alega e o Tribunal conhece.

  6. – Com os dados conhecidos nos autos a produção de prova sobre o teor das mensagens pessoais aqui em causa é nula e inadmissível. Na verdade, 8ª – As comunicações por correio electrónico de natureza pessoal são invioláveis, sendo garantidos o sigilo das comunicações e o direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal, sendo nulas as provas produzidas através de violação destes princípios (artºs 34º,nº 1 e 32º, nº 8 da CRP e 21º, nº 1 do CT).

  7. – Nas mensagens imputadas ao A. não são tratados assuntos profissionais da empresa R., tratando-se apenas de comentários e desabafos trocados na esfera particular e intima da troca de mensagens pessoais que fazia com a colega de trabalho, sendo visível a intenção e a vontade de manter tais comentários e desabafos nessa esfera privada de natureza reservada e inviolável.

  8. – As mensagens imputadas ao A. pela R. são pessoais e o seu carácter pessoal era imediatamente evidente, como evidente era que tais mensagens foram trocadas entre endereços de domínio privado e, embora sabendo isso, a R. acedeu a essas mensagens, leu-as, divulgou-as e reproduziu-as.

  9. — É inadmissível que a R. possa sobre tais mensagens produzir qualquer prova em julgamento, devendo, por isso, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que proíba a R. de fazer prova sobre tais mensagens pessoais imputadas ao A. na nota de culpa e na decisão de despedimento.

  10. — O douto despacho recorrido viola o disposto nos artºs 34°, nº 1 e 32º, nº 8 da CRP e no artº 21º,nº 1 do Código do Trabalho.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e determinando-se que a R. não poderá produzir prova sobre as mensagens pessoais que imputa ao A. na decisão de despedimento.

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: A) O Recurso interposto é legalmente inadmissível, nos termos da alteração do CPC introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que "acabou" com os Agravos; B) Não há motivo para atribuir ao Recurso efeito suspensivo, pois a sua retenção não só não o torna inútil, como não lhe causa qualquer prejuízo, C) mais não sendo do que lima tentativa de obter decisão sobre o mérito da causa sem discussão e julgamento da mesma; D) Acresce que o julgamento já começou, e a atribuição de eventual efeito suspensivo, é susceptível de violar o princípio da continuidade da audiência.

  1. Nesta fase processual, o Tribunal não sabe quem é o autor das mensagens, e tem de sabê-lo, por...

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